Multa por compensação não homologada, o que está em jogo no julgamento do STF?

Data:

Multa por compensação não homologada, o que está em jogo no julgamento do STF?

STF / Ministro Marco Aurélio / Gilmar Mendes / Ricardo Lewandowski / Nunes Marques /

Por Lucas Montenegro, Mariana Rodrigues e Paloma Carotta

A partir desta sexta-feira (10), o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciará a inconstitucionalidade da multa isolada lançada em casos de não homologação de pedidos de compensação, matéria que já deveria ter sido apreciada pela Corte.

O tema será julgado no âmbito da ADI 4905 e do RE 796939, que tratam da constitucionalidade da multa isolada prevista no §17, do art. 74, da Lei 9.430/96.

De acordo com o referido dispositivo, em caso de indeferimento do pedido de compensação pelo Fisco, o contribuinte estará sujeito à imposição de penalidade correspondente a 50% do valor do débito cuja compensação não foi homologada. Contudo, os contribuintes há muito questionam a constitucionalidade da referida multa, sob o argumento de que essa viola o direito fundamental de petição, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa, configurando até mesmo uma hipótese de desvio de poder.

Contexto histórico

No passado, antes do movimento de informatização da Receita Federal do Brasil, diversos contribuintes se valiam da morosidade do procedimento envolvido nos pedidos de compensação (quando o sujeito passivo é devedor e credor do fisco, ao mesmo tempo), para o aproveitamento de seus efeitos de extinção dos débitos compensados, sob condição resolutória ulterior (art. 65 da IN RFB nº 2055/2021).

Na prática, os contribuintes se utilizavam desse expediente para ver tributos liquidados com créditos que sabidamente não existiam e, como essa análise carecia de intervenção humana direta, se beneficiava por anos até que houvesse uma verificação definitiva por parte da RFB, através de despacho decisório.

Essa demora era tão previsível que muitos contribuintes chegavam até a se “planejar”, contando com a possibilidade de homologação tácita de seus pedidos, isto é, situação em que, pela análise da RFB demorar mais de 5 (cinco) anos, o fisco perde o direito de indeferir o pleito do sujeito passivo.

Dentro desse contexto é que o legislador optou por inibir esse tipo de expediente malicioso por parte de alguns contribuintes, introduzindo a referida penalidade.

Ocorre que, desde o início de sua publicação, os contribuintes questionam a constitucionalidade do referido dispositivo legal, na medida em que configura flagrante afronta à Constituição Federal, e o direito de petição nela estatuído.

Como se não bastasse sua pura e simples inconstitucionalidade, fato é que, após a informatização e modernização dos sistemas da RFB, a análise desses pedidos de compensação se tornou mais dinâmica e os lançamentos tributários decorrentes de despachos decisórios e autos de infração por compensações não homologadas passaram a estar a um “click” das autoridades fiscais, eliminando quase que totalmente qualquer resquício daqueles “planejamentos” maliciosos tão comuns no passado.

Entretanto, mesmo com essa mudança de realidade, a legislação permanece inalterada, e a RFB continua a realizar seus lançamentos, razão pela qual os contribuintes aguardam por uma definição sobre a matéria no Judiciário.

Isso porque, enquanto não ocorre o julgamento definitivo da matéria, e tendo em vista que esse repercutirá em “centenas de milhares de processos administrativos”, como bem relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski em 2014, a Receita Federal acaba por exigir do contribuinte a cobrança da referida multa, e muitos contribuintes sequer discutem sua exigência.

Discussão hoje

Atualmente, a discussão judicial acerca da inconstitucionalidade da penalidade está bastante avançada, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4905 e do Recurso Extraordinário (RE) 796939 (com repercussão geral reconhecida – tema 736), ambos em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, o julgamento do assunto estava previsto para o dia 10 de dezembro de 2020, no entanto, considerando o pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes e o pedido de destaque do Ministro Luiz Fux, foi retirado de pauta e incluído para o dia 18 de novembro de 2021, mas acabou não acontecendo.

Em dezembro de 2021 o caso foi novamente pautado, dessa vez para o dia 01/06/2022, mas também não foi julgado.

Recentemente, os processos foram novamente incluídos na lista de julgamentos virtuais da semana de 10 a 17 de março.

Por enquanto, o cenário da discussão é contrário à pretensão do fisco federal, já que o relator Ministro Edson Fachin negou provimento ao Recurso Extraordinário interposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional, fixando a seguinte tese: “É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não constar em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

Para se ter uma ideia do impacto da discussão, em junho de 2021, por meio da “operação Randi”, a Receita Federal já havia superado R$ 1 bilhão de reais em não homologação de créditos e autos de infração decorrentes de compensações irregulares.
Atualmente, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, a União estima perda de arrecadação de R$ 3,7 bilhões em cinco anos, caso o contribuinte saia vencedor da discussão.

Considerações finais

Como se nota, esses Autos de Infração contrariam o ordenamento jurídico, ao passo que a multa isolada intimida o contribuinte para que deixe de exercer o seu direito de petição, ou seja, de apresentar pedido de compensação dos créditos que entenda ser pertinentes, sendo uma verdadeira sanção política.

Tal entendimento segue exatamente a mesma linha argumentativa do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que em fevereiro de 2016 exarou o seu parecer sobre a questão no processo judicial, ressaltando que o direito de petição é garantia constitucional consagrada no art. 5º, inciso XXIV, alínea “a”, da Constituição da República, e, por meio deste postulado fundamental, assegura-se aos cidadãos o acesso aos Poderes Públicos para pleitear um direito.

Assim, a expectativa é de que a discussão se encerre de forma favorável aos contribuintes, de modo a afastar a aplicação da multa isolada quando da não homologação de compensação tributária declarada, considerando que já há diversos votos neste sentido.

*Lucas Montenegro é advogado especialista da área tributária administrativa do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

*Mariana Rodrigues é advogada especialista da área tributária administrativa do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

*Paloma Carotta é estagiária da área tributária administrativa do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Direitos do Passageiro: Saiba Seus Direitos em Viagens

Conheça seus direitos do passageiro em viagens aéreas, terrestres e marítimas. Saiba como resolver problemas com bagagens, atrasos e cancelamentos de forma prática

Reembolso de Passagens Aéreas: Prazos e Procedimentos Garantidos pela Lei

O reembolso de passagens aéreas é um direito garantido aos passageiros em diversas situações, como cancelamento de voos, desistência de viagem ou alterações na programação. No Brasil, as normas que regulam esse direito estão previstas na Resolução nº 400 da ANAC e no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Este artigo aborda as principais situações em que o passageiro pode solicitar o reembolso, os prazos estabelecidos pela legislação e os procedimentos necessários para garantir esse direito.

Danos Morais por Cancelamento de Voo em Cima da Hora: Direitos do Passageiro

O cancelamento de um voo em cima da hora é uma das situações mais frustrantes que um passageiro pode enfrentar. Além dos transtornos práticos, como perda de compromissos e gastos inesperados, o passageiro pode sofrer danos emocionais que configuram o chamado dano moral. Este artigo aborda os direitos dos passageiros em casos de cancelamento de voo de última hora, explicando quando é possível exigir indenização por danos morais, o que diz a legislação brasileira e como proceder para garantir seus direitos.

Overbooking: Direitos do Passageiro em Casos de Recusa de Embarque

O overbooking, prática em que as companhias aéreas vendem mais passagens do que o número de assentos disponíveis no avião, é uma estratégia comum no setor de aviação para evitar prejuízos decorrentes de no-show (passageiros que não comparecem ao voo).