Responsável por certame seletivo crivado de irregularidades é condenado por improbidade administrativa

Data:

Ação por Improbidade Administrativa
Créditos: dianaduda / Depositphotos

Um contador foi condenado por improbidade administrativa pela má execução de certames municipais na Prefeitura Municipal de Orleans (SC). Ele foi vencedor de licitações para a promoção de um concurso público e um processo seletivo simplificado no ano de 2010, em que foram identificadas diversas irregularidades. Posteriormente, os certames acabaram invalidados.

O homem foi condenado a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) em multa civil, além de ficar proibido de contratar com o poder público. A decisão de primeira instância partiu da juíza de direito Bruna Canella Becker, titular da 2ª Vara da Comarca de Orleans (SC).

De acordo com a demanda judicial ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em um certame com vagas para o cargo de secretário executivo, uma servidora comissionada do Executivo foi designada pelo demandado como responsável pela escolha do local da prova, acabando por eleger a empresa da qual também era funcionária, e também foi responsável pela contratação e pagamento dos fiscais das provas. Não obstante essas funções, ela teria feito inscrição no mesmo concurso e realizado a prova em questão.

Ela ainda tentou favorecer uma candidata que chegou 15 (quinze) minutos atrasada ao local de prova, tendo ligado para o denunciado de seu celular pessoal com o objetivo de que ele permitisse a entrada, o que não foi feito. Além disso, no mesmo dia do exame, ela chegou a retirar parte do equipamento de informática que estava no local e fora usado para algumas provas, ressaltando que era funcionária da empresa que cedera o espaço e o equipamento.

Em outra ocasião, o próprio demandado repassou a uma candidata, que também era servidora comissionada municipal e prestava concurso para cargo efetivo, prova que continha identificação de outra candidata supostamente faltante. Neste caso, foi admitida a realização da prova por parte da servidora para o cargo de secretário executivo quando, na verdade, a prova que continha seu nome, de forma rasurada, era para o cargo de auxiliar administrativo, que também foi rasurado.

A sentença destaca que, além desses fatos, diversas outras irregularidades e circunstâncias demonstram claramente que, além de o acusado não atuar visando a ampla concorrência, buscou deliberadamente dificultá-la. Sobre isso, várias foram as provas: prazos curtos entre publicação do edital, inscrição e realização das provas; publicidade dada aos editais exclusivamente em órgão de imprensa municipal; provas e cartões-resposta com identificação dos candidatos, de modo que as pessoas responsáveis pela correção, no caso o próprio réu e sua esposa, tinham contato direto com a identidade da prova a ser corrigida; gabarito feito em impressão simples, denotando a facilidade de atos fraudulentos de qualquer sorte; e, por fim, a não identificação dos membros da comissão responsável pelos concursos, impossibilitando aos candidatos e à sociedade ferramentas de fiscalização mínimas.

“Nesse contexto de fatos, não se vislumbra uma coexistência meramente ocasional de irregularidades nos processos seletivos, mas, sim, um conjunto de atos ilícitos que formam um contexto coeso, devidamente demonstrado pelos elementos probatórios, que ilustra a atuação com escopo fraudulento por parte do réu”, destaca a decisão judicial.

O demandado foi condenado por ato de improbidade administrativa ao pagamento de multa civil de R$ 10.000,00 (dez mil reais) acrescida de juros de mora e correção monetária, e ainda ficou proibido de contratar com o poder público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de um ano.

Cabe recurso da decisão ao TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Ação Civil Pública – ACP n. 0900017-40.2017.8.24.0044

(Com informações do TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina)

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
2ª Vara da Comarca de Orleans

Rua Rui Barbosa, 320, (48) 3622-7136 – Bairro: Centro – CEP: 88870-000 – Fone: (48)3622-7135 – WhatsApp (48) 8808-3244 – Email: [email protected]

AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 0900017-40.2017.8.24.0044/SC

 

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RÉU: JACINTO REDIVO

RÉU: MERCILO JOÃO RIGON

SENTENÇA

Ministério Público do Estado de Santa Catarina propôs a presente ação civil pública de improbidade administrativa em desfavor de JACINTO REDIVO, MERCILO JOÃO RIGON, DÉCIO LOCATELLI e FÁBIO DE SOUZA MACHADO, todos devidamente qualificados nos autos.

Argumentou que os réus fraudaram procedimento licitatório de contratação do responsável pela elaboração de três concursos públicos do Município de Orleans/SC no ano de 2010, para que MERCILO JOÃO RIGON se sagrasse vencedor. JACINTO REDIVO, Prefeito Municipal à época, teria instaurado o processo licitatório nº 12/2010, na modalidade de Carta Convite, em que restou vencedor MERCILO JOÃO RIGON com proposta de R$ 28.998,00 (vinte e oito mil, novecentos e noventa e oito reais). Porém, irregularidades desse certame e em outras licitações envolvendo os mesmos concorrentes demonstrarim a falta de lisura com a qual teriam obrado pelos réus.

Disse que, nessa licitação, não houve divulgação efetiva do aviso de abertura, até porque todos os atos preparatórios foram realizados no mesmo dia, 4/1/2010, com curto prazo para apresentação de propostas, cujo termo final era o dia 11 do mesmo mês. Tampouco teria havido pesquisa de preços que justificasse a fixação em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), contrariando o art. 7º, § 2º, II, da Lei n. 8.666/93 – o que acarreta a nulidade do processo, consoante § 6º do mesmo artigo.

Afirmou que o principal indício de frustração da finalidade da licitação seria a convocação dos participantes, MERCILO JOÃO RIGON, DÉCIO LOCATELLI e FÁBIO DE SOUZA MACHADO, posto que nenhum deles tinha qualificação técnica para atividade, o que violaria o art. 30, caput, inciso II, e § 1º, da Lei n. 8.666/93. Asseverou que a prática foi apurada em Inquérito Civil Regional, em que teria se detectado sua repetição em alguns municípios das regiões da AMREC (Associação de Municípios da Região Carbonífera) e da AMUREL (Associação de Municípios da Região de Laguna), como o de Lauro Müller/SC, cujo procedimento foi muito parecido, com contratos iguais e convites para as mesmas pessoas, tanto que o edital do Convite nº 12/2010 de Orleans previa a contratação de empresas, mas teriam sido chamadas pessoas físicas não preparadas para sua execução.

Alegou que DÉCIO LOCATELLI, servidor público aposentado do Município de Lauro Müller, teria asseverado, quando inquirido formalmente, que, caso vencedor, contrataria uma empresa de Criciúma para a prestação do serviço, mas ainda “teria que ver” qual seria. Por outro lado, FÁBIO DE SOUZA MACHADO teria negado ostentar experiência na área e disse que as questões seriam feitas por sua equipe, cujos integrantes não foram declinados.

