No momento em que o segundo ex-presidente da República é preso, brinda-nos o sacrossanto Luis Inácio Lula da Silva, responsável, segundo alguns, pelo fim da pobreza e da fome no Brasil, com a seguinte pérola: “Prisão de Temer é tentativa da Lava Jato de desviar a atenção”.
Esta frase é a simples constatação de um dos comportamentos mais clássicos na política e em outros planos de vida (pública ou privada) em que se utilizam estratégias de coalizão: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Ditado, aliás, antiguissimo e mencionado primeiramente em Sânscrito, em livro sobre a política denominado Arthashastra, editado em A.C. porém redescoberto apenas em 1905 e publicado em inglês em 1915.
Assim, de protagonista do fantasioso “golpe” contra Dilma, torna-se Temer, agora, mais uma vítima do sistema processual penal e da sua aplicação por procuradores e juízes, que estariam contrariando princípios e ditames constitucionais. Este, como já abordado anteriormente, é o poder das narrativas.
A repetição constante de uma versão falseada, restrita ou de uma omissão faz com que as pessoas, depois de certo tempo, não a questionem ou ao menos não confronte quem as emite. Trata-se do estabelecimento de uma hegemonia (todo aquele que a desafia, é denominado de fascista, golpista ou coisa que o valha).
Existe verdadeira enxurrada de informações desconexas por meio dos órgãos de imprensa, e apenas com muita paciência nos liberamos das versões que aqueles que mantém o “mecanismo” funcionando tentam incutir na mente da população ou dos que visam ganhar a vida respeitando princípios éticos dos negócios e de vida em sociedade.
Ultimamente, tendo em vista a série de auditorias efetuadas pelo atual governo, muitos que antes se beneficiavam ou se beneficiam pelo sistema ficam acuados, tentando achar outras fontes de financiamento. Um caso clássico de rent seeking (nada de novo, aliás). Não se enganem, no dicionário brasileiro, fazer política ou encontrar consenso é simplesmente repartir melhor os frutos da corrupção e do dinheiro público.
Exceções apenas confirmam a regra. Por isso o desespero atual.
Primeiramente, o papel que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário (especialmente em instâncias inferiores) vêm desempenhando na Operação Lava Jato é de extrema valia para confronter o status quo. Os números são acachapantes. (seguir este link se houver interessehttp://www.mpf.mp.br/…/atuacao-na-1a-insta…/parana/resultado).
E isso não se dá pela criação de novos tipos penais muito menos com a afronta a princípios constitucionais como devido processo legal e ampla defesa. O fato é que crimes complexos necessitam de incisivas investigações e medidas como delações premiadas bem como prisões (temporária, preventiva, definitiva) para que se possa descortinar plenamente a rede de colaborações e o contexto criminoso.
Não podemos ficar presos a investigações e coleta medieval de provas quando estamos no alvorecer da era digital, com ferramentas como big data, inteligência artificial, machine learning, analytics. Usar estas tecnologias não afronta direitos e garantias fundamentais de investigados a priori, uma vez que também os investigados/condenados utilizam tais instrumentos na persecução de suas condutas criminosas.
Não há mais espaço no sistema jurídico para procrastinar processos ad eternum. A certeza de punição nas mais altas instâncias de poder e autoridade é o sinal de que o Brasil vive novos tempos. Espero que esta seja a pá de cal naqueles que acreditavam que a operação Lava Jato era operação espetaculosa com o objetivo de perseguir politicos de apenas um Partido ou de alguma vertente.
O fato é que o Estado e seus representantes existem para servir a sociedade civil, não o contrário. E os integrantes do corpo estatal devem ter como principal objetivo fazer cumprir os preceitos de um Estado de direito, quais sejam a implementação de lei gerais, abstratas e que apliquem a todos. Esta, aliás, é uma das primeiras lições que se apreendem nos bancos das faculdades de direito.
Evidente que muitos prejudicados pela operação utilizam de inúmeras expressões abertas para justificarem seu status. Assim, um político vai dizer que as prisões são um absurdo e um atentado ao Estado Democrático de Direito. Os Donos do Poder, contrariamente ao retratado por Raymundo Faoro, deveriam ser todos os integrantes da sociedade civil, não os representantes que momentaneamente estão em cada um dos 3 poderes, muito menos de uma elite parada no tempo e sem a mínima noção de desenvolvimento social (o que, aliás, também a beneficiaria).
É tempo de rever o direito penal. Crimes complexos, de alta periculosidade, que abarcam bens da vida coletivos, definitivamente deveriam ser tratados como crimes hediondos. É hora de continuar manifestando-se, nas ruas, de modo ordeiro.
A desconstrução de uma estrutura secular de autoproteção entre os 3 poderes (uma desvirtuação dos checks and balances, ou pesos e contrapesos, como prelecionado por Montesquieu) é a maior conquista que poderemos entregar a nossos filhos e netos. Um Brasil em que todos terão serviços públicos rápidos e eficientes e um sistema penal ágil, estruturado e dinâmico.
Este será o incentivo para que as pessoas não delinquam, pois como Gary Becker já dizia, o cálculo criminoso aborda a probabilidade de ser processado e condenado (ou seja, nível de impunidade é o fator principal). Justiça que tarda, não é Justiça, como já dizia Rui Barbosa. Vamos alimentar as narrativas de manutenção do status quo de 500 anos? Ou novos ventos sopram em Terra Brasilis?
Por Vinicius Diniz Vizzotto – Advogado e Livre Pensador*