TRF3 reintegra portador de HIV a curso de formação de oficiais da aeronáutica

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Magistrados entenderam que a doença do militar, por não apresentar sintomas, não impede a sua capacidade de trabalho e nem oferece risco a colegas

TRF3 reintegra portador de HIV a curso de formação de oficiais da aeronáutica | Juristas
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A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou a reintegração de um militar portador assintomático de HIV ao Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Aeronáutica em Pirassununga, interior de São Paulo.

Os magistrados concederam o mandado de segurança ao militar contra ato do comandante da Academia da Força Aérea por considerar que a exclusão do curso atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal/88).

Além disso, consideraram que o fato de alguém ser portador do vírus HIV não acarreta necessariamente perda substancial da capacidade laborativa, nem risco para colegas de trabalho, reconhecendo-se impactos positivos dos tratamentos na saúde dos pacientes infectados.

“Trata-se de um reconhecimento de que os portadores do vírus HIV, quando assintomáticos, podem ser julgados aptos para as funções da ativa. Ademais, determina-se a realização de inspeções periódicas, de modo a constatar a condição de saúde do militar infectado pelo aludido vírus. Se se concluir, futuramente, que o ele não apresenta uma evolução positiva de seu quadro clínico, com efeitos deletérios para sua capacidade, nada impedirá sua reforma”, explicou o relator do processo, desembargador federal Cotrim Guimarães.

O militar argumentava que é assintomático, isto é, embora seja portador do HIV, não é acometido da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Além disso, alegava que sua condição de saúde não era pior nem melhor do que a situação de seus companheiros de Força Aérea.

O juiz de primeira instância havia negado a segurança e considerado que, mesmo sendo o impetrante portador assintomático de HIV, a única medida possível era a concessão de reforma ex officio (situação em que o militar passa definitivamente à inatividade), conforme o artigo 108, inciso V, da Lei 6.880/80 e a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Entendimento

Para a Segunda Turma do TRF3, a reforma do militar portador assintomático de HIV não é uma consequência automática e necessária da constatação dessa enfermidade. A reintegração do militar faz jus também diante da evolução da tecnologia médica e das políticas públicas de saúde. O entendimento está baseado na Portaria Interministerial 869/92, Portaria Normativa 1.174/2006 do Ministério da Defesa e informações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Conforme a OMS, a maioria dos infectados com o HIV desenvolve sintomas em período que varia de cinco a dez anos, mesmo sem qualquer tipo de tratamento. O uso de medicamentos antirretrovirais consegue diminuir a quantidade de vírus no sangue e, embora ainda não haja cura, com o devido acesso aos remédios, é possível praticamente estancar a reprodução do vírus na corrente sanguínea. Assim, indivíduos portadores do vírus conseguem viver de forma saudável e produtiva por longo período de tempo.

Já as portarias tratam da aptidão de servidores e militares portadores do vírus HIV, quando assintomáticos, para atividades no ambiente de trabalho ou exercício das funções na ativa. Especificamente, a Portaria Normativa 1.174/2006 determina o acompanhamento pelo órgão público da condição de saúde do militar infectado pelo vírus e da necessidade ou não da sua reforma (inatividade).

“A decisão de o afastar do Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Aeronáutica sob o argumento de prepará-lo para a reforma ex officio – por mais que vise ao estrito cumprimento da legislação castrense – não é razoável. É deveras prematuro supor que se deva, de imediato, proceder à reforma, quando, na verdade, há condições de exercer atividades profissionais por horizonte temporal mais estendido, desde que se lhe dê acesso aos antirretrovirais”, ressaltou o relator.

Por fim, ao determinar a reintegração do militar ao Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Aeronáutica, a Segunda Turma destacou que o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza gratuitamente medicamentos antirretrovirais a quem for portador do vírus HIV.

“Isso é apenas um exemplo de como o sistema público de saúde brasileiro consegue fornecer aos cidadãos meios de combate ao HIV e à AIDS, o que lhes permite seguir, dentro do razoável e do possível, com o curso normal de suas vidas, apesar das dificuldades fisiológicas e sociais”, concluiu o acórdão.

Apelação Cível 0001780-50.2014.4.03.6115/SP – Acórdão

Autoria: Assessoria de Comunicação Social do TRF3
Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3)

