Autorização de habilitação e celebração de casamento civil entre pessoas de mesmo sexo: Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça

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A Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a proibir  expressamente que as autoridades competentes, no âmbito do Poder Judiciário, se recusem a realizar habilitação, celebração de casamento civil, ou conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo.[1] Mesmo que já passados alguns anos desde a publicação da Resolução CNJ n°175/2013, as medidas continuam tendo grande importância.[2]

O Conselho Nacional ainda previu que a ilegítima recusa ao comprimento dessas orientações, por parte de qualquer autoridade responsável, dará ensejo à imediata comunicação do ato ao órgão corregedor para as correspondentes providências disciplinares.

Do pondo de vista jurisprudencial, a orientação do Conselho Nacional de Justiça se alinha aos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.[3]

Primeiramente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de normas que atribuem tratamento distinto para uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo (entre outros julgados destacam-se a ADPF nº 132/RJ e a ADI nº 4277/DF).

Em segundo lugar, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.183.378/RS, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que não haveria qualquer impedimento legal à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Em linhas gerais, pode-se dizer que os referidos pronunciamentos são expressões de um ativismo judicial com resultados positivos. É válido lembrar, aliás, que o ativismo judicial, num sentido amplo, corresponde ao protagonismo ativo do Poder Judiciário na efetivação de direitos e garantias, sobretudo relacionados a políticas públicas e cidadania.

Segundo Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial decorre da ampliação do papel ativo do Poder Judiciário na efetivação dos direitos, a partir de iniciativas concretas que impõem ao Poder Público a realização de determinadas iniciativas em favor dos indivíduos e da sociedade. Como lembra Barroso, essa é a tendência do Poder Judiciário desde a Constituição Federal de 1988.

O oposto ao fenômeno do ativismo judicial é o que se denomina autocontenção, ou seja, uma postura mais conservadora e reservada do Poder Judiciário, cuja atuação se dá, preponderantemente, mediante provocação dos interessados. Era esse o perfil do Poder Judiciário, antes da Constituição Federal de 1988.

No âmbito do ativismo judicial ainda que as decisões possam ser substancialmente políticas em algum sentido, as adequadas fundamentações jurídicas, com amparo nos postulados essenciais da Constituição, são aptas a lhes conferir legitimidade e força executiva.

Sobre esse ponto, são esclarecedoras as seguintes colocações do Ministro Luis Roberto Barroso:

A judicialização, como demonstrado acima, é um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial legitimamente exercido procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive e especialmente construindo regras específicas de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados). Por sua vez, a autocontenção se caracteriza justamente por abrir mais espaço à atuação dos Poderes políticos, tendo por nota fundamental a forte deferência em relação às ações e omissões desses últimos.” [4]

Cumpre observar que, dentre os muitos pronunciamentos do Poder Judiciário no campo do ativismo judicial, merecem destaque o reconhecimento da constitucionalidade das uniões homoafetivas e descriminalização do aborto de fetos anencéfalos.

Pelo exposto se pode concluir que as orientações preconizadas na Resolução CNJ nº 175/2013 realçam a vasta importância das providências institucionais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a favor do aprimoramento do sistema de justiça, da promoção dos valores sociais, da efetivação dos direitos fundamentais e, sobretudo, do respeito  à dignidade da pessoa humana.

[1] Os delineamentos mencionados nesta Resolução estão de acordo com a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o período compreendido entre os anos de 2021 a 2026, esboçada na Resolução CNJ nº 325/2020.

[2] Este é o trigésimo oitavo texto de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.

[3] Sílvia Pimentel, a propósito do tema, diz o seguinte: “Na luta contra todas as formas de discriminação, o Direito é um dos terrenos privilegiados de disputa e legitimação de conceitos e categorias por meio dos quais a proteção contra a discriminação se redefine de maneira constante. Por isso, a busca de marcos conceituais e operativos para enfrentar as desigualdades e discriminações através da normativa e da jurisprudência nacional e internacional é uma tarefa estratégica. ”  PIMENTEL, Sílvia. Gênero e direito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

[4] BARROSO, Luis Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no brasil contemporâneo. Trabalho foi realizada na Universidade de Harvard – na Faculdade de Direito e na Kennedy School of Government. 2010. Acesso no dia 15.05/2020, às 21’19’’pelo endereço: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/constituicao_democracia_e_supremacia_judicial.pdf

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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