Asseverou que, no Convite mencionado, exigia-se a habilitação profissional em órgão competente, mas os três convocados tinham registro como contadores, sem qualquer pertinência com as áreas de conhecimento que seriam exigidas nos concursos públicos, de modo que o administrator não procurou se assegurar da capacidade técnica dos convidados, em descumprimento também do art. 27 da Lei de Licitações.

Sustentou que a irregularidade se demonstra a partir da participação dos réus MERCILO JOÃO RIGON em 25 (vinte e cinco) outros certames de carta convite em municípios da região e 3 (três) dispensas de licitação, sendo que saiu-se vencedor e foi contratado em todos eles. Nesses casos, os competidores se alternavam com terceiros, de modo que FÁBIO DE SOUZA MACHADO participou de 3 (três) processos licitatórios e, DÉCIO LOCATELLI, de 4 (quatro) deles. Em 15 (quinze) dessas oportunidades, MERCILO JOÃO RIGON foi convocado juntamente das pessoas de Joselio Flávio Bussulo e Ricardo Luiz Cascaes Sandrini.

 Disse que os réus MERCILO JOÃO RIGON, DÉCIO LOCATELLI e FÁBIO DE SOUZA MACHADO são todos contadores e participaram de forma irregular de licitações de assessoria contábil em outros municípios antes de seu convite para prestação de serviços de elaboração de provas de concursos públicos, todos sem experiência pretérita qualquer.

Alegou que, dessa forma, as licitações eram sempre elaboradas de forma a favorecer MERCILO JOÃO RIGON, por ser pessoa de confiança dos administradores e que, inclusive, era contratado anualmente para assessoria contábil dos municípios, de forma desnecessária e ilegal, segundo entendimento do Tribunal de Contas Estadual (Processo TCE n. 09/00337281). Nessa toada, MERCILO JOÃO RIGON admitiu ter estreita ligação com a Administração de diversos municípios da região, o que indica que também tinha relacionamento próximo com o administrador de Orleans.

Alegou que, o documento inicial da fase interna do Edital Convite nº 12/2010 de Orleans (“Solicitação de Abertura de Licitação”) foi formulado pelo próprio Prefeito Municipal, JACINTO REDIVO, e não por outro funcionário público, e nesse mesmo documento ele próprio inseriu o nome dos três futuros convidados, MERCILO JOÃO RIGON, DÉCIO LOCATELLI e FÁBIO DE SOUZA MACHADO, sendo que JACINTO REDIVO, na sequência, “autorizou sua própria solicitação”, tudo no mesmo dia 4/1/2010.

Além disso, aduziu que a falta de capacidade para execução dos concursos públicos de 2010 denota a ilicitude da licitação, haja vista que as provas eram corrigidas diretamente por MERCILO JOÃO RIGON e sua esposa, sem a participação de uma comissão de fato. Afirmou que constatou outras irregularidades, pois (i) as provas e os cartões-resposta tinham a identificação dos candidatos; (ii) os prazos de inscrição eram muito curtos; (iii) não havia divulgação, nos editais e na internet, da identidade dos membros da comissão de concurso, imprescindível para fiscalização da participação de parentes nos certames; (iv) Luzia Viana da Silva, servidora pública municipal, era candidata e participou da organização do próprio concurso que prestou; e (v) realização de prova por Tatiana, candidata aprovada em um dos certames, usando-se do nome de outra candidata.

Em razão disso, o Ministério Público recomendou ao Município de Orleans que (a) anulasse o concurso público nº 03/2010, tocante aos cargos de secretário executivo e auxiliar administrativo, e (b) o processo seletivo simplificado nº 02/2010, referente ao emprego público de odontólogo, (c) com designação de nova data para provas, seguindo diretrizes mínimas e conferindo-se aos candidatos a possibilidade de desistência com reembolso do valor de inscrição, (d) além da avaliação administrativa de descumprimento contratual por parte de MERCILO JOÃO RIGON. Contudo, o ente federativo teria comunicado apenas a anulação dos certames relativamente aos cargos já mencionados, sem adoção de qualquer providências tocantes a esse requerido. Inclusive, em novo ofício, o Parquet teria solicitado à municipalidade a ampla publicidade da decisão anulatória, até então sequer divulgada.

Esclareceu que o Inquérito Civil Regional foi instaurado a partir de diversas denúncias de fraudes em licitações nos municípios da região envolvendo MERCILO JOÃO RIGON, de modo que foram remetidas cópias do procedimento para as promotorias atuantes também nas Comarcas de Lauro Müller e Braço do Norte, o que resultou no ajuizamento de ações de improbidade naquelas comarcas, de modo que o objeto desta ação são apenas as condutas praticadas em Orleans.

Ao final, requereu o reconhecimento da prática de atos ímprobos descritos no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, com a consequente condenação dos demandados às sanções do art. 12, inciso II, da mesma norma, consistentes em: (a) ressarcimento do prejuízo causado à Administração Pública; (b) perda da função pública de JACINTO REDIVO; (c) suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) a 8 (oito) anos; (d) pagamento de multa de até 2 (duas) vezes o valor do dano; (e) proibição de contratar com os poderes públicos ou deles receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, por 5 (cinco) anos, inclusive por parte de suas empresas; e (f) perda da função pública que estiverem ocupando. Subsidiariamente, postulou pelo (g) reconhecimento de atos de improbidade na previsão do art. 11, caput, com aplicação das sanções previstas no art. 12, inciso III, ambos da mesma lei. Cumulativamente, pugnou pela (h) declaração de nulidade do procedimento licitatório de Convite nº 12/2010 da Prefeitura Municipal de Orleans e do contrato administrativo nº 14/2010 (evento 1, doc. 1).

Juntou documentos (eventos 1 até 55).

O Município de Orleans/SC, cientificado do recebimento da petição inicial, tão somente informou que acompanharia todos os atos processuais (evento 69).

Notificados na forma da então vigente redação do artigo 17, § 7º, da Lei 8.429/1992, os requeridos apresentaram manifestações preliminares.

JACINTO REDIVO requereu a suspensão do processo e do prazo para resposta até o fim dos efeitos da pandemia de COVID-19 e de expedição de ofício ao Município de Orleans para apresentação de documentos (evento 134), o que foi indeferido pelo juízo (evento 136).

