A Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) deverá pagar indenização por danos morais a consumidora, em razão da demora excessiva no restabelecimento do fornecimento de água de seu imóvel. A decisão, unânime, foi da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou recurso da concessionária de serviço público.
O caso teve início com uma ação de indenização proposta pela moradora do imóvel em que o fornecimento de água foi suspenso por cinco dias, por conta de manutenção realizada pela Deso na rede de água.
Embora a companhia tenha comunicado sobre a interrupção do serviço em dia e horário específico, em vez de 12 horas (como divulgado), a suspensão durou cinco dias, sem qualquer assistência aos moradores dos bairros atingidos pelo desabastecimento.
O Tribunal de Justiça de Sergipe considerou que houve dano moral, tendo em vista a demora no restabelecimento de serviço essencial, além do excesso de prazo sem prestação de assistência à consumidora.
Vício
Inconformada com o entendimento do tribunal sergipano, a companhia recorreu ao STJ. Alegou que houve “vício do serviço, uma vez que apenas a prestação de água foi comprometida, sem que houvesse lesão à saúde do consumidor”. Sustentou, também, que o prazo para pedir a indenização estaria prescrito quando a consumidora ajuizou a ação, porque deveria ser aplicado o artigo 206, parágrafo 3º, do Código Civil, que prevê prazo prescricional de três anos para reparação civil.
O relator do caso, ministro Herman Benjamin, afirmou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que “a relação entre a concessionária de serviço público e o usuário final, para fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”.
O ministro explicou que, quando são analisados danos oriundos de produtos ou serviços de consumo, é afastada a aplicação do Código Civil, em razão do regime especial previsto no CDC. “Só excepcionalmente aplica-se o Código Civil, ainda assim quando não contrarie o sistema e a principiologia do CDC”, ressalvou.
Elevado potencial lesivo
Para o ministro, “é de causar perplexidade a afirmação de que ‘apenas a prestação de água foi comprometida’”, visto que “a água é o ponto de partida, é a essência de toda vida, sendo, portanto, um direito humano básico, o qual deve receber especial atenção por parte daqueles que possuem o mister de fornecê-la à população”.
Herman Benjamin considerou que o acórdão do tribunal sergipano demonstrou com clareza o elevado potencial lesivo dos atos praticados pela concessionária. Afirmou, ainda, que os cinco dias sem abastecimento de água configuraram “notória falha na prestação de serviço, ensejando, portanto, a aplicação da prescrição quinquenal do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor”.
PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. SERVIÇO ESSENCIAL. DIREITO HUMANO À ÁGUA. DEMORA EXCESSIVA NO REABASTECIMENTO. EXCESSO DE PRAZO SEM PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA AO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. 5 ANOS. ART. 27 DO CDC.
1. Trata-se na origem de ação ajuizada em desfavor da ora recorrente, na qual se pleiteia indenização por danos morais, tendo em vista o lapso de cinco cinco dias sem que houvesse fornecimento de água no imóvel da ora recorrida,
em função de manobras realizadas pela Companhia de Saneamento de Sergipe na rede de água.
2. Em Recurso Especial, a insurgente aduz que o prazo prescricional a ser adotado no caso dos autos é o de três anos, conforme preceitua o artigo 206, § 3º do Código Civil.
3. O alegado dissenso jurisprudencial deve ser comprovado, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles.
Indispensável a colação de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente, não bastando a mera transcrição de ementas. O não respeito a tais requisitos legais e regimentais impede o conhecimento do Recurso Especial com base na alínea “c”, III, do art. 105 da Constituição Federal.
4. Conforme entendimento pacificado no STJ, “a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação
do Código de Defesa do Consumidor” (AgRg no AREsp 354.991/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11/9/2013).
5. Em se tratando de matéria relacionada a danos oriundos de produtos ou serviços de consumo, é afastada a aplicação do Código Civil, tendo em vista o regime especial do Código de Defesa do Consumidor. Só excepcionalmente aplica-se o Código Civil, ainda assim quando não contrarie o sistema e a principiologia do CDC.
6. In casu, a recorrente alega que o caso dos autos trata de vício do serviço, uma vez que apenas a prestação de água foi comprometida, sem que houvesse lesão à saúde do consumidor.
7. É de causar perplexidade a afirmação de que “apenas a prestação de água foi comprometida”. O Tribunal de origem deixou muito claro que, “No caso dos autos, a DESO havia comunicado aos moradores de determinados bairros da
capital, entre eles o do autor, sobre uma interrupção no fornecimento de água, no dia 08/10/2010, das 06:00 às 18:00 horas. Ocorre que a referida suspensão estendeu-se por cinco dias, abstendo-se a empresa de prestar qualquer assistência aos consumidores”.
8. É inadmissível acatar a tese oferecida pela insurgente. A água é o ponto de partida, é a essência de toda vida, sendo, portanto, um direito humano básico, o qual deve receber especial atenção por parte daqueles que possuem o mister
de fornecê-la à população.
9. As nuances fáticas delineadas no acórdão recorrido demonstram claramente o elevado potencial lesivo dos atos praticados pela concessionária recorrente, tendo em vista os cinco dias sem abastecimento de água na residência da parte recorrida, o que configura notória falha na prestação de serviço, ensejando, portando, a aplicação da prescrição quinquenal do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
10. Recurso Especial não provido.