Prazo prescricional para trabalhador exposto a pesticida sem proteção inicia a contagem da data em que tomou conhecimento de possível contaminação

Data:

Prazo Prescricional
Créditos: Michał Chodyra / iStock

Um agente de saúde pública da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) teve reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) o direito a indenização a título de danos morais, por ter desempenhado seu trabalho com a manipulação de pesticida do tipo Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) sem o fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) e sem devido treinamento.

A decisão obtida anteriormente pela parte demandante da demanda judicial havia declarado a prescrição de seu direito em pedir indenização, ao fundamento de que o termo inicial para contagem do prazo prescricional é a data em que servidor foi redistribuído para o Ministério da Saúde (MS), tendo deixado de ter contato com o pesticida, sendo de 5 (cinco) anos, de acordo com o que resta previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/1932.

Insatisfeito, o recorrente alegou que tão somente tomou conhecimento da eventual contaminação por intermédio dos meios de comunicação e, portanto, não se poderia considerar a data de redistribuição para o Ministério da Saúde (MS). Pugnou ainda para que, depois de anulada a decisão de primeiro grau que reconheceu a prescrição, o processo fosse julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao invés de retornar para o primeiro grau, de acordo com a inteligência do artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil (CPC).

O recorrente ainda disse que manuseou os inseticidas sem equipamentos de proteção individual (EPI) e treinamento, contrariando o Manual de Controle de Vetores, tendo como consequência vários problemas de saúde e incômodos físicos, e buscou indenização a título de danos morais decorrente desta atividade.

Contato com o pesticida do tipo Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT)

Na relatoria do recurso de apelação, o desembargador federal Daniel Paes Ribeiro primeiramente atestou que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no processo judicial, disse que o servidor público ocupava o cargo de Agente de Saúde Pública (Guardas de Endemias) na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), posteriormente incorporada pela fundação. No cargo, de acordo com o documento, restou demonstrado que ele trabalhava na aplicação de pesticidas.

Prosseguindo na análise do recurso de apelação, o relator, desembargador Paes Ribeiro, ressaltou que “está pacificado na jurisprudência pátria o entendimento de que nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição à substância tóxica”.

Mesmo que o recorrente não tenhademonstrado o que alegou em relação a possíveis patologias adquiridas, a indenização a título de danos morais é devida pelo simples conhecimento de que teve contato com o pesticida do tipo Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), “sendo irrelevante que, aparentemente não tenha sido desenvolvida nenhuma doença relacionada ao manuseio da substância tóxica”, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), acrescentou o magistrado Paes Ribeiro.

Finalizando, o relator votou no sentido de reconhecer o direito do recorrente de receber, da União Federal e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), indenização a título de danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por ano de contato com o pesticida acima destacado, além de determinar aos entes públicos o pagamento dos honorários sucumbenciais e recursais.

O colegiado, por unanimidade, reformou a decisão de primeiro grau, nos termos do voto.

Processo: 0002380-58.2015.4.01.3313

Data do julgamento: 29/08/2022

Data da publicação: 08/09/2022

RS/CB

(Com informações da Assessoria de Comunicação Social do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1)

EMENTA

PROCESSO: 0002380-58.2015.4.01.3313

PROCESSO REFERÊNCIA: 0002380-58.2015.4.01.3313
CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198)

POLO ATIVO: EDIVAL DE SOUZA GAMA
REPRESENTANTES POLO ATIVO: LEONARDO DA COSTA – PR23493-A
POLO PASSIVO:FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE e outros

E M E N T A

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (FUNASA) E UNIÃO. EXPOSIÇÃO AO DICLORO-DIFENIL-TRICLOROETANO (DDT) SEM O FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO NÃO ACOLHIDA. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. PRELIMINAR QUE SE REJEITA. CONFIRMADA A MANIPULAÇÃO DE PESTICIDAS. INFORMAÇÃO TRAZIDA AOS AUTOS PELA FUNASA. SENTENÇA ANULADA. APLICAÇÃO DO ART. 1.013, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). APELAÇÃO PROVIDA. ACOLHIDO O PEDIDO INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. No que diz respeito à prescrição, e conforme entendimento deste Tribunal, “afigura-se cabível, na espécie, a aplicação do princípio da actio nata, eis que o prazo prescricional somente tem início com a ciência da contaminação” (AC n. 0010160-49.2006.4.01.3900/PA, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, e-DJF1 de 11.11.2015, p. 649).