DÉCIO LOCATELLI asseverou que entrou em contato com as prefeituras da região para prestar serviços de realização de concursos públicos, momento em que foi informado de que seria realizado certame no ano de 2010 pelo Município de Orleans, quando então solicitou seu convite. A tempo e modo, teria cumprido todas as exigências da Carta Convite nº 12/2010 e apresentado a proposta que entendia devida, de modo que, caso vencedor, contrataria profissionais habilitados para realização das provas. Ademais, diversos processos licitatórios citados pelo Ministério Público não tiveram participação do requerido que, aliás, foi absolvido na ação de improbidade nº 0000847-72.2012.8.24.0087 e na ação penal nº 0000510-49.2013.8.24.0087, esta última com sentença transitada em julgado, que tramitavam na Comarca de Lauro Müller. Portanto, requereu a rejeição da inicial, nos termos do art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/1992 (evento 138).

MERCILO JOÃO RIGON arguiu, preliminarmente, a inépcia da inicial, afirmando que a peça não declinava os efetivos atos de improbidade que teriam sido praticados por sua pessoa e tampouco individualiza os atos de cada demandado. No mérito, disse que não houve ação ímproba de sua parte e prejuízo ao erário e, também, que não era responsável por confecção de qualquer procedimento licitatório, de modo que, como preencheu todos os requisitos da licitação, não se poderia alegar ausência de qualificação técnica. Assim, postulou pela rejeição sumária da exordial (evento 140).

O prazo para resposta de FÁBIO DE SOUZA MACHADO decorreu in albis (evento 146).

Esta magistrada (i) indeferiu a petição inicial no tocante aos réus FÁBIO DE SOUZA MACHADO e DÉCIO LOCATELLI, por considerar inexistentes elementos concretos de que sua participação no certame tenha sido meramente formal; (ii) rejeitou a prefacial de inépcia da peça exordial, recebendo-a no tocante às imputações em desfavor de JACINTO REDIVO e MERCILO JOÃO RIGON; e (iii) determinou a citação dos dois últimos para apresentação de resposta (evento 148).

JACINTO REDIVO, em sua peça contestatória, alegou que somente solicitou a abertura de licitação, de modo que todos os documentos e a indicação dos participantes foram de autoria de servidores integrantes da comissão de licitação municipal. Disse que não houve ilegalidade na abertura da licitação, que não havia prova de dolo de sua parte, que foram obedecidos os requisitos da modalidade licitatória e que, inclusive, o concurso público feito pelo vencedor da licitação foi anulado. Aduziu que, de acordo com a Teoria do Domínio do Fato, não poderia ser penalizado apenas por ser superior hierárquico. Por tais razões, requereu a improcedência dos pedidos iniciais. Alternativamente, acerca das sanções postuladas, referiu (i) que não se enriqueceu nem ensejou dano à Administração, razão por que incabível o ressarcimento de dano, que, se aplicado, deveria ser limitado à conduta individual de cada agente; (ii) que a perda da função pública é indevida porque não havia desvio ético ou inabilitação moral para o serviço público, e que ela somente podia ser imposta no tocante à função exercida pelo requerido ao tempo dos fatos; (iii) que a multa civil é incabível por conta da ausência de danos ou, se aplicada, devia ser fixada em patamar razoável; (iv) que o lapso temporal e os valores das punições indicados pelo autor eram exagerados; e (v) que o ordenamento jurídico vedava a aplicação cumulativa das sanções em razão de apenas um fato, tal como requerido na exordial (evento 157).

MERCILO JOÃO RIGON, em sua contestação, arguiu preliminar de litispendência ou coisa julgada por sua absolvição na ação de improbidade nº 0000847-72.2012.8.24.0087 e na ação penal nº 0000510-49.2013.8.24.0087, assim como a prejudicial de prescrição. No mérito, afirmou que não havia plausibilidade das alegações ministeriais, inclusive pelo largo lapso temporal decorrido desde os fatos objeto da lide. Pugnou, então, pela improcedência dos pedidos (evento 161).

Perante as modificações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa, o juízo determinou, a teor do art. 3º da Lei nº 14.230/2021, a intimação do Ministério Público para manifestação, o qual requereu o prosseguimento do feito (eventos 168 e 171).

O juízo afastou as preliminares de litispendência e coisa julgada e a prejudicial de prescrição, saneou o feito e designou audiência instrutória, com a intimação das partes para apresentação de rol de testemunhas (evento 174).

Os réus opuseram embargos declaratórios (evento 184), aos quais o Ministério Público apresentou manifestação desfavorável, requerendo, ainda, o afastamento da prescrição intercorrente (evento 191).

Então, rejeitou-se os aclaratórios e a ocorrência de prescrição intercorrente e reconheceu-se a preclusão do arrolamento de testigos para as partes, cancelando-se a solenidade instrutória designada (evento 194).

Precluso esse último decisum (evento 202), os autos vieram conclusos.

É a síntese necessária.

DECIDO.

Trata-se de ação civil pública com o escopo de reconhecimento de prática de atos de improbidade administrativa em razão de lesão ao erário e violação aos princípios da administração pública por parte dos requeridos JACINTO REDIVO e MERCILO JOÃO RIGON (arts. 10 e 11, ambos da Lei nº 8.429/92), além da imposição das penas previstas no art. 12, incisos II ou III, do diploma já mencionado, conforme o caso.

I. Da retroatividade das normas de direito sancionador introduzidas pela Lei nº 14.230/2021.

Há alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 merecem ser esclarecidas antes da apreciação acerca da efetiva caracterização de atos de improbidade em razão das condutas atribuídas.

Diversas são as condutas praticadas por agentes públicos ou particulares que podem lesar o erário ou os princípios da Administração Pública. No entanto, somente algumas podem ser classificadas como atos ímprobos e passíveis das especiais sanções a eles aplicáveis.

Valioso, nesse sentido, o conceito agasalhado no seguinte precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Atos de improbidade administrativa “são aqueles que, possuindo natureza civil e definidamente tipificada em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei n. 8.429/92). (TJSC, Apelação Cível n. 0001685-36.2013.8.24.0004, de Araranguá, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 11-12-2018 – grifei).

Nesses termos, vê-se aqui uma certa semelhança com o Direito Penal, porquanto a conduta deve estar previamente tipificada como ato de improbidade para que se possa sancionar o agente.

Por mais que o rol legal (exposto adiante) seja exemplificativo e que contenha conceitos principiológios – e, por isso, não tão precisos -, há balizas consideravelmente firmes estabelecendo limites entre o que caracteriza ou não uma conduta ímproba.

Nesse quadrante, em razão da já referida superveniência de severas modificações na Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992) pela Lei nº 14.230/2021, sobreveio tratamento legal muito mais favorável, em diversos pontos, aos agentes contra quem é endereçada a pretensão de sanção.

