Família enlutada, segundo justiça, não é obrigada a contratar funerária no município do sepultamento

Data:

Funerária
Créditos: Kzenon / Depositphotos

A Justiça da Comarca de Florianópolis, em Santa Catarina (SC), garantiu a uma funerária de fora do Estado de Santa Catarina o direito de realizar transporte fúnebre intermunicipal para o local que for necessário, mesmo que o endereço da empresa não esteja em Florianópolis (SC). A decisão é da juíza de direito Cleni Serly Rauen Vieira, em ação judicial que tramitou na 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Florianópolis (SC).

Ao julgar o caso, a juíza de direito verificou que o serviço funerário é da competência municipal, tendo em vista que diz respeito a atividades de interesse local. No município de Florianópolis, aponta a decisão,que o decreto municipal ainda estabelece que o serviço funerário apenas será prestado por empresas que tenham obtido concessão mediante prévia licitação, salvo nos casos em que o sepultamento vier a ocorrer fora do município de Florianópolis.

Por outro lado, pondera a magistrada, a competência para disciplinar o transporte intermunicipal fúnebre é do Estado, já que a temática extrapola os limites territoriais do município e trata de interesse regional. Entre outras disposições, a legislação que disciplina o assunto estabelece que o serviço de translado intermunicipal é livre à iniciativa privada entre as empresas habilitadas para realizá-lo. O texto também dispõe que fica vedada a garantia de exclusividade da prestação de serviços de translado intermunicipal em virtude da localização da empresa que os realize.

“Da análise das leis que regulamentam a matéria, verifico que o município ultrapassou os limites de sua competência ao disciplinar que a família enlutada contratasse ‘empresa prestadora do serviço funerário estabelecida no município em que será realizado o sepultamento'”, escreveu a juíza de direito Cleni Serly Rauen Vieira.

Ao contrariar a regra estadual que proíbe a referida garantia de exclusividade, destacou a decisão, extrapolaram-se os limites do chamado interesse local. A realização do transporte fúnebre intermunicipal, pondera a juíza de direito, não dispensa a empresa autora de realizar o cadastramento no município de Florianópolis, mesmo que observadas as demais exigências da legislação municipal que trata do serviço funerário.

Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC.

Autos n. 5015926-86.2021.8.24.0023 – Sentença

(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)

SENTENÇA

ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital

Rua Álvaro Millen da Silveira, 208 – Bairro: Centro – CEP: 88010-290 – Fone: (48) 3287-6510 – Email: [email protected]

Procedimento Comum Cível Nº 5015926-86.2021.8.24.0023/SC

AUTOR: FUNERARIA BOM JESUS DA LAPA LTDA

RÉU: MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

FUNERARIA BOM JESUS DA LAPA LTDA ajuizou ação de obrigação de não fazer em face do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, requerendo o seguinte:

1 – Seja concedida a tutela de urgência, autorizando a Requerente a fazer o transporte funerário desta Comarca de Florianópolis para qualquer lugar que seja necessário, intimando-se o Requerido, como de estilo;

2 – Seja ao final julgado integralmente procedente o presente pedido, para que seja o Requerido condenado a abster-se de proibir a Requerente de proceder a retirada de corpos nesta Capital e realizar o transporte funerário onde for requisitada, condenando-o ainda ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios; (e.1.1).

O pedido de tutela de urgência foi indeferido (e.6).

Citado, o réu apresentou contestação, impugnando os argumentos da inicial e requerendo a improcedência dos pedidos (e.12).

Houve réplica (e.17).

O Ministério Público manifestou-se pela não intervenção no feito (e.21).

Foi determinada a intimação das partes para indicarem as provas que pretendiam produzir (e.23), momento em que requereram o julgamento antecipado da lide (e.28-29).

