A impossibilidade de cobrança pela utilização dos espaços e bens públicos pelas concessionárias de serviço público administradoras de aeroportos e rodovias

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Tema de grande relevância no âmbito do Direito Administrativo está presente na discussão sobre a possibilidade ou impossibilidade de cobrança pela utilização dos espaços e bens públicos. São de propriedade do Poder Público, destinam-se ao bom desenvolvimento da sociedade em suas diversas vertentes, mas não raro, em certas situações, é feita seguinte indagação: pode haver cobrança de um aluguel pela sua utilização?

aeroporto
Créditos: Peshkova | iStock

Em uma breve análise é possível perceber a abrangência cotidiana do assunto: pela manhã, ao sair de casa para trabalhar, trafegamos pelas ruas e avenidas (bens públicos); as crianças e os jovens são deixados nas escolas, por vezes públicas (bens públicos); nos finais de semana, para visitar os parentes próximos ou descer ao litoral com a família e amigos, passamos por rodovias, federais e estaduais, também de propriedade dos entes públicos. Nas férias, a tão planejada viagem ao exterior se inicia nos aeroportos, que também pertencem ao Poder Público.

Pelo que dispõe o art. 98 do Código Civil, “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno”: União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Autarquias e Fundações de Direito Público.

Nesse cenário, é possível se perceber quão difícil é a missão da Administração Pública para coordenar e manter a necessária infraestrutura para o uso de toda a população e, ainda mais, a consecução do objetivo a que o bem se propõe e foi destinado. Da escola, espera-se que não só o ensino seja transmitido, mas que os espaços sejam adequados ao pleno desenvolvimento dos alunos; das ruas, estradas e rodovias, espera-se que estas sejam pavimentadas e sinalizadas para que o tráfego seja seguro e organizado; dos aeroportos se espera que a infraestrutura proporcione a devida segurança, organização e bem-estar aos seus usuários.

Em todas as hipóteses acima, o serviço público deve ser prestado com qualidade e, ainda, com o intuito de constante aprimoramento para que a população seja a principal beneficiada e os direitos fundamentais sejam atendidos com eficiência pelo Estado (conforme art. 37, caput, da Constituição Federal).

Há decisões recentes nos Tribunais brasileiros sobre a possibilidade ou impossibilidade de uma Concessionária de Serviço Público cobrar pela utilização de um bem público que ela administra quando uma empresa de telecomunicações, por exemplo, pretende instalar uma rede de telefonia em rodovias e aeroportos. Poderia uma Concessionária de Aeroporto ou uma Concessionária de Rodovia cobrar da empresa de telecomunicações pela pequena posse ou servidão de um espaço que é essencialmente de domínio público? Parece-nos que não.

A cobrança seria irregular, inconstitucional e teria enormes impactos. A cobrança onera a atividade e os custos das empresas que necessitam da utilização do espaço público para implementar suas redes de acesso à internet ou à telefonia, por exemplo. Ao que tudo indica, essa cobrança está em descompasso com a própria finalidade e destinação do bem público, que deveria ser útil à população da melhor maneira possível. Em última análise, a cobrança em situações como a mencionada, prejudica os próprios consumidores, que na maioria dos casos sentem no bolso o peso dos pagamentos e reajustes exigidos pelas Concessionárias de Serviço Público.

Nessa linha de raciocínio, parece-nos que o art. 73 da Lei nº 9.472/1997 é inconstitucional por prever o pagamento de preço para tal finalidade. Senão veja-se o que dispõe o referido comando normativo: “as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”.

rodovia
Créditos: Vbacarin | iStock

Contudo, a cobrança de preço nas situações previstas no referido dispositivo (utilização de postes, dutos, condutos e servidões) não tem fundamento constitucional, já que o bem público deve se prestar aos serviços de interesse público. Se as prestadoras de serviços de telecomunicações utilizam tais postes, dutos e servidões no interesse coletivo, ou seja, para melhorar a qualidade de vida e as interrelações humanas de centenas de pessoas, sem gerar nenhum prejuízo às Concessionárias, revela-se abusiva e inconstitucional a cobrança de qualquer preço, devendo ser garantida a gratuidade.