Ementa:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MILITAR. PORTADOR ASSINTOMÁTICO DE HIV. DIREITO À REFORMA EX OFFICIO. PERMANÊNCIA NOS QUADROS DA FAB. POSSIBILIDADE. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 869/92. PORTARIA NORMATIVA Nº 1.174/2006 MD. HIV/AIDS. INFORMAÇÕES DA OMS. 1 – Portadores do vírus HIV têm direito à reforma ex officio, nos termos dos arts. 106, II, e 108, V, da Lei nº 6.880/80, bem como da Lei nº 7.670/88. Precedentes do STJ (RESP 201201925768, DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/11/2012 ..DTPB:.). 2 – A reforma de militar portador assintomático de HIV não é uma consequência automática e necessária da constatação dessa enfermidade. Exegese de Portaria Interministerial nº 869/92. Fato de alguém ser portador do vírus HIV não acarreta necessariamente perda substancial da capacidade laborativa, nem risco para colegas de trabalho, reconhecendo-se impactos positivos dos tratamentos na saúde dos pacientes. 3 – Conforme a OMS: (i) sem qualquer tipo de tratamento, a maioria dos infectados com o HIV desenvolve sintomas em período que varia de cinco a dez anos; (ii) o uso de antirretrovirais consegue diminuir a quantidade de vírus no sangue (o que é conhecido como “carga viral”); (iii) embora ainda não haja cura, com o devido acesso a antirretrovirais, é possível praticamente estancar a reprodução do vírus HIV na corrente sanguínea; (iv) e, mais importante para estes autos, indivíduos infectados com o HIV conseguem, progressivamente, manter-se saudáveis e produtivos por longos períodos de tempo, mesmo em países de baixa renda (http://www.who.int/features/qa/71/en/). 4 – Portaria Normativa nº 1.174/2006, Seção 12, do MD, número 35.1. Trata-se de um reconhecimento de que os portadores do vírus HIV, quando assintomáticos – caso do apelante -, podem ser julgados aptos para as funções da ativa. Ademais, determina-se a realização de inspeções periódicas, de modo a constatar a condição de saúde do militar infectado pelo aludido vírus. Se se concluir, futuramente, que o apelante não apresenta uma evolução positiva de seu quadro clínico, com efeitos deletérios para sua capacidade, nada impedirá sua reforma. 5 – A decisão de o afastar do Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Aeronáutica sob o argumento de prepará-lo para a reforma ex officio – por mais que vise ao estrito cumprimento da legislação castrense – não é razoável. É deveras prematuro supor que se deva, de imediato, proceder à reforma, quando, na verdade, há condições de exercer atividades profissionais por horizonte temporal mais estendido, desde que se lhe dê acesso aos antirretrovirais. 6 – Segundo a OMS, a transmissão do HIV se dá por sexo vaginal, anal e oral, sem o devido uso de preservativos e com pessoa contaminada, transfusão de sangue, utilização de seringas, agulhas, navalhas e demais objetos cortantes contaminados e durante a gravidez, trabalho de parto e amamentação – no caso a envolver a gestante e o feto (http://www.who.int/features/factfiles/hiv/facts/en/index1.html). Em se tratando de indivíduo do sexo masculino, já se descarta, desde logo, esta última forma de transmissão. As hipóteses de uso de seringas e de objetos cortantes infectados são muito pouco prováveis de ocorrer. O uso de entorpecentes é incompatível com a carreira militar. É procedimento médico padrão o descarte desses materiais, após terem sido usados, vide item nº 14.1 da Resolução RDC nº 306/2004 da ANVISA. Como não cabe ao Estado brasileiro policiar as relações sexuais, resta apenas, como fator de risco potencial, mas perfeitamente administrável, aos demais integrantes da carreira militar em comento a transfusão de sangue. Arts. 6º, caput, 52, 53 e 55 da Portaria nº 2.712/2013 do MS prescrevem procedimentos para transfusão de sangue mais segura. 7 – SUS disponibiliza, gratuitamente, medicamentos antirretrovirais a quem for portador do vírus HIV. Desde o final de 2014, o MS passou a disponibilizar o medicamento ritonavir 100mg em apresentação termoestável, o qual poderá ser mantido em temperatura de até 30°C (http://www.blog.saude.gov.br/index.php/34700-aids-saude-inicia-distribuicao-de-novas-formulacoes-para-antirretrovirais), o que aumenta as possibilidades de acesso. Isso é apenas um exemplo de como o sistema público de saúde brasileiro consegue fornecer aos cidadãos meios de combate ao HIV e à AIDS, o que lhes permite seguir, dentro do razoável e do possível, com o curso normal de suas vidas, apesar das dificuldades fisiológicas e sociais. 8 – Exclusão do Curso de Formação de Oficiais Intendentes da Aeronáutica atenta contra dignidade da pessoa humana do agravante (Art. 1º, III, CF/88). 9 – Apelação a que se dá provimento. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001780-50.2014.4.03.6115/SP 2014.61.15.001780-7/SP. RELATOR : Desembargador Federal: COTRIM GUIMARÃES APELANTE: VINICIO MONTEIRO DE OLIVEIRA. ADVOGADO : SP082154 DANIEL COSTA RODRIGUES e outro(a). APELADO(A): União Federal. ADVOGADO: SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS. No. ORIG. : 00017805020144036115 2 Vr SÃO CARLOS/SP)

 

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

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