O exemplo mais claro, talvez, é o da exclusão das condutas culposas do regime de caracterização de atos de improbidade, pois a lei passou a exigir o dolo para todas as hipóteses, afetando intensamente a tipificação das condutas puníveis. Então, perante o debate acerca da possibilidade de aplicação retroativa in mellius, é imperioso que a questão seja desde logo esclarecida a fim de balizar a apreciação das condutas narradas na causa de pedir.

Diante desse quadro, colaciono uma vez mais o que foi decidido pelo STF no ARE 943.989, quando definiu as balizas do Tema 1199:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;

2) A norma benéfica da lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova lei 14.230/21 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. (grifei)

Como essa modificação ocorreu em meio à tramitação processual, os fundamentos jurídicos elencados pelo Ministério Público, foram também alterados de forma substancial.

Vejamos os dispositivos do mencionado diploma invocados pelo Parquet para sanção dos réus, vigentes à época dos fatos (art. 10, inciso VIII, ou art. 11, caput – de forma subsidiária, nesta ordem), referentes aos pontos com mudanças relevantes:

CAPÍTULO II

Dos Atos de Improbidade Administrativa

[…]

Seção II

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[…]

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

[…]

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

[…]

Seção III

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (grifos nossos)

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

[…]

V – frustrar a licitude de concurso público;

Confira-se, agora, suas novas redações:

CAPÍTULO II

Dos Atos de Improbidade Administrativa

[…]

Seção II

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[…]

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

[…]

XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

[…]

§ 1º Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.230 de 2021)

§ 2º A mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade. (Incluído pela Lei nº 14.230 de 2021)

Seção III

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

I – (revogado pela Lei nº 14.230, de 2021)

[…]

V – frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (grifos nossos)

Então, esclareço ex officio que, como definiu o Pretório Excelso, a pretensão inaugural será apreciada tendo em conta os parâmetros estabelecidos pela nova legislação, cuja redação restou exposta por último.

Desse modo, somente serão objeto de apreciação as ofensas legais decorrentes de atos dolosos.

Isso definido, prossigo.

Em análise da causa de pedir ministerial, constata-se que ela pode ser dividida em dois pontos relativamente distintos, quais sejam, (1) a realização supostamente fraudulenta do processo licitatório do Edital de Carta Convite nº 12/2010 da Prefeitura Municipal de Orleans/SC, que tinha por escopo a contratação de particular para realização de certames públicos, e (2) a execução ilícita do contrato administrativo decorrente da licitação em questão, no que pertine a alguns cargos do “processo seletivo simplificado” e do concurso público de editais nº 02/2010 e 03/2010.

II. Do processo licitatório de Carta Convite nº 12/2010 e da improcedência do pedido contra JACINTO REDIVO.

Quanto ao primeiro ponto, anoto inicialmente que o magistrado está adstrito à causa de pedir colacionada pelo autor da ação na petição inicial. Daí porque:

O pronunciamento jurisdicional deve ater-se ao pedido formulado na petição inicial, de modo que entre este, a causa de pedir e a sentença exista correlação e, por via oblíqua, o magistrado não ultrapasse os limites da lide (extra petita), não conceda mais do que foi solicitado (ultra petita) ou, por fim, não reduza a pretensão expressa (citra ou infra petita). (TJSC, Apelação n. 0015137-60.2012.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 09-06-2022 – grifei).

Noutros termos:

A jurisdição não se exerce de ofício. Depende da provocação da parte e é prestada nos limites do posto pelos litigantes. A causa de pedir deve bem por isso ser rente à técnica: descrevem-se os fatos que, categorizados juridicamente pelo autor, amparam o pedido. A sentença está submetida a essas fronteiras, mas para tanto se deve apresentar ao juízo um fato jurídico com seus pontos essenciais. (TJSC, Apelação n. 0300447-89.2017.8.24.0028, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 05-10-2021 – grifei).

In casu, denota-se que a atuação ministerial se embasou na notícia de suposta ocorrência de irregularidades em processos licitatórios similares realizados em diversos municípios das regiões interioranas da AMREC (Associação de Municípios da Região Carbonífera) e da AMUREL (Associação de Municípios da Região de Laguna).

Segundo afirmado pelo Ministério Público, foram 25 (vinte e cinco) licitações realizadas na modalidade Carta Convite, sendo que o réu MERCILO JOÃO RIGON sagrou-se vencedor de todas elas. Para tanto, teria havido prévio ajuste entre ele e os prefeitos municipais (incluindo o ora réu JACINTO REDIVO, alcaide de Orleans/SC à época) no sentido de que os outros dois convidados seriam sempre pessoas com participação meramente formal, de forma a frustrar o intento competitivo do processo licitatório.

Essas duas pessoas não eram sempre as mesmas, de sorte que havia alternância entre os convidados para conferir aparência de licitude na atuação da Administração dos municípios envolvidos. No caso da licitação realizada em Orleans/SC, foram convidadas as pessoas de FÁBIO DE SOUZA MACHADO (que participou de 3 – três – processos licitatórios ao todo), e de DÉCIO LOCATELLI (o qual foi convidado para 4 – quatro – deles).

Frisa-se que a possibilidade de sanção a particulares desponta do art. 1º, §§ 5º e 6º, e do art. 3º, ambos da Lei de Improbidade Adminsitrativa:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

[…]

§ 5º Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 6º Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º deste artigo.

[…]

Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.

Ocorre que esta magistrada, na decisão do evento 148, coberta pelo manto da preclusão, rejeitou a inicial relativamente a FÁBIO DE SOUZA MACHADO e DÉCIO LOCATELLI, afastando a possibilidade de responsabilização de ambos, dado que os elementos probatórios trazidos pelo Ministério Público não trouxeram indícios suficientes de que a participação dos dois no Edital de Licitação objeto destes autos foi meramente formal.

Nesse caminhar, em análise delimitada pela causa de pedir exposta pelo Parquet, é forçoso reconhecer que a responsabilização dos outros dois réus, JACINTO REDIVO e MERCILO JOÃO RIGON, pela suposta fraude no processo licitatório do Município de Orleans/SC, resta prejudicada. É que ela exigia, inarredavelmente, que todos os quatro tivessem obrado em conjunto, posto que somente assim estaria, de fato, frustrado o caráter competitivo da licitação.

É que não foram indicadas, na exordial, outras eventuais formas pelas quais MERCILO poderia ter sido favorecido em detrimento de FÁBIO e DÉCIO. Não sobeja dúvida de que pode ter ocorrido outro tipo de favorecimento além do narrado nos autos, mas isso não significa que MERCILO necessariamente se sagraria vencedor, porquanto os outros dois, FÁBIO e DÉCIO, poderiam apresentar propostas com preços menores. Essa circunstância, per se, enfraquece quase totalmente a tese ministerial.

