Polícia não pode invadir casa apenas por denúncia anônima
Entrar forçadamente em domicílio sem mandado judicial, mesmo que seja em período noturno e que esteja amparada em fundadas razões é ato lícito. Contudo, o ingresso forçado apoiado apenas em notícia anônima recebida pela polícia não é suficiente para justificar tal medida.
Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao conceder Habeas Corpus (HC) que anulou um processo por falta de “fundadas suspeitas” para uma incursão policial em domicílio, e anda declarou ilegais as provas obtidas. Com a decisão, o réu, que havia sido condenado a 5 anos e 10 meses de prisão, foi teve a liberdade concedida.
A decisão foi deferida em pedido de nulidade do meio de prova, ajuizado pela Defensoria Pública de São Paulo no caso em que o réu foi denunciado depois de a polícia invadir a sua casa, com base em uma denúncia anônima, e, em uma busca e apreensão ilegal, encontrar drogas em seu quarto.
Depois que o juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) indeferiram o pedido, o defensor público Ricardo Lobo da Luz impetrou HC no STJ. No pedido, ele destaca o inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, que inclui entre os direitos fundamentais o respeito à inviolabilidade de residência, sujeita a incursões apenas em casos de mandado judicial ou de flagrante delito.
Luz menciona também o artigo 240 do Código de Processo Penal, que exige fundadas razões da ocorrência de um delito para justificar o ingresso sem autorização judicial em uma residência. Isso porque, no caso, o único embasamento para o ato praticado pelos policiais foi uma denúncia anônima, que nem mesmo consta dos autos, indicando a existência de droga no local.
“A jurisprudência pátria, buscando conciliar a aplicação da lei penal com as garantias e direitos fundamentais, não rejeita o uso da denúncia anônima como fundamento legítimo da persecução penal”, argumentou o Defensor. “Todavia, afirma de forma uníssona que ela apenas autoriza o início de diligências policiais, na busca de angariar mais evidências contra o acusado, mas nunca podem, isoladamente, autorizar uma condenação ou mesmo a autorização de restrições a direitos ou garantias individuais.”
Em seu julgamento, a relatora do caso, ministra Laurita Vaz, acatou a tese da defesa. Ela considerou nulas as provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar e concedeu o HC para colocar o réu em liberdade, determinando a prolação de nova sentença, excluídas as provas ilícitas.
“Na hipótese vertente, o ingresso forçado na casa onde estava o réu
não possui fundadas razões, pois está apoiado em informação de inteligência policial (notícia anônima) como único elemento prévio à violação do domicílio”, disse a relatora Laurita Vaz.
“Sem embargo, é amplo o leque de elementos que se prestam a preencher o requisito de fundadas razões, pois deve haver compatibilidade com a fase de obtenção de provas. De outra parte, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para caracterizar as fundadas razões”, concluiu. O voto da relatora foi seguido por unanimidade pelo colegiado.
(Com informações no Consultor Jurídico)
EMENTA
EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NOTÍCIA ANÔNIMA. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. APREENSÃO DE DROGAS (87,3G DE MACONHA E 40,1G DE COCAÍNA). AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
- Segundo o Supremo Tribunal Federal, “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil, e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados” (RE 603.616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, DJe-093 09/05/2016).
- Na hipótese vertente, o ingresso forçado na casa onde estava o Réu não possui fundadas razões, pois está apoiado em informação de inteligência policial (notícia anônima) como único elemento prévio à violação do domicílio.
- Por certo, “embora do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida”, a “proteção contra a busca arbitrária exige que a diligência seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois” (RE 603.616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, DJe-093 09/05/2016).
- Sem embargo, é amplo o leque de elementos que se prestam a preencher o requisito de fundadas razões, pois deve haver compatibilidade com a fase de obtenção de provas. De outra parte, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para caracterizar as fundadas razões.
- Ordem de habeas corpus concedida para anular as provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar, bem como as provas delas decorrentes, a serem aferidas pela Magistrada sentenciante, devendo o material respectivo ser extraído dos autos, procedendo-se à prolação de nova sentença com base nas provas remanescentes, além de colocar o Paciente em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.
(STJ, HABEAS CORPUS Nº 496.420 – SP (2019/0062687-0) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO ADVOGADOS : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO RICARDO LOBO DA LUZ – SP284486 IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : (PRESO). Data do Julgamento: 30 de maio de 2019.)