A morte de um fumante diagnosticado com tromboangeíte obliterante não é responsabilidade da Souza Cruz, entendeu a 3ª Turma do STJ.
Apesar da improcedência do pedido de indenização feito pelos familiares na primeira instância, o TJRS entendeu que a doença adquirida pelo fumante foi consequência direta do consumo de cigarros da empresa, o que justificaria a indenização no valor de R$ 300 mil por danos morais.
O relator do recurso no STJ explicou que não há comprovação de nexo causal imediato e direto entre a conduta da empresa e a doença desenvolvida pelo fumante, o que inviabilizaria o pedido de indenização. Não é possível atribuir responsabilidade civil objetiva à fabricante de cigarros na modalidade do risco integral, já que a causa da morte não é um defeito do produto.
O ministro apontou também que é impossível comprovar que, ao longo dos 29 anos de vício, o fumante consumiu somente cigarros da Souza Cruz. Ele considerou também que, após o diagnóstico da doença, o paciente foi alertado sobre a necessidade de parar de fumar, mas prosseguiu no vício até sua morte, em 2002. Esse fato também afasta qualquer responsabilidade por violação do dever de informação.
Conforme o relator, apesar de ser um tema sensível, “as circunstâncias que envolvem o tabagismo, por si, não configuram automaticamente o dever de indenizar por danos morais e materiais no ordenamento jurídico brasileiro”. É preciso existir pressupostos legais para a responsabilização civil: comprovação do dano, identificação da autoria com descrição da conduta, e demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Com o julgamento, foi corroborado o entendimento consolidado na 4ª Turma do STJ, “no sentido de que o cigarro, cuja produção e comercialização são atividades lícitas, não é um produto defeituoso, mas de periculosidade inerente”. (Com informações do Superior Tribunal de Justiça.)
Processo: REsp 1322964 – Ementa (Inteiro teor disponível para download)
EMENTA:
RECURSO ESPECIAL. PRELIMINARES. NULIDADE DO ACÓRDÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. FABRICANTE DE CIGARRO. MORTE DE FUMANTE. TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. LIVRE ARBÍTRIO DO CONSUMIDOR. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA. ATIVIDADE LÍCITA. MODIFICAÇÃO DOS PARADIGMAS LEGAIS. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. CASO CONCRETO. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO. REANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. AUTORIA. NÃO COMPROVAÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. NÃO CONFIGURAÇÃO.
- Caso concreto em que a recorrente foi responsabilizada objetivamente pelos danos morais sofridos pelos familiares de fumante, diagnosticado com tromboangeíte obliterante, sob o fundamento de que a morte decorreu do consumo, entre 1973 e 2002, dos cigarros fabricados pela empresa.
- Não há deficiência de fundamentação na hipótese em que as premissas fáticas foram bem delineadas e a decisão foi embasada na análise do conjunto probatório, incluindo referências aos depoimentos testemunhais dos médicos que assistiram o falecido, assim como o cotejo entre o caso concreto e o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca do tema.
- Referências a textos científicos obtidos a partir de pesquisa realizada pelo magistrado não implicam, por si, nulidade ou violação do contraditório, quando utilizadas como mero reforço argumentativo. A vedação jurídico-constitucional é de que o juiz produza provas diretamente, ultrapasse os limites dos pedidos das partes ou se distancie do caso concreto, comprometendo sua imparcialidade, o que não ocorreu.
- Controvérsia jurídica de mérito exaustivamente analisada pela Quarta Turma nos leading cases REsp nº 1.113.804/RS e REsp nº 886.347/RS. Resumo das teses firmadas, pertinentes à hipótese dos autos: (i) periculosidade inerente do cigarro; (ii) licitude da atividade econômica explorada pela indústria tabagista, possuindo previsão legal e constitucional; (iii) impossibilidade de aplicação retroativa dos parâmetros atuais da legislação consumerista a fatos pretéritos; (iv) necessidade de contextualização histórico-social da boa-fé objetiva; (v) livre-arbítrio do indivíduo ao decidir iniciar ou persistir no consumo do cigarro; e (vi) imprescindibilidade da comprovação concreta do nexo causal entre os danos e o tabagismo, sob o prisma da necessariedade, sendo insuficientes referências genéricas à probabilidade estatística ou à literatura médica.
- A configuração da responsabilidade objetiva nas relações de consumo prescinde do elemento culpa, mas não dispensa (i) a comprovação do dano, (ii) a identificação da autoria, com a necessária descrição da conduta do fornecedor que violou um dever jurídico subjacente de segurança ou informação e (iii) a demonstração do nexo causal.
- No que se refere à responsabilidade civil por danos relacionados ao tabagismo, é inviável imputar a morte de fumante exclusiva e diretamente a determinada empresa fabricante de cigarros, pois o desenvolvimento de uma doença associada ao tabagismo não é instantâneo e normalmente decorre do uso excessivo e duradouro ao longo de todo um período, associado a outros fatores, inclusive de natureza genética.
- Inviável rever as conclusões do Tribunal estadual quanto à configuração do dano e ao diagnóstico clínico do falecido diante da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento vedado nos termos da Súmula nº 7/STJ.
- Na hipótese, não há como afirmar que os produto(s) consumido(s) pelo falecido ao longo de aproximadamente 3 (três) décadas foram efetivamente aqueles produzidos ou comercializados pela recorrente. Prova negativa de impossível elaboração.
- No caso, não houve a comprovação do nexo causal, sob o prisma da necessariedade, pois o acórdão consignou que a doença associada ao tabagismo não foi a causa imediata do evento morte e que o paciente possuía outros hábitos de risco, além de reconhecer que a literatura médica não é unânime quanto à tese de que a tromboangeíte obliterante se manifesta exclusivamente em fumantes.
- Não há como acolher a responsabilidade civil por uma genérica violação do dever de informação diante da alteração dos paradigmas legais e do fato de que o fumante optou por prosseguir no consumo do cigarro em período no qual já havia a divulgação ostensiva dos malefícios do tabagismo e após ter sido especificamente alertado pelos médicos a respeito os efeitos da droga em seu organismo, conforme expresso no acórdão recorrido.
- Aquele que, por livre e espontânea vontade, inicia-se no consumo de cigarros, propagando tal hábito durante certo período de tempo, não pode, doravante, pretender atribuir a responsabilidade de sua conduta a um dos fabricantes do produto, que exerce atividade lícita e regulamentada pelo Poder Público. Tese análoga à firmada por esta Corte Superior acerca da responsabilidade civil das empresas fabricantes de bebidas alcóolicas.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para restabelecer a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a demanda indenizatória.
(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.322.964 – RS (2012/0093051-8) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE : SOUZA CRUZ LTDA ADVOGADOS : MARIA CRISTINA GUEDES E OUTRO(S) – RS045067 EDUARDO ANTONIO LUCHO FERRÃO – DF009378 RODRIGO DA PAZ FERREIRA DARBILLY – RJ121433 MARIO OSCAR CHAVES DE OLIVEIRA – RJ015591 JANAINA CASTRO DE CARVALHO KALUME – DF014334 RECORRIDO : MARIA REGINA BRAUN VESCOVI E OUTROS ADVOGADO : MARA RUBIA HENRICH – RS024187. Data do Julgamento: 22 de maio de 2018.)