Soma-se a isso, de qualquer forma, a inexistência absoluta de provas de outras formas de favorecimento de MERCILO além do ajuste prévio entre os quatro.

Sobre o ônus de produção probatória no Processo Civil, o respectivo codex estabelece regra geral e, bem assim, situações de exceção:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Quanto ao regramento geral, a jurisprudência catarinense reconhece que:

“O processo civil pátrio, salvo algumas exceções, orienta-se pelo princípio dispositivo, por isso que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito, e ao réu, relativamente à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333 do CPC, incisos I e II).” (AC n. 2012.029180-4, relª. Desª. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 31.07.2012 – grifei).

Em outro precedente do TJSC, colhe-se precisa lição sobre a matéria:

Por força do disposto no art. 373 do código de processo civil, cabe ao autor provar o ‘fato constitutivo de seu direito’ (inc. i); ao réu, o fato ‘impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor’ (inc. ii). No expressivo dizer de francesco carnelutti, ‘o critério para distinguir a qual das partes incumbe o ônus da prova de uma afirmação é o do interesse da própria afirmação, cabe provar a quem tem interesse de afirmar; portanto, quem apresenta uma pretensão cumpre provar-lhe os fatos constitutivos e quem fornece a exceção cumpre provar os fatos extintivos, ou as condições impeditivas ou modificativas’” (AC n. 0501027-20.2011.8.24.0005, Des. Newton Trisotto – grifei).

Vide, ainda:

“‘O ônus da prova incumbe a quem tenha feito a alegação. Dito de outro modo, se no momento de proferir a decisão de mérito o juiz verifica que alguma alegação não está suficientemente provada, deve proferir decisão contrária a quem a tenha feito. Daí a razão pela qual também há muitos séculos se afirma que alegar e não provar é como não alegar (allegatio et non probatio, quasi non allegatio)‘ (CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro, 4ª edição, p. 228).” (TJSC, Apelação Cível n. 0013859-16.2009.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 20-10-2020 – grifei).

Com efeito, como não se está diante de nenhuma situação que permite o afastamento do modelo de ônus probatório genérico (incisos I e II do caput do art. 373 do Código de Processo Civil), deve ele ser adotado.

Portanto, JACINTO e MERCILO não podem ser responsabilizados por fraude no processo licitatório que ensejou a contratação do segundo para realização de concursos públicos.

Isso rechaçado, restam apenas as irregularidades concernentes à execução do contrato administrativo, isso é, à realização dos certames em questão. Nesse diapasão, atendo-se novamente aos limites causa de pedir invocada pelo órgão ministerial, vislumbra-se de plano que não há motivo para condenação de JACINTO REDIVO.

Todas as supostas fraudes lhe foram imputadas apenas relativamente ao processo licitatório. Até mesmo quando se diz que seu intuito de contratar MERCILO para elaboração dos concursos públicos era de favorecer pessoas determinadas, o único ato que lhe foi concretamente atribuído é a frustração do caráter competitivo da licitação acima tratada. Ou seja, não foi noticiada prática ilícita efetiva da parte de JACINTO quando da realização dos concursos públicos. Os atos são atribuídos exclusivamente a MERCILO e a outros servidores da Administração.

Perante isso, a improcedência do pedido em desfavor de JACINTO REDIVO é medida que se impõe.

Uma vez excluída a responsabilidade de MERCILO JOÃO RIGON no tocante à licitação pública que ensejou sua contratação pelo Município de Orleans/SC, resta averiguar a legitimidade de seus atos na execução desse contrato, isso é, na realização dos processos seletivos indicados pelo Ministério Público.

Passo, assim, a analisar a quaesticoncernente aos concursos públicos.

III. Da alegada irregularidade dos processos seletivos.

Sobre o concurso público, valiosa a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos. Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público. (In: Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 597 – grifos no original)

Repriso, aqui, as alegações ministeriais já expostas no relatório da presente sentença, em que se sustenta a existência de favorecimento de determinados candidatos no “processo seletivo simplificado” nº 02/2010, para o cargo de odontólogo, e no concurso público nº 03/2010, para os cargos de secretário executivo e auxiliar administrativo: (i) as provas e os cartões-resposta tinham a identificação dos candidatos; (ii) os prazos de inscrição eram muito curtos; (iii) não havia divulgação, nos editais e na internet, da identidade dos membros da comissão de concurso, para fiscalização devida; (iv) a situação da candidata Luzia Viana da Silva, que já era servidora pública municipal comissionada e, ao mesmo tempo, participou da organização do próprio concurso que prestou para o cargo de auxiliar administrativo; e (v) realização de prova por Tatiana Verna Bússolo, candidata aprovada para o cargo de secretário executivo, usando-se do nome de outra candidata.

Nesse diapasão, verifico dos elementos angariados aos autos que há também notícia de irregularidades concernentes ao cargo de auxiliar de ensino de educação infantil do concurso público nº 02/2010 (evento 1, docs. 12/82). Contudo, nenhuma delas foi objeto de exposição da causa de pedir da exordial, conforme visto acima. Ressalto, de qualquer forma, que Edineia Cardoso, candidata supostamente preterida no certame foi posteriormente contratada pela municipalidade, em 22/2/2010 (evento 1, doc. 17).

Então, o juízo fica impossibilitado de se pronunciar também sobre essas questões, impondo-se-lhe a fundamentação exclusivamente com base nos demais fatos trazidos na inicial pelo Ministério Público.

Isso posto, observo que o inquérito civil público ostenta pleno valor probatório, conforme já foi ressaltado pelo TJSC:

“‘O valor do inquérito civil como prova em juízo decorre de ser uma investigação pública e de caráter oficial. Quando regularmente realizado, o que nele se apurar tem validade e eficácia em juízo, como as perícias e inquirições. Ainda que sirva essencialmente o inquérito civil para preparar a propositura da ação civil pública, as informações nele contidas podem concorrer para formar ou reforçar a convicção do juiz, desde que não colidam com provas de maior hierarquia, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório.’ (MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000).” (TJSC, Apelação Cível n. 2013.076871-7, de Orleans, rel. Júlio César Knoll, Quarta Câmara de Direito Público, j. 11-06-2015 – grifei).

Nesse particular, em que pese não terem sido ouvidas testemunhas por inércia das partes, friso que as declarações registradas pelo Ministério Público não merecem descrédito, haja vista que registrada por agente público em ato administrativo regular, cuja presunção de legitimidade não foi expressamente impugnada, e muito menos derruída, pelo réu MERCILO.

Pois bem. Passo, então, a expor as provas produzidas no bojo do procedimento ministerial em questão.

