A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o nexo de causalidade entre vínculo de emprego e fato danoso e determinou o pagamento de indenização por danos materiais, lucros cessantes e danos morais a um agricultor baleado pelo caseiro de uma fazenda. A responsabilidade civil pela reparação foi atribuída à empresa empregadora do caseiro, condenada a pagar a indenização, pois ele estava no desempenho de suas funções no momento do evento danoso.
“O empregador responde pelos atos de seu empregado em razão de exercer sobre ele relação hierárquica de mando ou autoridade concernente ao exercício do trabalho que lhe compete. Nessas circunstâncias, o empregado age por conta, direção e interesse do empregador”, destacou a ministra Nancy Andrighi, relatora, ao dar provimento ao recurso do agricultor.
Disputa por água
O agricultor, vizinho da fazenda onde trabalhava o caseiro, estava sendo impedido de usufruir da água que provinha daquelas terras, o que motivou a ida de seu filho até a fonte para certificar-se da causa da interrupção do fornecimento.
Conforme o processo, ao chegar à fonte da água, o filho do agricultor encontrou o caseiro, com quem discutiu. Ao saber do ocorrido, o agricultor se dirigiu à fazenda e foi recebido a tiros pelo empregado da propriedade, ficando gravemente ferido.
O juiz de primeiro grau condenou a fazenda a indenizar a vítima, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença por entender que não houve responsabilidade dos patrões do caseiro. De acordo com o TJRS, o incidente entre o caseiro e o agricultor ficou no campo da desavença pessoal, motivada pela discussão anterior com o filho, e não teve relação com o trabalho desempenhado pelo empregado da fazenda.
No entanto, para a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, o fato não teria ocorrido se o caseiro não desempenhasse suas atividades em favor dos donos da fazenda. Segundo ela, os tiros foram dados pelo caseiro no exercício de suas atribuições funcionais.
Relação essencial
“De fato, a relação de emprego é essencial à configuração do nexo causal, pois o empregado atuava, na oportunidade, representando os recorridos na realização do trabalho que lhe foi confiado, qual seja, o de zelar pela manutenção da propriedade a eles pertencente”, destacou.
“Mesmo que se considerasse que a desavença havida entre o filho do recorrente e o empregado dos recorridos foi a única causa do fato danoso, deve-se concluir que referido desentendimento foi propiciado pelo trabalho confiado ao citado empregado – relativo à administração da fonte de água controvertida”, acrescentou a ministra.
Com base nessas conclusões, a turma restabeleceu a sentença que havia reconhecido a responsabilidade objetiva da empregadora do caseiro.
Leia o acórdão.
Processo: REsp 1433566
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Ementa:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE TERCEIRO. DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA. CUNHO OBJETIVO. DEVER DE INDENIZAR. VÍNCULO DE NATUREZA ESPECIAL. EMPREGADO E EMPREGADOR. RELAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO. TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO. NEXO CAUSAL INCIDENTAL. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. CULPA. OCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES. PERDA NA LAVOURA. ÔNUS DA PROVA. PENSÃO MENSAL. DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA. CUMULAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR. 1. O propósito recursal é determinar se está presente, na hipótese concreta, o nexo de causalidade necessário para a configuração da responsabilidade civil dos empregadores pelo dano causado pelo empregado/preposto. 2. Embora a regra seja a responsabilidade por fato próprio, a Lei estabelece, em hipóteses especiais, relacionadas às características de certas relações jurídicas, a responsabilidade solidária por ato de outrem. 3. O CC/02 deixou expressamente de exigir a culpa para a atribuição da responsabilidade por fato de terceiro e passou a perfilhar a teoria da responsabilidade objetiva do responsável, com a finalidade de assegurar o mais amplo ressarcimento à vítima dos eventos danosos. 4. A responsabilidade indireta decorre do fato de os responsáveis exercerem poderes de mando, autoridade, vigilância ou guarda em relação aos causadores imediatos do dano, do que decorre um dever objetivo de guarda e vigilância. 5. A responsabilidade do empregador pelos atos do empregado deriva, ainda, da teoria da substituição, segundo a qual o empregado ou preposto representa seu empregador ou aquele que dirige o serviço ou negócio, atuando como sua longa manus e substituindo-lhe no exercício das funções que lhes são próprias. 6. Segundo o art. 932, II, do CC/02, não se exige que o preposto esteja efetivamente em pleno exercício do trabalho, bastando que o fato ocorra “em razão dele”, mesmo que esse nexo causal seja meramente incidental, mas propiciado pelos encargos derivados da relação de subordinação. 7. Na espécie, em virtude de desavenças relativas ao usufruto das águas que provinham das terras que pertencem aos requeridos, o recorrente foi ferido por tiro desferido pelo caseiro de referida propriedade. O dano, portanto, foi resultado de ato praticado no exercício das atribuições funcionais de mencionado empregado – de zelar pela manutenção da propriedade pertencente aos recorridos – e relaciona-se a desentendimento propiciado pelo trabalho a ele confiado – relativo à administração da fonte de água controvertida. 8. Superado o entendimento do acórdão recorrido a respeito do nexo de causalidade capaz de atrair a responsabilidade dos recorridos, é preciso passar a examinar as demais questões suscitadas nos autos, a fim de que seja aplicado o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ. 9. A legítima defesa putativa derivada de erro inescusável, como a que é verificada na hipótese em exame, não é capaz de afastar o dever de indenizar, pois o erro na interpretação da situação fática decorre da imprudência do causador do dano. 10. Na responsabilidade civil, só pode ser considerada causa aquela que é adequada à produção concreta do resultado, com interferência decisiva. In casu, os recorridos não comprovaram que a conduta do recorrente tenha concorrido para o erro na interpretação sobre os elementos fáticos da legítima defesa. 11. Os recorridos não se desincumbiram do ônus de comprovar que os lucros cessantes alegados pelo autor não teriam sido verificados ou que teriam ocorrido em percentuais distintos do por ele suscitados. 12. A pensão mensal é devida pela diminuição da capacidade laborativa, ainda que a vítima, em tese, esteja capacitada para exercer outras atividades. 13. A indenização de lucros cessantes e a fixação de pensão mensal têm finalidades distintas, destinadas a reparar diferentes ordens de danos, razão pela qual não há bis in idem na condenação ao ressarcimento de ambos os prejuízos. 14. Os danos morais, fixados, na presente hipótese, em R$ 30.000,00, refletem a compensação proporcional e razoável do prejuízo imaterial sofrido pelo recorrente. 15. Recurso especial provido. (REsp 1433566/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 31/05/2017)