A gratuidade na utilização desses espaços em prol do interesse coletivo tem como reflexo direto a melhoria dos sinais de internet, a expansão das redes de telefonia, o aumento da velocidade das transmissões de dados, beneficiando até mesmo as próprias Concessionárias de Serviço Público.

Outro importante avanço para a melhoria na qualidade do serviço público prestado com a menor oneração possível a todos os envolvidos, se encontra na Lei nº 13.116/2015, que dispõe, no art. 12, que “não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra forma de delegação (…)”.

Referidos dispositivos, a toda evidência, potencializam o interesse das companhias de telefonia em expandir sua infraestrutura para proporcionar aos seus usuários, clientes e à população como um todo, a possibilidade de se comunicarem enquanto viajam (seja pelas rodovias mais pioneiras até as mais longínquas, ou, ainda, desde o aeroporto de maior fluxo de pessoas até o menor deles).

A dificuldade atual, no entanto, reside na cobrança, por várias Concessionárias de Serviço Público, de um aluguel mensal para permitir a instalação e a utilização de equipamentos de telecomunicações em espaço público ou em bem público que administram, simplesmente porque os administram. No entanto, o mero fato de serem administradoras de um bem público, não confere às Concessionárias de Aeroportos e Rodovias, por exemplo, o título de propriedade. Somente o proprietário pode usar, gozar, dispor e reaver o bem. Se as Concessionárias têm a posse desses bens para o exercício de suas atividades, não podem cobrar um preço por uma mera servidão que também será de interesse público.

stj - superior tribunal de justiçaNesse sentido, inclusive, em recente julgado (20/10/2017) o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.309.158/RJ, se posicionou pela necessidade da demonstração do prejuízo à utilização do imóvel para que o proprietário seja indenizado.

O Ministro Relator Luis Felipe Salomão assevera que “é possível, portanto, que a servidão acarrete direito de indenização para o proprietário privado, apenas se produzir restrições ao conteúdo econômico do direito de propriedade. Isso significa a redução do potencial de exploração econômica do bem, pois há casos em que a servidão não produzirá qualquer efeito econômico relativamente ao proprietário.”

Na oportunidade o Ministro trouxe, ainda, precedente do e. STJ (AgRg no AgRg no Ag 1.362.894/MG), no qual se destacou que a ausência de comprovação do prejuízo ao imóvel afetado pela servidão, acarreta a inexistência do dever de indenizar.

Percebe-se, portanto, que a ausência de redução do potencial de exploração econômica do bem deve ser observada para que seja garantida a gratuidade ou, ainda, nos casos que se cogite pelo órgão regulamentador em se atribuir algum valor, que este seja arbitrado em patamares módicos.

Nos casos em que as concessionárias estipulam os valores a serem pagos pela disponibilização dos serviços, por vezes, os valores não se apresentam justos, nem tampouco razoáveis. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o princípio da razoabilidade, sob a feição de proporcionalidade entre meios e fins está contido implicitamente no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784/99, que impõe à Administração Pública: adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (inciso IV);”

Desse modo, se houver redução do potencial de exploração econômica do bem que está na posse da Concessionária de Serviço Público, e somente nesta hipótese excepcional, o valor a ser pago pela instalação dos equipamentos e infraestrutura necessária à disponibilização do sinal de telefonia e internet, deve observar a razoabilidade e a proporcionalidade, para que seja fixado com justeza, sempre considerando o interesse coletivo.

Mas, pragmaticamente é possível se constatar que a disponibilização dos serviços de telefonia em rodovias e aeroportos, além de não afetar a utilização dos bens, aprimora sua utilidade ao disponibilizar um serviço público essencial de telecomunicação.

Em suma, é necessário afastar a cobrança de preço na utilização de espaços públicos, para que haja reequilíbrio entre os interesses das relações jurídicas havidas entre Concessionárias de Aeroportos e Concessionárias de Rodovias e as empresas de Telecomunicações que prestam serviços de interesse coletivo, para, com a gratuidade na utilização dos bens públicos, conferir eficiência à Administração Pública, para que os serviços destinados à população sejam prestados da melhor forma e com a menor custo aos consumidores, para que, então, o interesse público seja plenamente atendido.

Arthur Mendes Lobo

Advogado. Professor da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-São Paulo. Sócio do Escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.

Guilherme de Souza Mendes

Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Advogado no Escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.

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