A cobrança de tarifa bancária para quem faz mais de quatro saques no mês em terminais de autoatendimento não é abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), de acordo com interpretação da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o entendimento unânime dos ministros, a cobrança de tarifa a partir do quinto saque mensal segue a Resolução 3.518/07, reproduzida na atual Resolução 3.919/10, ambas do Banco Central do Brasil (Bacen), por deliberação do Conselho Monetário Nacional (CMN), não violando, portanto, as normas do CDC.
A decisão estabeleceu que “não se trata de simplesmente conferir prevalência a uma resolução do Banco Central, em detrimento da lei infraconstitucional (no caso, o Código de Defesa do Consumidor), mas, sim, de bem observar o exato campo de atuação dos atos normativos (em sentido amplo) sob comento, havendo, entre eles, no específico caso dos autos, coexistência harmônica”.
No recurso julgado pelo STJ, proposto contra uma instituição financeira, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) argumentou que a cobrança viola o contrato de depósito bancário, pois “onera o consumidor com tarifa para reaver o que é seu de direito”.
Serviço prestado
A instituição financeira, por sua vez, alegou que a cobrança da tarifa é prevista no contrato assinado entre o correntista e o banco e que “a cobrança da tarifa sobre saques excedentes não está destinada a remunerar o depositário pelo depósito em si, mas sim a retribuir o depositário pela efetiva prestação de um específico serviço bancário não essencial”.
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso, não há “qualquer incompatibilidade” da tarifa sobre o serviço de saque excedente com os “preceitos consumeristas, tampouco com a natureza do contrato de conta-corrente de depósito à vista”.
O ministro considerou ainda que “a tese de desequilíbrio contratual revela-se de todo insubsistente, seja porque a cobrança da tarifa corresponde à remuneração de um serviço bancário efetivamente prestado pela instituição financeira, seja porque a suposta utilização, pelo banco, dos recursos depositados em conta-corrente, se existente, decorre da própria fungibilidade do objeto do depósito (pecúnia), não havendo prejuízo ao correntista que, a qualquer tempo, pode reaver integralmente a sua quantia depositada”.
“Por todos os ângulos que se analise a questão, tem-se por legítima a cobrança de tarifa pelos saques excedentes, com esteio na Resolução do Banco Central do Brasil, por deliberação do CMN”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1348154
Ementa
RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO BANCÁRIO DE SAQUE EXCEDENTE. 1. COBRANÇA DE TARIFA SOBRE O EXCESSO DE SAQUE EFETUADO PELO CORRENTISTA NO MÊS, COM ESTEIO NA RESOLUÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL, POR DELIBERAÇÃO DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. LICITUDE. 2. AFRONTA À LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. NÃO OCORRÊNCIA. ESPECIALIDADE DA LEI DE REGÊNCIA. OBSERVÂNCIA. 3. REMUNERAÇÃO POR SERVIÇO EFETIVAMENTE PRESTADO, QUE NÃO SE CONFUNDE COM A EVENTUAL CONTRAPRESTAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO. RECONHECIMENTO. VULNERAÇÃO DA NATUREZA DO CONTRATO DE DEPÓSITO. NÃO OCORRÊNCIA. 4. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. A Lei n. 4.595/1964, recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar e regente do Sistema Financeiro Nacional, atribui ao Conselho Monetário Nacional competência exclusiva para disciplinar as operações creditícias em todas as suas formas, bem como limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive, os prestados pelo Banco Central da República do Brasil.
1.1 O Conselho Monetário Nacional, no estrito exercício de sua competência de regulamentar a remuneração dos serviços bancários, atribuída pela Lei n. 4.595/1964, regente do Sistema Financeiro Nacional, permitiu a cobrança de tarifas sobre o excesso de saques efetuados no mês pelo correntista, do que ressai sua licitude.
1.2 Sob a vigência da Resolução n. 2.303/1996 do Banco Central do Brasil, permitia-se às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma qualificava como básicos, em cujo rol taxativo não constava o serviço de saque sob comento, exigindo-se, para tanto, a prévia e efetiva contratação e prestação do serviço bancário. Sem descurar da essencialidade do serviço de saque em relação ao contrato de conta-corrente, a partir da entrada em vigor da Resolução n. 3.518/2007 do Banco Central do Brasil, o Conselho Monetário Nacional passou a, expressamente, definir os serviços bancários que poderiam ser objeto de remuneração, no que se inseriu o de saques excedentes em terminal eletrônico, assim considerados pela norma como aqueles superiores a quatro no mesmo mês. Esta normatização, é certo, restou reproduzida pela Resolução n. 3.919 de 2010, atualmente em vigor.
2. Não se trata de simplesmente conferir prevalência a uma resolução do Banco Central, em detrimento da lei infraconstitucional (no caso, o Código de Defesa do Consumidor), mas, sim, de bem observar o exato campo de atuação dos atos normativos (em sentido amplo) sob comento, havendo, entre eles, no específico caso dos autos, coexistência harmônica.
2.1. É, pois, indiscutível a aplicação da lei consumerista às relações jurídicas estabelecidas entre instituições financeiras e seus clientes. É inquestionável, de igual modo, a especialidade da Lei n. 4.595/1964 (com status de lei complementar), reguladora do Sistema Financeiro Nacional, que, como visto, atribuiu ao Conselho Monetário Nacional a competência para regular a remuneração dos serviços bancários.
2.2. Não se exclui do crivo do Poder Judiciário a análise, casuística, de eventual onerosidade excessiva ou de outros desvirtuamentos na formação do ajuste acerca da remuneração dos serviços bancários, como o inadimplemento dos deveres de informação e de transparência, do que não se cuida na hipótese ora vertente. Todavia, o propósito de obter, no bojo de ação civil pública, o reconhecimento judicial da ilicitude, em tese, da cobrança de tarifa pelo serviço de saque excedente, devidamente autorizada pelo órgão competente para tanto, evidencia, em si, a improcedência da pretensão posta.
3. Por meio do contrato de conta-corrente de depósito à vista, a instituição financeira contratada mantém e conserva o dinheiro do correntista contratante, disponibilizando-o para transações diárias, por meio de serviços bancários como o são os saques, os débitos, os pagamentos agendados, os depósitos, a emissão de talionários de cheques, etc. 3.1 O saque — que pressupõe a implementação e a manutenção de uma ampla rede de terminais de autoatendimento, com emprego de tecnologia, de estrutura física e de contínuo desenvolvimento de mecanismos de segurança — consubstancia, sim, serviço bancário posto à disposição do correntista, conforme, aliás, expressa disposição da Resolução expedida pelo Banco Central do Brasil, por deliberação do CMN, passível de cobrança de tarifa a partir da realização do quinto saque mensal, momento em que, por presunção legal, perde o viés de essencialidade ao contrato de depósito.
3.2 A cobrança da tarifa sobre saques excedentes não está destinada a remunerar o depositário pelo depósito em si, mas sim a retribuir o depositário pela efetiva prestação de um específico serviço bancário não essencial.
3.3 Por conseguinte, a tese de desequilíbrio contratual revela-se de toda insubsistente, seja porque a cobrança da tarifa corresponde à remuneração de um serviço bancário efetivamente prestado pela instituição financeira, seja porque a suposta utilização, pelo banco, dos recursos depositados em conta-corrente, se existente, decorre da própria fungibilidade do objeto do depósito (pecúnia), não havendo prejuízo ao correntista que, a qualquer tempo, pode reaver integralmente a sua quantia depositada.
4. Recurso especial improvido.