A Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) fixou indenização em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para homem que descobriu, aos 40 (quarenta) anos, ter sido trocado na maternidade.
O morador de município do sul do estado de Santa Catarina costumava ouvir de terceiros sobre sua semelhança física com outra família da região, até submeter-se a exame de DNA no ano de 2018 e confirmar o parentesco genético de que boa parte da comunidade já desconfiava.
O cidadão, então, ajuizou demanda judicial em desfavor do nosocômio que realizou seu parto e o município, em busca de indenização. O pedido foi julgado procedente em primeira instância e a indenização, estabelecida em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). O estabelecimento hospitalar apelou e pugnou pela improcedência do pedido por falta de provas de que a troca tenha ocorrido em suas dependências. No mínimo, pediu a minoração do valor arbitrado à título de indenização por danos morais.
De acordo com a certidão de nascimento do demandante da ação judicial e do outro bebê em questão, os partos aconteceram com apenas 3 (três) horas de diferença. As testemunhas, técnicas de enfermagem que trabalhavam no hospital na época dos fatos, esclareceram que os recém-nascidos eram identificados na sala de banho para onde eram levados depois do nascimento. No local era afixada no braço do bebê uma pulseira com seus dados, e apenas então as crianças eram entregues para as mães.
Para o relator do recurso de apelação, “a troca decorreu do ato falho e negligente do hospital, que deixou de fiscalizar de maneira eficaz e segura a estadia dos bebês, garantindo que seriam entregues às respectivas mães”. Ele entendeu também que o fato alterou a vida do demandante definitivamente, ao retirar-lhe o direito de conviver com sua família biológica desde o nascimento.
Disse ainda o magistrado que o exame de DNA, as testemunhas e as certidões de nascimento são suficientes para provar a troca dos recém-nascidos. Entretanto, em decisão seguida pelos demais integrantes do órgão julgador, votou por acatar o recurso de apelação do município para minorar o valor da indenização e fixá-la em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Recurso de Apelação n. 5007669-18.2020.8.24.0020/SC – Acórdão
(Com informações do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – TJSC)
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DANOS MORAIS – TROCA DE BEBÊS EM MATERNIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE – PRESCRIÇÃO – TEORIA DA ACTIO NATA – LUSTRO NÃO ALCANÇADO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – NEXO CAUSAL EVIDENCIADO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – REDUÇÃO DO VALOR.
1. O processo civil depende de fases e de prazos, ou a causa será eterna. A juntada de documentos tem momentos ideais; mas sempre houve uma concepção ética: admite-se a vinda de novos papéis enquanto forem úteis à cognição e não haja prejuízo (no sentido técnico da palavra) à defesa.
No caso, ainda que não tenha havido imediata intimação do réu quanto ao documento juntado com a réplica, não se cuidava de papel substancial (tanto que nem sequer mencionado pela sentença de procedência) e tampouco houve efetivo prejuízo à defesa – a parte teve ciência da prova ao menos quando das alegações finais e em vez de imediatamente se posicionar sobre o conteúdo da prova preferiu apenas arguir o defeito formal em si.
2. A prescrição em causas envolvendo a Fazenda Pública é quinquenal, conforme art. 1° do Decreto 20.910/32, só que a contagem de tal prazo se dá levando em conta a teoria da actio nata, mais exatamente em consideração ao conhecimento pelo lesado a respeito da ofensa a seu direito. Por equidade, toma-se como ponto essencial a impossibilidade de que alguém procure reparar dano sobre os quais não tinha ciência.
Aqui, a violação veio à tona com o exame de DNA realizado em 2018, a partir de quando foram confirmadas as suspeitas de que houve troca de bebês em maternidade, o que resulta na tempestividade da propositura havida em 2020.
3. A responsabilidade civil do Estado é objetiva – seja para omissões, seja para ações. Pouco importa a existência ou não de culpa, a licitude ou ilicitude da conduta; a responsabilidade só será afastada se ocorrer causa de exclusão do nexo causal.
Por meio de provas documental e testemunhal ficou atestada a responsabilidade do hospital quanto à troca de bebês recém-nascidos, tendo o autor sido alijado da criação e convívio com a família biológica – o que lhe trouxe, é intuitivo, padecimento psicológico.
4. Danos morais derivados do padecimento psíquico que merecem acomodação – para minoração do valor atribuído na origem -, pois mesmo sensíveis as consequências, deve-se ponderar que se está diante de responsabilidade objetiva. Em outros termos, é situação em que se impõe observar os dois ângulos: o autor padece inimaginavelmente, mas não se pode também propor que os réus, gravados pela amplitude da responsabilidade sem culpa, indenizem em patamares idênticos a de um ato doloso.
5. Recurso do hospital desprovido; apelo fazendário parcialmente provido para minorar a verba indenizatória.
(TJSC, Apelação n. 5007669-18.2020.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 04-04-2023).