Que país queremos?

Data:

“Só uso a palavra para compor meus silêncios.” Manoel de Barros

Antônio Carlos de Almeida Castro - KakayTriste o país que precisa de pretensos heróis, salvadores da pátria e pregadores da moralidade. É inadmissível que alguém, um juiz, um membro do Ministério Público ou da polícia, venha dizer que detém o monopólio do combate à corrupção. Todo cidadão de bem –jornalista, advogado, dona de casa– quer um país sem o flagelo da corrupção, que degenera o tecido social e leva a mais desigualdades.

Ninguém detém o monopólio da virtude de ser honesto. Cada um de nós tem um papel importante no processo de amadurecimento democrático, no aperfeiçoamento do Estado de Direito.

Diante do momento que vivemos, são estas algumas das perguntas que tenho feito Brasil afora: que tipo de país queremos depois desse enfrentamento? Queremos um país em que o processo se dê a qualquer custo? E, ainda, sem as garantias do devido processo legal? Sem o respeito ao amplo direito de defesa e à presunção de inocência? Onde a prisão seja a regra, não a exceção, como em todo país civilizado?

Queremos um país em que um juiz tenha jurisdição nacional e diga que tem bônus de muitas prisões ainda, pois na Itália decretaram 800 prisões na Operação Mãos Limpas? Onde um procurador da República tem a ousadia de confessar que a prisão é uma forma de obter a delação e que, mesmo assim, nada tenha sido feito contra ele?

Queremos um país em que o Ministério Público e a Polícia Federal incentivem a espetacularização do processo penal ao promoverem coletivas de imprensa a cada fase da operação, com exposição cruel, desumana, desnecessária e ilegal das pessoas investigadas?

Queremos um país no qual a acareação entre delatores seja permitida sem que um ou outro seja preso ou perca os benefícios da colaboração premiada? Ora, se foi necessária a acareação, significa que um dos delatores mentiu e que a verdade, a base de toda delação, tem que ser restabelecida. A acareação significa, portanto, que nem o próprio Ministério Público acredita na versão que sustenta a acusação.

Que país queremos? Um país em que a delação seja feita, na maioria das vezes, sob absurda pressão, sem prestigiar o ato voluntário previsto na lei? Um país no qual o processo penal esteja sendo levado a efeito sem que o advogado tenha o direito mínimo de conhecer a plenitude das provas? Até mesmo com a criminalização da defesa, como se esta fosse um mal necessário?

Fica a reflexão: que país queremos que saia desse oportuno confronto? Um país com a preservação das garantias individuais e dos direitos constitucionais? Com o devido processo legal como regra das ações da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário?

Um país com o princípio constitucional da ampla defesa efetivamente garantido, e não sob o prisma formal? Com o respeito ao direito de não exposição do investigado e de não condenação prévia?

Queremos um país sem heróis, mas onde se cumpram as leis e a Carta? Um país unido, onde as pessoas saibam que hão de se combater as mazelas e que a forma de combatê-las é o que distingue um país civilizado da barbárie institucionalizada? Eu quero o bom combate!

Como diria Fernando Pessoa, “arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”.

Antônio Carlos de Almeida Castro
Antônio Carlos de Almeida Castrohttp://www.almeidacastro.com.br/
Advogado criminalista e fundador do escritório Almeida Castro Advogados Associados.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Direitos básicos dos passageiros segundo a ANAC no Brasil

O transporte aéreo é uma peça fundamental na mobilidade...

Direito do Passgeiro por Perda da Conexão

Descubra o seu Direito do Passageiro por Perda da Conexão e saiba como reivindicar compensações e assistência em viagens aéreas no Brasil.

História dos Direitos Autorais

Descubra a História dos Direitos Autorais desde sua origem até os dias atuais. Entenda como a proteção intelectual evoluiu e impactou a criatividade ao longo do tempo

A proteção do passageiro aéreo em caso de Overbooking

Entenda seus direitos como consumidor em casos de Overbooking. Saiba como agir, quais são as compensações previstas e como a legislação protege os passageiros aéreos no Brasil