No evento 1, doc. 11, colhe-se o relato de Jucemara Fruhauff, que resumidamente indicou que a pessoa de Luzia (Viana da Silva) trabalhava na escola de informática “Microlins”, onde foram realizadas as provas, e também na Prefeitura de Orleans, bem como que Luzia participou do certame para auxiliar administrativo e passou na sala de prova em que a depoente estava para levar uma impressora para casa:

Responsável por certame seletivo crivado de irregularidades é condenado por improbidade administrativa | Juristas

Digno de nota, ainda, a denúncia apresentada por Vera Regina Souza Roussenq acerca do concurso nº 003/2010, que indicou, em síntese, que MERCILO JOÃO RIGONI entregou em mãos a prova da candidata aprovada para secretário executivo, além de problemas de plágio referentes à elaboração da prova e ao conteúdo programático do edital; curto período entre divulgação de edital e realização da prova; divulgação do gabarito oficial em conjunto com a lista de aprovação; e identificação dos candidatos nas provas e gabaritos oficiais (evento 1, docs. 84/89):

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Tem-se, ainda, a denúncia de Ana Carolina Niehues, que aponta irregularidades referentes ao “processo seletivo simplificado” de odontólogo, em especial quanto ao prazo entre o edital e a prova; a ausência de divulgação editalícia efetiva; aplicação prova plagiada de outro município; ausência de gabarito; e inscrições realizadas exclusivamente por meio presencial por curto período de tempo (evento 1, doc. 106):

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Sobre o concurso de odontólogo, assim respondeu a municipalidade, por meio do ofício nº 115/2010, subscrito pela diretora do Departamento de Gestão de Pessoas, Ângela Maria Volpato Corrêa (evento 1, doc. 108):

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Ouvida, Ângela Maria Volpato Corrêa prestou relato destacando que MERCILO era responsável pela elaboração, aplicação e correção das provas e, nesse contexto, cabia a Luzia (Viana da Silva), servidora comissionada da Prefeitura, a contratação e pagamento de fiscais, a qual, ainda assim, concorreu ao cargo de auxiliar administrativo. Afirmou, ainda, que presenciou a realização do certame para secretário executivo, de modo que a prova de Tatiana Veran, de fato, não estava no conjunto de provas dos candidatos (evento 1, docs. 132/133):

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Inquirida sobre os fatos, Luzia Viana da Silva disse em suma que prestou concurso para auxiliar administrativo, tendo se classificado em terceiro lugar; que trabalhou na empresa Microlins até fevereiro de 2010; e que a lista de fiscais foi elaborada por Ângela Volpato, cujo pagamento deveria ser feito depois da prova (evento 1, docs. 134/135):

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Juzidélia Cândido Sandrini asseverou, em síntese, que prestou o concurso para auxiliar administrativo, chegando atrasada à prova, razão pela qual havia sido inicialmente impedida de realizá-la pela fiscal Bernadete (“Bela”), mas Luzia Viana, que também fazia a prova, conversou consigo e ofereceu o celular dela para contato com MERCILO, mas ele disse que nada podia fazer. Nesse momento, ouviu reclamação bastante peculiar de Luzia, no sentido de que “o pessoal” (os fiscais) contratado para “ajudar”, no final, “atrapalham”. Ainda, em conversa posterior com “Bela” (Bernadete), esta disse que houveram “muitas irregularidades” e “coisa errada” na elaboração e aplicação do concurso (evento 1, docs. 138/139):

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Bernadete Coelho afirmou resumidamente que, em conjunto com seu marido, foi contratada diretamente por Luzia para fiscalização das provas, de modo que pensava que ela estava organizando o concurso junto de MERCILO, mas, quando da aplicação do certame, Luzia chegou ao local para fazer a prova de auxiliar administrativo, pedindo, quando abordada, que Bernadete falasse baixo e ficasse quieta (isso é, que não alardeasse sua participação). Ainda, confirmou que Juzidélia chegou atrasada para a prova e ligou para MERCILO a partir do celular de Luzia para tentar resolver a situação, mas acabou indo embora sem fazer a prova. Atestou que Luzia, inclusive, era funcionária da Micro Lins, local das provas, e, junto de “Jussi”, secretária da empresa, levou peças dos computadores nos quais haviam sido feitas as provas. Ainda, Juzidélia ligou para sua pessoa afirmando que tinha feito “sujeira”, pois Luzia armara o concurso para favorecer aliados políticos do grupo do Executivo municipal. Enfim, Luzia teria dito a ela que deveria ter fingido que Juzidélia voltava do banheiro, permitindo sua entrada (evento 1, docs. 233/234):

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Interrogado pelo Parquet, MERCILO JOÃO RIGON disse sobre os certames de Orleans/SC, além de outras informações, que a organização dos processos seletivos era feita por Ângela Volpato, de modo que somente soube que Luzia Viana da Silva era candidata após o concurso; que o emprego de número nos gabaritos, sem identificação do candidato, também permitia fraudes; que Tatiana Veran Bússolo foi equivocadamente relacionada para outro cargo, razão por que permitiu a troca do nome para sua pessoa (evento 1, docs. 121/123):

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Com efeito, a prova prática da candidata do concurso nº 003/2010, Tatiana Veran Bússolo, estava com a indicação do cargo respectivo, “Auxiliar Adminsitrativo“, tachada à caneta, com a expressão “Secretária Executiva” sobreposta, ao passo que sua prova escrita e o respectivo gabarito estavam inicialmente em nome de “Jéssica Scurshel“, que acabou também rasurado com a aposição do nome de Tatiana ao lado, também à caneta, tudo conforme documentos fornecidos pelo Poder Executivo municipal – evento 1, docs. 124/131:

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A situação de Luzia Viana da Silva, referente ao certame de secretário executivo, desnuda a fraude operada. Servidora comissionada dos quadros do Executivo, foi ela designada como responsável, por MERCILO, pela escolha do local da prova, acabando por eleger a empresa da qual também era funcionária – a qual, possivelmente, auferiu recursos financeiros por isso. Também era Luzia a responsável pela contratação e pagamento dos fiscais das provas. Não obstante essas funções, inscreveu-se regularmente e realizou a prova em questão.

Luzia, quando indagada, bem tentou atribuir a designação dos fiscais à pessoa de Ângela. No entanto, suas palavras foram desmentidas por Bernadete e Juzidélia. Os firmes relatos de ambas apontam com clareza que Luzia pretendia o auxílio de alguns fiscais para favorecimento de candidatos simpáticos ao grupo político que ocupava o Executivo munícipe à época – fato este que Luzia, inclusive, confessou diretamente a Bernadete. Luzia tinha acesso direto e rápido a MERCILO, o que ficou evidenciado quando tentou favorecer indevidamente Juzidélia, para que esta pudesse entrar na sala fora do tempo de entrada. Na ocasião, já na sala de realização de prova, Luzia ligou para MERCILO de seu próprio celular pessoal para que resolvesse a questão e permitir a entrada de Juzidélia, o que, contudo, não foi possível – provavelmente em razão da publicidade que a situação tomara, posto que as provas já haviam se iniciado 15 minutos antes.

