Reação explosiva não caracteriza crime de desacato, sem dolo específico

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Para caracterizar desacato é exigível o dolo específico, que consiste na vontade de ofender, humilhar, causar vexame e menosprezar o funcionário público em razão de suas funções. Assim, para a caracterização do tipo penal, não basta a enunciação de palavras ofensivas proferidas em momento de raiva ou de exaltação.

Esse foi o entendimento da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que confirmou sentença que inocentou um homem denunciado por desacato a um perito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no interior catarinense, em manifestação dirigida por e-mail, após ter o benefício de auxílio-doença indeferido na perícia.

Na conversa, ele também foi denunciado pelo crime de ameaça, do qual também acabou absolvido nos dois graus de jurisdição, pelo reconhecimento de reação exaltada. Os delitos estão previstos, respectivamente, nos artigos 331 e 147, na forma do artigo 69, do Código Penal.

O  desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da apelação criminal no TRF-4, também se convenceu de que a manifestação do réu não teve a intenção de desacatar ou mesmo ameaçar o perito judicial, que estava na condição de funcionário público. ‘‘Não é o que se verifica no caso em exame, pois o réu escreveu o e-mail em um momento de descontrole emocional, pois tivera seu benefício negado em razão da perícia médica desfavorável’’, resumiu Gebran.

A denúncia do MPF

O segurado ficou insatisfeito com o teor do laudo do perito médico judicial que concluiu pela inexistência de incapacidade para o trabalho, o que, em consequência, levou ao indeferimento do pedido do auxílio-doença previdenciário. A ação previdenciária tramitou no juízo da 3ª Vara Federal em Joinville (SC).

Conforme o Ministério Público Federal, no entanto, esta insatisfação extrapolou para o crime de desacato, pois o réu xingou o perito de ‘‘fascista’’, de ‘‘comunista’’, por assinar um ‘‘laudo patético’’. E também adentrou no terreno da ameaça, pois o segurado acenou com retaliação de foma direta: ‘‘Tua sorte que não tenho acesso a uma pá carregadeira ou uma dinamite...’’.

Desabafo exaltado

O juiz Danilo Gomes Sanchotene, da 1ª Vara Federal de Joinville (SC), julgou improcedente a denúncia do MPF, absolvendo o réu das duas imputações com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por não constituir o fato infração penal.

No caso do desacato, lembrou a ausência de, efetivamente, menosprezar a função pública, o que retira o chamado ‘‘dolo específico’’ da manifestação. Ou seja, o réu teve apenas uma ‘‘reação explosiva’’ ao perceber que o perito omitiu informações que reputava importantes para descrever o seu estado de saúde.

‘‘Certamente, o desabafo foi em tom exagerado, destemperado, mas cuidou o réu de pedir desculpas ao destinatário da mensagem, conduta esta que o afasta da posição daquele sujeito que mantém seu desprezo com o agente ofendido, com o serviço público prestado’’, complementou.

Com relação ao crime de ameaça, o julgador disse que a frase pinçada pelo MPF – ‘‘Tua sorte que não tenho acesso a uma pá carregadeira ou uma dinamite...’’ – revela ineficácia do meio empregado. É que tal manifestação não encerra um mal injusto ou grave ameaça, já que os termos utilizados pelo réu são insuficientes para causar um temor significativo no agente público.

‘‘O meio anunciado seria pouco viável (ter uma pá carregadeira ou dinamite), já retirando a seriedade. Deve se considerar, também para o crime de ameaça, o contexto de reação e exaltação que já foi utilizado para a absolvição do desacato, bem como o pedido de desculpas posterior, quando foi citado na ação penal’’, definiu o juiz Sanchotene.

A mensagem enviada ao perito

De acordo com o inquérito policial, este é o teor do e-mail enviado pelo segurado réu ao psiquiatra Moacir de Freitas Toledo, perito do INSS, em 22 de novembro de 2013.

‘‘E aí excelentíssimo moacir freitas..obrigado pelo seu laudo patético, a princípio vc disse q iria avaliar somente meu estado mental, agora pergunto como vc sugere eu trabalhar com serviço braçal? SENDO QUE tenho uma puta de uma artrose e ainda aguardo tratamento ou uma operação..

‘‘Pq a excelência do dr, comunista, fascista não relatou que a 2 anos estou sendo cobaia de medicamentos... comecei no rivotril com fluoxetina...diazepan, um monte de drogas..hj em dia estou devendo aos montes, serasa, spc.. pq esse sistema de merda do sus sem comentários. Pq vc não citou que estou em abstinência de drogas, álcool...pq não colocou q tomo de 4 a 5 quetiopina e não 1 como no laudo, e tbm esse remédios dão tontura eu vômito pela manhã...mês que vem tenho retorno na psiquiatra vai custar 400 mais a medicação em torno de 47 reais em 3 e 3 dias...vou mandar a conta ai pra vc..

‘‘Vc disse q a psicóloga minha não tem prerrogativa...devo minha vida a ela se vc quer saber...

‘‘Tua sorte que não tenho acesso a uma pá carregadeira ou uma dinamite...

‘‘Respeite as pessoas, o comunista, trabalho desde aos 10 anos, nunca precisei de auxílio doença...não me faço de vítima...voltando a prerrogativa da psicóloga de nada vale? pq sra que existe o psicotécnico no detran..

‘‘Olha sinceramente referente a remissão da minha depressão...vc esta TOTALMENTE INGNADO, pelo contrário voltou e voltou com tudo...estou puto e frustrado com seu laudo ao menos mostrasse os fatos na integra e não me taxar como um vagabundo, seu fascista.’’

Carta de retratação

Em 28 de junho de 2016, três meses após a citação judicial, , o segurado réu procurou se redimir com o juiz da 1ª Vara Federal de Joinville (SC). Redigiu uma carta manuscrita com o seguinte teor:

‘‘Ao Meritíssimo

‘‘Na época do fato 22/11/2013 realmente eu cometi esse ato meritíssimo.

‘‘Foi uma atitude errônea e insana da minha parte. Nesta data do dia 22/11/2013 houve uma conjuntura de fatores, era minha depressão, dores musculares, efeito dos remédios, falta de condições de alimentações aos meus filhos, irritabilidade, que me levaram a ter esse ato insano.

‘‘E foi assim que eu acabei por escrever tais absurdos ao Dr. Moacir Freitas de Toledo.

‘‘Hoje em dia continuo meu tratamento meritíssimo, porém tenho outra visão daquela data. Eu ainda estou buscando uma saída para meus problemas, porém, sei distinguir a realidade e busco evitar extravasar e me controlar.

‘‘Venho através desta me redimir e pedir desculpas e o perdão ao Dr. Moacir Freitas de Toledo e a essa corte.’’

 

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

Ação Penal 5003400-54.2016.4.04.7201

Fonte: Conjur

Ezyle Rodrigues de Oliveira
Ezyle Rodrigues de Oliveira
Produtora de conte

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