2. Acerca do tema está pacificado na jurisprudência pátria o entendimento de que nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição à substância tóxica, afastando-se, inclusive, como marco inicial, a vigência da Lei n. 11.936/2009, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico (REsp n. 1.809.204/DF, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10/02/2021, sob o regime dos recursos repetitivos, DJe 24/02/2021).

3. Ademais, também é certo que, se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância (REsp n. 1.684.797/RO, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 11/10/2017).

4. Anula-se a sentença, de ofício, e, conforme autoriza o art. 1.013, § 4º, do CPC, passa-se ao mérito do recurso.

5. É possível constatar que o servidor foi redistribuído para o Ministério da Saúde com a edição da Portaria n. 1.659, de 29/06/2010, como admitido pela própria União e confirmado pelos comprovantes de rendimento trazidos à lide, o que justifica a presença do ente público na relação processual.

6. Não há dúvidas, portanto, de que a Funasa e a União têm legitimidade passiva para responder por eventual condenação decorrente do manuseio da substância tóxica sem as devidas precauções. A responsabilidade da União deve respeitar o período compreendido entre a redistribuição do postulante para o Ministério da Saúde e a aposentadoria iniciada a partir da publicação da Portaria n. 1.649 no Diário Oficial da União de 31/08/2011.

7. O postulante busca ser indenizado por manipular substâncias tóxicas sem o fornecimento de EPI e de treinamento, situação que, de acordo com os argumentos apresentados, coloca em risco sua higidez física.

8. No entanto, embora faça menção a inúmeros incômodos decorrentes de prováveis patologias adquiridas ao longo dos anos em que lidou com o DDT e com os demais pesticidas referidos, não trouxe, por si mesmo, prova do alegado, tais como atestados médicos, ou documentos similares, aptos a comprovar a assertiva.

9. Ocorre que há declaração fornecida pela própria Funasa confirmando que o demandante ocupava o cargo de Agente de Saúde Pública, inicialmente junto à Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), que foi incorporada pela aludida Fundação, sendo certo que desenvolvia atividades diretamente relacionadas à aplicação de pesticidas, tal como discriminado no quadro descritivo que ilustra a informação trazida aos autos.

10. A sentença merece ser reformada para reconhecer ao apelante o direito à reparação do dano moral na proporção de R$ 3.000,00 (três mil reais), por ano de contato com o pesticida, montante a ser apurado na fase de liquidação de sentença (AC n. 1005957-86.2017.4.01.3400, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, PJe 13/05/2022), sendo irrelevante que, aparentemente não tenha sido desenvolvida nenhuma doença relacionada ao manuseio da substância tóxica (AC n. 0053614-75.2016.4.01.3400, Relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, PJe 13/05/2022 e AC n. 0010356-63.2013.4.01.4000, Desembargador Federal Souza Prudente, PJe 09/07/2021).

11. Relativamente à forma de fixação dos juros de mora e da correção monetária, matéria de ordem pública, e de acordo com o julgamento proferido, sob o rito do recurso repetitivo, no REsp n. 1.492.221/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 20.03.2018, os juros de mora, na espécie, correspondem aos seguintes encargos: até dezembro/2002, juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; à taxa Selic, no período posterior à vigência do Código Civil de 2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, vedada a acumulação com qualquer outro índice; no período posterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, os juros de mora calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e a correção com base no IPCA-E.

12. A incidência dos juros de mora deve ser feita em consonância com os ditames da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça, a partir do evento danoso.

13. A correção monetária deverá incidir a partir da data do arbitramento.

14. Apelação provida para julgar procedente o pedido indenizatório formulado contra a Funasa e a União e reconhecer ao autor o direito à reparação do dano moral decorrente do contato com o pesticida sem proteção e treinamento, observada a proporcionalidade do tempo de prestação de serviço nos respectivos órgãos..

15. Condena-se cada uma das rés ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.

16. Arcarão, também, com o pagamento de honorários advocatícios recursais fixados em R$ 400,00 (quatrocentos reais) em relação a cada uma das apeladas, como determina o art. 85, § 11, do CPC.

17. Sem custas a restituir. O demandante litigou sob o pálio da justiça gratuita.

A C Ó R D Ã O

Decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e julgar procedente o pedido.
Brasília, 29 de agosto de 2022.

Desembargador Federal DANIEL PAES RIBEIRO
Relator

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