Não bastasse isso, Luzia chegou a retirar parte do equipamento de informática que estava no local e foi usado para algumas provas, isso no mesmo dia do exame, ressaltando-se novamente que também era funcionária da empresa que cedera o espaço e o equipamento, a “Microlins”.

Portanto, resta evidenciado que MERCILO não só tinha ciência da situação de Luzia como a auxiliou materialmente na empreitada.

Há, ainda, outra ocasião, em que o próprio réu MERCILO repassou à pessoa de Tatiana Veran Bússolo, que era servidora comissionada municipal e prestava concurso para cargo efetivo, prova que continha identificação de outra candidata supostamente faltante, que estava separada das demais (o que, por si só, é fato grave).

Não obstatne, foi admitida a realização da prova, por parte de Tatiana, para o cargo de secretário executivo quando, na verdade, a prova que continha seu nome constava o cargo de auxiliar administrativo. Gizo que a defesa não apresentou documento algum que demonstre que Tatiana tinha, efetivamente, feito a inscrição para o cargo de secretário executivo, como alegado pelo réu.

Além desses fatos, diversas outras irregularidades e circunstâncias demonstram claramente que, além de MERCILO não atuar visando a ampla concorrência, buscou-se deliberadamente dificultá-la.

Com efeito, os prazos (i) entre publicação do edital e realização das provas (ex.: 39 dias, para o cargo de secretário executivo), assim como (ii) de efetiva inscrição (ex.: 7 dias, para o cargo de odontólogo), eram muito exíguos; (iii) a publicidade dada aos editais ocorreu exclusivamente em órgão de imprensa municipal; da mesma forma, (iv) as provas e gabaritos já vinham com o nome dos candidatos preenchidos, de modo que as pessoas responsáveis pela correção, no caso, o próprio MERCILO  e sua esposa, tinham contato direto com a identidade da prova a ser corrigida; (v) a própria forma de gabarito em impressão simples, acima ilustrada, denota a facilidade de atos fraudulentos de qualquer sorte; e, por fim, (vi) não foram identificados os membros da comissão responsável pelos concursos, impossibilitando aos candidatos e à sociedade ferramentas de fiscalização mínimas.

Nesse contexto de fatos, não se vislumbra uma coexistência meramente ocasional de irregularidades nos processos seletivos, mas, sim, um conjunto de atos ilícitos que formam um contexto coeso, devidamente demonstrando pelos elementos probatórios, que ilustra a atuação com escopo fraudulento por parte do réu MERCILO JOÃO RIGON. Tal foi facilitado porque ele já conhecia boa parte corpo funcional do Município de Orleans, haja vista que exercia função de assessoria em contabilidade perante a Administração Pública preteritamente à aprovação de sua proposta licitatória para execução dos concrusos públicos em questão.

Dessarte, constata-se, com a certeza necessária, que MERCILO, por atos próprios ou por intermédio de terceiros, em especial servidores ocupantes de cargos comissionados perante a Administração Pública, frustrou deliberadamente a licitude dos concursos públicos em questão, em ofensa direta aos Princípios da Legalidade, da Impessoalidade e da Igualdade, dado o nítido favorecimento a pessoas próximas ou já integrantes do grupo político que ocupava o Poder Executivo do Município do Orleans à época.

Tanto foram ilícitos seus atos que, logo após recomendação ministerial, o Poder Executivo municipal invalidou os concursos em questão.

Vide, no evento 50, doc. 935, ato de invalidação, datado de 25/3/2010, das provas de secretário executivo e auxiliar administrativo do concurso nº 03/2010, designando-se o dia 11/4/2010 para nova realização do certame.

Do doc. 936, datado de 5/4/2010, consta outro ato de invalidação, desta vez do “processo seletivo simplificado” nº 02/2010, relativamente ao cargo de odontólogo, designando-se nova data de prova para o dia 19/4/2010.

Forçoso reconhecer, porém, que essas providências somente foram adotadas após recomendação por parte do Ministério Público, e que, nem de longe, afastam a possibilidade de ocorrência de fraudes quando da realização dos certames questionados.

Imperativa, então, a condenação de MERCILO JOÃO RIGON pela prática de ato de improbidade previsto no art. 11, inciso V, da Lei nº 8.429/1992.

VI. Das penas

A Lei nº 8.429/1992 propõe considerável leque de penalidades passíveis de aplicação aos agentes ímprobos. Anteriormente, era esta sua redação:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[…]

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Na vigência da Lei nº 14.230/2021, a norma passou a disciplinar o seguinte:

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[…]

III – na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos;

[…]

§ 1º A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.

§ 2º A multa pode ser aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, o valor calculado na forma dos incisos I, II e III do caput deste artigo é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade.

§ 3º Na responsabilização da pessoa jurídica, deverão ser considerados os efeitos econômicos e sociais das sanções, de modo a viabilizar a manutenção de suas atividades.

§ 4º Em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a sanção de proibição de contratação com o poder público pode extrapolar o ente público lesado pelo ato de improbidade, observados os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a preservar a função social da pessoa jurídica, conforme disposto no § 3º deste artigo.

§ 5º No caso de atos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados por esta Lei, a sanção limitar-se-á à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos, quando for o caso, nos termos do caput deste artigo.

§ 6º Se ocorrer lesão ao patrimônio público, a reparação do dano a que se refere esta Lei deverá deduzir o ressarcimento ocorrido nas instâncias criminal, civil e administrativa que tiver por objeto os mesmos fatos.

§ 7º As sanções aplicadas a pessoas jurídicas com base nesta Lei e na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, deverão observar o princípio constitucional do non bis in idem.

§ 8º A sanção de proibição de contratação com o poder público deverá constar do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, observadas as limitações territoriais contidas em decisão judicial, conforme disposto no § 4º deste artigo. (grifei)

É indubitável, mediante cotejo breve, que o novo formato de sanções é amplamente mais benéfico do que o anterior.

Diante disso, se retroagem in mellius as normas de tipificação dos atos de improbidade (de acordo com o que restou fixado pelo STF, conforme exposto alhures), da mesma forma devem retroagir as regras que prevêem as punições a eles cominadas, haja vista que, em ambos os casos, está se falando de regras de direito material.

