Justiça Federal julgará crimes relacionados a contrato coletivo de investimento em Bitcoins

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A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar um caso referente à captação de dinheiro para especulação com bitcoins, mediante a oferta pública de contrato coletivo de investimento sem prévio registro de emissão na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Para o colegiado da Sexta Turma do STJ, a oferta pública de contrato coletivo de investimento consubstancia valor mobiliário, o que sujeita o caso às disposições da lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986) e atrai a competência da Justiça Federal.

Dezoito pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF) por organização criminosa, operação de instituição financeira sem autorização legal, evasão de divisas, gestão fraudulenta de instituição financeira, apropriação e desvio de valores, emissão e comercialização de títulos e valores mobiliários sem registro prévio de emissão na autoridade competente.

Depois do recebimento da denúncia, as defesas dos acusados pediram a revogação de sua prisão e alegaram, sem sucesso, a incompetência da Justiça Federal.

Ao impetrar o habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, um dos réus suscitou novamente a incompetência da Justiça Federal, sob a alegação de que não há regulação pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil da negociação de criptomoedas. Ele afirmou também que sua empresa jamais captou recursos financeiros para aplicação em moeda nacional, porém somente para a compra de bitcoins e especulação no mercado de criptomoedas.

Sem reg​ulação

O relator do processo, ministro Sebastião Reis Júnior, afirmaou que a Terceira Seção do STJ, ao julgar o Conflito de Competência 161.123, definiu que a operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com o relator, como as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil como moeda, nem são consideradas valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários, não é possível enquadrar a negociação, por si só, nos crimes tipificados nos artigos 7º, II, e 11 da Lei 7.492/1986, ou no delito previsto no artigo 27-E da Lei 6.385/1976.

O ministro ressaltou também que, no caso analisado anteriormente pela Terceira Seção, não havia denúncia formalizada contra os acusados. O conflito de competência foi instaurado ainda na fase de inquérito, e a competência da Justiça estadual foi declarada exclusivamente considerando os indícios colhidos até a instauração do conflito.

Além disso – assinalou o relator –, nenhum dos juízes envolvidos naquela discussão cogitou que o contrato entre o investigado e as vítimas pudesse caracterizar um contrato de investimento coletivo.

Valor mobil​iário

Entretanto, o caso em análise, de acordo com o ministro Sebastião Reis Júnior, é diferente do analisado anteriormente pela Terceira Seção, pois existe denúncia na qual foi descrita detalhadamente a conduta dos acusados que ofereceram publicamente contrato de investimento coletivo.

“O caso dos autos, no entanto, ostenta contornos distintos, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de investimento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente”, observou.

Para o ministro, neste caso, em que há a oferta pública de investimento coletivo, fica clara a incidência da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, pois a espécie de contrato firmada pelo réu consubstancia valor mobiliário, nos termos do artigo 2º, IX, da Lei 6.385/1976.

O relator lembrou que tal interpretação “guarda harmonia com o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários, que, em situações análogas, nas quais há contrato de investimento (sem registro prévio) atrelado à especulação no mercado de criptomoedas, tem alertado no sentido da irregularidade da oferta, por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo”.

Ao negar o pedido de habeas corpus, o ministro reconheceu a competência da Justiça Federal para processar a ação penal quanto aos crimes tipificados nos artigos 4º, 5º, 7º, II, e 16 da Lei 7.492/1986, inclusive no que se refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado na Súmula 122 do STJ.

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

EMENTA

HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO EGYPTO. SUPOSTA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. CASO QUE OSTENTA CONTORNOS DISTINTOS DO CC N. 161.123/SP (TERCEIRA SEÇÃO). DENÚNCIA OFERTADA, NA QUAL É NARRADA A EFETIVA OFERTA DE CONTRATO COLETIVO DE INVESTIMENTO ATRELADO À ESPECULAÇÃO NO MERCADO DE CRIPTOMOEDA. VALOR MOBILIÁRIO (ART 2º, IX, DA LEI N. 6.385/1976). INCIDÊNCIA DOS CRIMES PREVISTOS NA LEI N. 7.492/1986. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 26 DA LEI N. 7.492/1986), INCLUSIVE PARA PROCESSAR OS DELITOS CONEXOS (SÚMULA 122/STJ).
1. A Terceira Seção desta Corte decidiu que a operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei n. 7.492/1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976 (CC n. 161.123/SP, DJe 5/12/2018).
2. O incidente referenciado foi instaurado em inquérito (não havia denúncia formalizada) e a competência da Justiça estadual foi declarada exclusivamente considerando os indícios colhidos até a instauração do conflito, bem como o dissenso verificado entre os Juízes envolvidos, sendo que nenhum deles cogitou que o contrato celebrado entre o investigado e as vítimas consubstanciaria um contrato de investimento coletivo.
3. O caso dos autos não guarda similitude com o precedente, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de investimento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente.
4. Se a denúncia imputa a efetiva oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei n. 7.492/1986, notadamente porque essa espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/1976.
5. Interpretação consentânea com o órgão regulador (CVM), que, em situações análogas, nas quais há oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no mercado de criptomoedas, tem alertado no sentido da irregularidade, por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo.
6. Considerando os fatos narrados na denúncia, especialmente os crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei n. 7.492/1986, é competente o Juízo Federal para processar a ação penal (art. 26 da Lei n. 7.492/1986), inclusive no que se refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado no Enunciado Sumular n. 122/STJ.
7. Ordem denegada.
(STJ – HABEAS CORPUS Nº 530.563 – RS (2019/0259698-8) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR IMPETRANTE : VINICIUS FERRASSO DA SILVA E OUTROS ADVOGADOS : UIARA MARIA CASTILHO DOS REIS – RS012891 VINICIUS FERRASSO DA SILVA – RS088618 MICHELE LUCAS DE CASTRO – RS107993 IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO PACIENTE : FRANCISCO DANIEL LIMA DE FREITAS. Data do Julgamento: 05/03/2020)
Habeas Corpus
Créditos: Pattanaphong Khuankaew / iStock
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