Decisão reforça direitos dos animais e sua dignidade em casos de maus-tratos
Em uma decisão que marca um avanço significativo no reconhecimento dos direitos dos animais, a 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça concluiu que cães podem ser representados judicialmente por seus tutores em situações que envolvam maus-tratos. O caso analisado tratou dos cães Tom e Pretinha, vítimas de disparos de arma de fogo que resultaram em ferimentos graves. O tutor dos animais acionou a Justiça buscando indenização por danos morais e materiais, enquanto o autor dos disparos alegava que os cães não poderiam figurar como parte em um processo judicial.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) rejeitou a tese apresentada pelo réu e afirmou que os animais possuem direitos que podem ser defendidos judicialmente por seus tutores. De acordo com o desembargador relator, os animais não humanos são reconhecidos como seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor e prazer, o que demanda uma proteção especial contra maus-tratos. “Não há mais espaço, em um estado democrático de direito, para tratar os animais como objeto ou coisa, negando-lhes o direito de serem representados em processos judiciais,” destacou o magistrado.
Danos morais reconhecidos
O réu justificou os disparos alegando legítima defesa contra os cães, mas as provas apresentadas no processo não corroboraram essa alegação. O Tribunal considerou que os disparos foram injustificados, gerando sofrimento aos animais e ao tutor, que também foi atingido por estilhaços. Os cães precisaram passar por procedimentos cirúrgicos e tratamentos médicos prolongados.
A indenização por danos morais ao tutor foi fixada em R$ 3 mil, levando em conta o impacto emocional causado pela situação. “Os disparos de arma de fogo efetuados pelo réu contra os cães Tom e Pretinha causaram inegável trauma, angústia e sofrimento ao tutor,” apontou o relator.
Danos materiais condicionados à comprovação
A condenação por danos materiais foi mantida, mas o pagamento dependerá da comprovação das despesas realizadas pelo tutor, o que será apurado na fase de cumprimento da sentença. Os valores devem ser corrigidos monetariamente e acrescidos de juros.
A decisão foi unânime entre os desembargadores, consolidando a importância do papel dos tutores na defesa da dignidade dos animais e reconhecendo sua sensibilidade como fundamento para garantir proteção legal.
Autos: Apelação n. 5002956-64.2021.8.24.0052 (Acórdão)
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
EMENTA
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DAS PARTES. RECURSO DO REQUERIDO. AVENTADA A ILEGITIMIDADE ATIVA DOS CÃES TOM E PRETINHA PARA FIGURAREM NO POLO ATIVO DA AÇÃO. INACOLHIMENTO. CAPACIDADE PROCESSUAL DOS ANIMAIS, CONSIDERANDO-OS SUJEITOS DE DIREITO E NÃO APENAS OBJETO DE PROTEÇÃO JURÍDICA. DEVIDO RECONHECIMENTO COMO SERES SENCIENTES, CAPAZES DE ATUAR INDIVIDUALMENTE EM JUÍZO COMO PARTE EM PROCESSOS JUDICIAIS, DESDE QUE DEVIDAMENTE REPRESENTADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA DEFENSORIA PÚBLICA, POR ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO DOS ANIMAIS OU POR SEUS TUTORES. CASO EM ANÁLISE QUE OS CÃES ESTÃO DEVIDAMENTE REPRESENTADOS POR SEU TUTOR. PREFACIAL AFASTADA. MÉRITO. ALEGADA LEGÍTIMA DEFESA. INSUBSISTÊNCIA DA TESE. INCONTROVERSO O FATO DE QUE O REQUERIDO SE DIRIGIU AO LOCAL EM QUE OS AUTORES ESTAVAM E EFETUOU DISPAROS DE ARMA DE FOGO CONTRA OS ANIMAIS. CÃO TOM ATINGIDO POR UM TIRO NA PATA ANTERIOR DIREITA E SUBMETIDO A TRATAMENTO E CIRURGIA. PRETINHA ALVEJADA NO TÓRAX E ESCÁPULA, FICANDO HOSPITALIZADA POR VÁRIOS DIAS. TUTOR QUE FOI ATINGIDO POR ESTILHAÇOS DOS PROJÉTEIS. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO DIANTE DO CONFLITO DE VERSÕES. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR ESCORREITO. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REJEIÇÃO. DOR E SOFRIMENTO A QUE FORAM SUBMETIDOS OS AUTORES. GRAVIDADE DOS FERIMENTOS DEVIDAMENTE COMPROVADA. DANOS MATERIAIS. “VAQUINHA VIRTUAL” PARA CUSTEAR O TRATAMENTO DOS CÃES. ALEGADO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO AUTOR. PRETENSA DESOBRIGAÇÃO QUE RESULTARÁ EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO RÉU ÀS CUSTAS DOS DOADORES. REQUERIDO QUE NÃO CUMPRIU VOLUNTARIAMENTE COM AS OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO ILÍCITO POR SI PRATICADO. APELO DOS AUTORES. PRETENDIDA INDENIZAÇÃO POR ABALO MORAL AO TAMBÉM AUTOR E TUTOR DOS ANIMAIS. POSSIBILIDADE. TRAUMA, ANGÚSTIA E SOFRIMENTO CAUSADO PELOS DISPAROS DE ARMA DE FOGO EFETUADOS PELO RÉU CONTRA OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO DO TUTOR. FIXAÇÃO EM R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DO ARBITRAMENTO (SÚMULA 362 DO STJ). JUROS DE 1% AO MÊS, ESTES A CONTAR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54 DO STJ). PRETENDIDA MAJORAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS PARA OS CÃES. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO NA ORIGEM EM R$ 1.000,00 (UM MIL REAIS) PARA CADA CÃO QUE SE REVELA ADEQUADO, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E A EXTENSÃO DAS LESÕES. DANOS MATERIAIS. JUNTADA DE RECIBOS DE PAGAMENTO NO VALOR DE R$ 1.000,00 (UM MIL REAIS). ALMEJADO PAGAMENTO DA QUANTIA TOTAL DE R$ 7.091,75 (SETE MIL NOVENTA E UM REAIS E SETENTA E CINCO CENTAVOS), CONFORME DEMONSTRATIVO DE HONORÁRIOS E DESPESAS VETERINÁRIAS, EM ABERTO. GASTOS QUE NÃO FORAM IMPUGNADOS PELO REQUERIDO. PROVIMENTO DO RECURSO CONDICIONADO À APRESENTAÇÃO DE PROVAS DO EFETIVO DESEMBOLSO DOS GASTOS, O QUE DEVE SER APURADO EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DE DANO ESTÉTICO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO MORFOLÓGICA CAPAZ DE ATRAIR SENTIMENTO DE INFERIORIDADE OU ABALO À IMAGEM CORPORAL DOS ANIMAIS. READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, ESTES FIXADOS EM 15% SOBRE A CONDENAÇÃO, A SEREM SUPORTADOS NA PROPORÇÃO DE 80% PELO REQUERIDO E 20% PELA PARTE AUTORA. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. RECURSO DO REQUERIDO CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DOS AUTORES CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5002956-64.2021.8.24.0052, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), rel. Sérgio Izidoro Heil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 26-11-2024).