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Do julgamento antecipado do mérito

Tendo em vista que a matéria de fato e de direito deste processo deve ser provada com a juntada de documentos, que deveria ocorrer na fase postulatória (inicial e contestação), é desnecessária a dilação probatória. Além disso, as partes foram intimadas para a especificação de provas, no entanto requereram o julgamento da lide. Por isso, julgo antecipadamente o mérito, a teor do art. 355, I, do CPC.

Do mérito

O serviço funerário é da competência municipal, uma vez que diz respeito a atividades de interesse local (CF, art. 30, I), quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios.

O art. 1º da Lei Municipal nº 6.923/2006 estabelece que: “A execução dos serviços funerários no Município de Florianópolis é considerado serviço público e poderá ser realizado por concessão através de Licitação, na modalidade de Concorrência, com número mínimo de 04 (quatro) empresas, e prazo estipulado de 05 anos, através do edital, a critério do poder concedente, podendo ser prorrogado por igual período”.

O Decreto Municipal nº 23.400/2021 regulamentou a LM nº 6.923/2006, estabelecendo que o serviço funerários no Município de Florianópolis somente será prestado por empresas que tenham obtido a concessão mediante prévia licitação, salvo nos casos em que o sepultamento vier a ocorrer fora do Município de Florianópolis:

Art. 10 É expressamente proibida a prestação do Serviço Funerário no Município de Florianópolis por empresas que não tenham obtido a concessão mediante prévia licitação, salvo nos casos em que o sepultamento vier a ocorrer fora do Município de Florianópolis.

§ 1º Nos casos em que o sepultamento vier a ocorrer fora do Município de Florianópolis, a família enlutada poderá optar por:

a) Contratar, a sua escolha, uma das concessionárias do Serviço Funerário do Município de Florianópolis, ou;

b) Contratar empresa prestadora do serviço funerário estabelecida no Município em que será realizado o sepultamento, desde que a empresa esteja regularmente credenciada junto à Central de Atendimento de Óbitos.

Por outro lado, não se pode olvidar que a competência para disciplinar o transporte intermunicipal fúnebre é do Estado (CF, art. 25, §1º), uma vez que a temática extrapolo os limites territoriais do município e trata de interesse regional.

Por essa razão, no Estado de Santa Catarina, foi editada a Lei nº 18.076/2021, que estabelece:

Art. 1º No serviço de translado intermunicipal terrestre de cadáveres e restos humanos no âmbito do Estado de Santa Catarina é livre à iniciativa privada entre as empresas habilitadas para realizá-lo.

Parágrafo único. Fica vedada a garantia de exclusividade da prestação de serviços de translado intermunicipal em virtude da localização da empresa que o realize.

Art. 2º O translado intermunicipal de cadáveres e restos humanos deverá sempre ser efetuado por empresa habilitada, regular e vistoriada e em veículo adequado, em conformidade com as normas vigentes do Município onde está sediada a empresa, bem como se sujeitará, na forma da legislação pertinente, à fiscalização sanitária.

Nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA. MUNICÍPIO DE CAMPO LARGO. TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE CADÁVERES. COMPETÊNCIA NORMATIVA DO ESTADO. MATÉRIA QUE TRANSCENDE O INTERESSE DO MUNICÍPIO. INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA E INDIRETA VERIFICADA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e improvido. (TJPR – Recurso Inominado nº 0003117-02.2020.8.16.0026, 4ª Turma Recursal, j. em 04/07/2022).

DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS FUNERÁRIOS. COMPETÊNCIA MUNICIPAL SOMENTE NOS SEUS LIMITES TERRITORIAIS. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL SOBRE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL FUNERÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DO INTERESSE REGIONAL. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS ESTADOS. PRECEDENTE DO STF. a) A regulamentação dos serviços funerários é de competência municipal, nos termos do artigo 30, inciso I, da Constituição da República, desde que haja interesse local, compreendendo a seguintes atividades: confecção de caixões, organização de velório, transporte de cadáveres e administração de cemitérios. b) Assim, cabe aos Municípios regular o funcionamento dos serviços funerários nos limites de sua atribuição, ou seja, competência limitada ao seu território. c) Todavia, no caso, o Apelante estabeleceu normas e impôs obrigações (Lei Municipal nº 2.295/2011) em relação ao transporte intermunicipal dos falecidos, extrapolando, assim, os limites da sua competência territorial. d) Nos termos do parágrafo 1º do artigo 25 da Constituição da República, “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, cabendo-lhes, assim, legislar sobre interesse regional. e) E, com base nisso, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em caso semelhante, que compete aos Estados legislar sobre questões que transcendem os limites físicos do Município. f) Nesse contexto, não pode a legislação municipal obstar ou restringir o transporte fúnebre em relação aos outros Municípios, ultrapassando-se os limites da competência Municipal, eis que caracteriza interesse regional. g) Por fim, considerando que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a inconstitucionalidade (RE: 237104) de legislação Municipal sobre o transporte intermunicipal funerário, é prescindível o encaminhamento do presente Recurso ao Órgão Especial, nos termos do parágrafo único do artigo 949 do Código de Processo Civil e do artigo 97 da Constituição da República. 2) APELO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA. (TJPR – AC nº 0006736-76.2016.8.16.0026, 5ª Câmara Cível, j. em 19/03/2019).

No caso concreto, a parte autora pretende obter autorização para o transporte intermunicipal de cadáveres.

Da análise das leis que regulamentam a matéria, verifico que o Município de Florianópolis ultrapassou os limites de sua competência ao disciplinar que a família enlutada contratasse “empresa prestadora do serviço funerário estabelecida no Município em que será realizado o sepultamento” (Decreto Municipal nº 23.400/2021, art. 10, §1º, b). Ou seja, contrariou frontalmente a regra estadual que proíbe “a garantia de exclusividade da prestação de serviços de translado intermunicipal em virtude da localização da empresa que o realize” (Lei Estadual nº 18.076/2021, art.1º, parágrafo único).

Assim, ao estabelecer esse requisito, o réu extrapolou os limites do chamado interesse local, devendo ser afasta a exigência prevista no art. 10, §1º, b do Decreto Municipal nº 23.400/2021.

Advirto, no entanto, que a permissão para realização do transporte intermunicipal de cadáveres não dispensa a empresa autora de realizar o cadastramento no Município de Florianópolis, nem que sejam observadas as demais exigências da legislação municipal que trata do serviço funerário. Até porque os demais aspectos da Lei Municipal nº 6.923/2006  e do Decreto Municipal nº 23.400/2021 são constitucionais tanto do ponto de vista material como formal.

É a decisão.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial desta ação, proposta por FUNERARIA BOM JESUS DA LAPA LTDA em face de MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS para o fim de CONDENAR o réu em obrigação de não fazer, consistente em abster-se de exigir que a autora esteja estabelecida no Município em que será realizado o sepultamento para os casos de transporte intermunicipal terrestre de cadáveres e restos mortais humanos.

CONDENO a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados por apreciação equitativa em R$ 2.000,00 (CPC, art. 85, §§ 2º e 8º), considerando sobretudo a natureza e a importância da causa, a ausência de fase instrutória e o tempo de tramitação do feito. O réu é isento do recolhimento da taxa de serviços judiciais (LE nº 17.654/2018, art. 7º, I).

Sentença sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 496).

DECLARO resolvido o mérito de ambos os processos, forte no art. 487, I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Certificado o trânsito em julgado e observadas as formalidades legais, ARQUIVEM-SE os autos definitivamente.

Florianópolis/SC, data da assinatura digital.

Documento eletrônico assinado por CLENI SERLY RAUEN VIEIRA, Juíza Substituta na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310034404697v20 e do código CRC 22d1ff99.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLENI SERLY RAUEN VIEIRA
Data e Hora: 13/10/2022, às 16:7:25

5015926-86.2021.8.24.0023
310034404697 .V20

Juiz determina que funerária deixe de usar nome de concorrente
Créditos: designer491 / Shutterstock.com
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O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

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