O juiz Ricardo Prata, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual da comarca de Goiânia, julgou procedentes os pedidos do Ministério Público do Estado de Goiás, declararando a nulidade do Decreto de 22 de abril de 1996, que readmitiu Edemundo Dias de Oliveira Filho no cargo de Delegado de Polícia de 3ª Classe, e da portaria que concedeu a aposentadoria a ele em 2011.
Edemundo foi aprovado em concurso público e nomeado para exercer o cargo de Delegado de Polícia de 3ª Classe, mas quando tomou posse já ocupava emprego público na Caixa Econômica Federal desde 1987. Durante esse período de cumulação de cargos, ele usufruiu de licenças para tratar de interesse particular. Foi exonerado do cargo de delegado, por requerimento próprio, conforme decreto publicado no Diário Oficial em dezembro de 1995.
Após cerca de quatro meses da exoneração, o então governador do Estado de Goiás, Luiz Alberto Maguito Vilela, por meio de decreto assinado em abril de 1996, tornou sem efeito a exoneração. Na mesma data em que ele foi readmitido no cargo, foi prorrogada a licença para tratar de interesse particular por quatro anos. Porém, em 15 de outubro de 1996, a licença foi cancelada.
Em 2011, foi concedida a aposentadoria a Edemundo, por meio de Portaria nº 1025/2011/SSPJ, publicada no Diário Oficial em dezembro. O juiz ressalta que, em julho de 2011, antes da concessão da aposentadoria, o procurador-geral do Estado, Ronald Christian Alves Bicca, reconheceu a nulidade do ato que revogou a exoneração do cargo de delegado, mas entendeu por bem mantê-lo sob o fundamento da segurança jurídica.
Ação do MP
Em 2016, o Ministério Público do Estado de Goiás entrou com ação civil pública contra o Estado de Goiás e Edemundo Dias de Oliveira Filho, para declaração de nulidade dos atos administrativos que readmitiram o delegado em 1996 e concedeu a ele a aposentadoria em 2011.
O Estado de Goiás contestou a inicial, sustentando que o ato que tornou sem efeito a exoneração de Edemundo tem natureza jurídica desconstitutiva. Afirmou, ainda, que a validade desse ato deve ser aferida no plano da legalidade e não da constitucionalidade. Ponderou também que o delegado não foi verdadeiramente exonerado e afirmou não ser mais possível analisar o caso uma vez que ele já prescreveu. Sobre a aposentadoria foi alegado que ela não pode ser desconstituída uma vez que foi concedida segundo os requisitos legais exigidos. Já Edemundo Filho afirmou que sua situação não pode ser modificada em razão da segurança jurídica.
O juiz Ricardo Prata primeiramente analisou a decadência e a prescrição do caso.“Apesar de os atos questionados terem sido exarados há mais de 20 anos, entendo que nenhum dos dois institutos operou seus efeitos no caso vertente”, declarou. Ponderou ainda que os atos inconstitucionais não perdem a validade com o tempo. Sendo assim, afastou as prejudiciais da decadência e da prescrição.
O magistrado também ponderou que Edemundo foi exonerado por meio do Decreto de 1º de dezembro de 1995 do cargo de Delegado de Polícia de 3ª Classe e, considerando essa situação, ele “só poderia retornar ao serviço público estadual por meio de cargo em comissão ou se fosse novamente aprovado em concurso público”. Todavia, apontou, nenhuma das duas opções ocorreu, em vez disso o Estado de Goiás editou o Decreto de 22 de abril de 1996, tornando sem efeito o ato da exoneração.
Revisão
Segundo magistrado, a Administração Pública pode rever seus atos, conforme Súmula nº 473, do Supremo Tribunal Federal. A revisão pode ser feita quando há ilegalidade dos atos. “Se existisse ilicitude na exoneração, a Administração Pública teria que, no mínimo, motivar por meio de novo ato administrativo as razões para se tornar sem efeito ato anterior. Sendo assim, a dita revogação jamais poderia ter sido feita, por aberrante violação à Constituição” esclareceu o magistrado.
Diante disso, o juiz Ricardo Prata passou a analisar o caso por meio de todos os demais princípios constitucionais que conformam a atuação da Administração Pública, como a legalidade, a impessoalidade e a moralidade. De acordo com esses princípios, ele afirmou que “é no mínimo estranho que tenha sido decretada sem efeito a exoneração do réu, quatro meses depois, sem nenhum processo administrativo ou ato motivado que possa esclarecer porque a Administração tomou semelhante medida, quando é óbvio que, em qualquer outro caso, com relação a qualquer outro servidor, este jamais retornaria ao serviço público”.
Segundo Ricardo Prata é altamente questionável a postura do Estado de Goiás, uma vez que edita ato administrativo inconstitucional, não instaura nenhum processo administrativo para apurar a ilegalidade da exoneração, não motiva o ato que torna sem efeito a dita exoneração. “Não toma, enfim, nenhuma das medidas legais e constitucionalmente impostas em casos tais, e ainda tenta justificar sua conduta com base na alegação de segurança jurídica, porque se passaram mais de 20 anos desde o ato em questão”, afirmou.
Declarou então nulo o ato administrativo que revogou a exoneração do réu do cargo de Delegado de Polícia de 3ª Classe. Sobre a aposentadoria o juiz esclareceu que é evidente que, se o ingresso no serviço público se deu de forma inconstitucional, a nulidade absoluta do vínculo com o Estado de Goiás impede a concessão da aposentadoria, tornando assim nula a portaria que concedia o benefício. Veja decisão