Verifica-se, nessa seara, que a nova redação do art. 12 estabeleceu dois tipos de tratamento a atos ímprobos.

primeiro é aquele que já ocorria na norma anterior, composto pelas sanções de (i) ressarcimento integral do dano, (ii) perda de valores auferidos ilicitamente (que, muitas vezes, corresponde ao dano ao erário), (iii) perda da função pública em se encontrar (observado o § 1º do art. 12), (iv) suspensão dos direitos políticos, (v) multa civil e (vi) proibição de contratação com o poder público ou de dele perceber benefícios fiscais ou creditícios.

Por outro lado, o § 5º estabelece um segundo regramento, como que destinado a atos de “menor potencial ofensivo” (pois é similar ao que já ocorre no Direito Penal). Assim, quando a ofensa aos bens jurídicos tutelados for reduzida, somente poderão ser aplicadas (i) ressarcimento integral do dano e (ii) multa civil.

Friso que, nos dois casos, pode a multa ser majorada até o dobro (§ 2º).

Sabe-se que, ao sancionar atos de improbidade administativa, deve-se considerar três esferas ou subprincípios do Princípio da Proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade da medida (em sentido estrito).

Nessa seara, assim discorreu o ministro Gilmar Mendes em voto-vista proferido em julgamento do STF:

O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito). (RE n. 349.703, j. 3/12/2008)

Vide também o seguinte julgado do STJ, cujos preceitos igualmente se aplicam à nova redação do art. 12 da Lei de Improbidade:

“[…] as sanções do art. 12, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429/92, não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que, evidentemente, perpassa pela adequação, necessidade e proporcionalidade estrito senso, aliás, como deixa entrever o parágrafo único do referido dispositivo, a fim de que a reprimenda a ser aplicada ao agente ímprobo seja suficiente à repressão e à prevenção da improbidade” (REsp 980706/RS, rel. Min. Luiz Fux, 3/2/2011).

Portanto, a pena por ato de improbidade deve se adequar às finalidades retributiva e preventiva buscadas pela lei, devendo ser adotada aquela que alcance posição equilibrada entre o dano ensejado à Administração Pública e aquele que será imposto ao agente.

Pois bem.

Como o réu perpetrou conduta prevista pelo art. 11 da Lei de Improbidade, as sanções devem ser estabelecidas com base no inciso III do art. 12 da mesma lei.

E, no caso, a lesão aos bens jurídicos tutelados foi reduzida, em especial porque não há notícia de efetivo dano patrimonial à Administração. Os certames em que foram comprovadas as fraudes foram anulados, não se podendo afirmar que o Poder Público foi impedido de contratar agentes mais qualificados. Não se sabe se a realização de novas provas custou algo ao Executivo ou se correu às expensas do próprio réu.

Diante da necessidade de repressão condizente com a gravidade da ofensa à probidade administrativa (art. 12, § 2º, da Lei nº 8.492/1992), tenho por suficiente arbitrar a multa civil em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Acerca dos consectários legais, a Corte catarinense vem agasalhando a posição do STJ no sentido que, nos casos de improbidade administrativa, deve incidir correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos com termo a quo a partir do evento danoso:

APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE N. 13/STF. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA ENTRE OS NOMEADOS. IRRELEVÂNCIA NO CASO. INFLUÊNCIA, AINDA QUE INDIRETA, NA NOMEAÇÃO PELO PREFEITO DE SANTA HELENA/SC DE PARENTES. TIO E SOBRINHA. ELE, CHEFE DE GABINETE. ELA, COORDENADORA DE CONTROLE INTERNO. ÓBICE À FISCALIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA COM O APADRINHAMENTO DAS FUNÇÕES. ATO ATENTATÓRIO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11, LEI 8.429/92. DOLO GENÉRICO. MULTA CIVIL APLICADA AO VALOR DE CINCO VEZES A REMUNERAÇÃO DO AGENTE. OBSERVÂNCIA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE. ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC E JUROS DE MORA EM 1% AM, AMBOS A CONTAR DA DATA DO EVENTO DANOSO (ATO ÍMPROBO). PRECEDENTE DO STJ. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 0900001-68.2014.8.24.0084, Quinta Câmara de Direito Público, Rel. Des. Vilson Fontana. Data do julgamento: 06.09.2018 – grifei).

“A jurisprudência do STJ entende que o termo a quo da correção monetária e dos juros moratórios da multa civil imposta em sede de ação de improbidade administrativa é a data do evento danoso, entendido este como a data da prática do ato ímprobo, eis que as sanções e o ressarcimento do dano, previstos na Lei de Improbidade Administrativa, inserem-se no contexto da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, autorizando a aplicação das Súmulas 43 e 54 do STJ” (STJ – AgInt nos EDcl no REsp 1901336/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria. Data do julgamento: 22.03.2021) […] (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5023714-89.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Bettina Maria Maresch de Moura, Terceira Câmara de Direito Público, j. 16-08-2022 – grifei).

Vide precedente do STJ:

RECURSO DA MUNICIPALIDADE PLEITEANDO A FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA ÀS SANÇÕES DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DIES A QUO. DATA DO EVENTO DANOSO (ATO ÍMPROBO). EMBARGOS CONHECIDOS E ACOLHIDOS. “[…] a correção monetária e os juros da multa civil têm, como dies a quo de incidência, a data do evento danoso (o ato ímprobo), nos termos das Súmulas 43 (“Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”) e 54 (“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”) do STJ e do art. 398 do Código Civil.4. Recurso Especial provido. (STJ – REsp 1645642 / MS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin. Data do Julgamento: 07.03.2017 – grifei)

Além disso, em atendimento ao princípio da proporcionalidade e aos fins repressivos e pedagógicos da sanção, imperiosa a condenação do requerido na proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 01 (um) ano.

Resta, pois, a parcial procedência da demanda.

Ante o exposto JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial e, por conseguinte:

a) DEIXO DE RECONHECER a prática de ato de improbidade administrativa imputada ao réu JACINTO REDIVO, já qualificado nos autos.

b) CONDENO o requerido MERCILO JOÃO RIGON, já qualificado nos autos, ao pagamento de multa civil de R$ 10.000,00 (dez mil reais), bem como à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 01 (um) ano, pela prática de ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, inciso V, da Lei n. 8.492/1992. 

Sobre o valor devido incidirá correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados a partir de 11/1/2010 (evento 1, doc. 158).

Ante a sucumbência, o réu arca com o pagamento das custas processuais.

Sem honorários (STJ, REsp n. 493.823/DF, rel. Min. Eliana Calmon; REsp 363.949/SP, rel. Min. Franciulli Netto; REsp n. 406.767/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n. 153.829/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira; e REsp n. 422.801/SP, rel. Min. Garcia Vieira).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se, inclusive o Município de Orleans.

Oportunamente, arquive-se.

Bruna Canella Becker

Juíza de Direito


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