A 1ª Turma Cível do TJDFT deu provimento a recurso para declarar a maternidade socioafetiva de uma demandante, ao entender possível o reconhecimento da multiparentalidade e admitir a coexistência jurídica dos nomes da mãe biológica e da mãe socioafetiva num mesmo registro civil. A decisão foi unânime.
A autora ingressou com Ação de Investigação de Maternidade Socioafetiva, sob o argumento de que vive maritalmente com o genitor da menor há oito anos e que cuida desta e lhe presta toda a assistência, desde que ela contava com 1 ano e 8 meses de idade. Afirma que a menor a considera como mãe, visto sua mãe ter falecido quando ela tinha menos de 1 ano, e que o genitor da criança concorda com o pedido de substituição do nome da mãe biológica pelo nome da autora no registro de nascimento da filha.
Ouvida, a avó materna se opôs ao pleito da autora, que então, alterou o pedido, insistindo na inclusão de seu nome e de seus pais no documento da menor, sem contudo excluir os dados relativos à mãe biológica.
Em 1ª Instância, o pedido foi julgado improcedente, pois o juiz entendeu que “só se permite o reconhecimento da filiação socioafetiva na ausência de filiação biológica” – o que não era o caso. Fundamentou que o registro decorrente da parentalidade socioafetiva tem caráter supressivo e substitutivo quanto à filiação biológica e, assim, não poderia constar dois nomes maternos no mesmo documento.
Em sede revisional, no entanto, os desembargadores tiveram outro entendimento. Inicialmente, a relatora consignou que “o ordenamento jurídico pátrio, cada vez mais, tem reconhecido as relações socioafetivas quando se trata de estado de filiação, notadamente em função dos diversos modelos de família existentes na sociedade contemporânea”.
Segundo a julgadora, “o reconhecimento de filiação pela multiparentalidade encontra amparo legal na parte final do art. 1.593 do Código Civil, segundo o qual ‘o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consaguinidade ou outra origem’. Nesse diapasão, a alusão à expressão ‘outra origem’ cedeu espaço semântico para que a doutrina e a jurisprudência, ao interpretarem tal dispositivo, à luz da Constituição da República, reconhecessem as relações de parentesco socioafetivas”.
A magistrada consignou que, “no caso em apreço, (…) não se vislumbra óbice legal ao reconhecimento da maternidade socioafetiva requerida, visto que devidamente comprovada a relação de vínculo afetivo com contornos materno-filiais entre a apelante e a criança em questão”, conforme parecer psicossocial elaborado pela Vara da Infância e da Juventude do DF.
Assim, a Turma deu provimento ao recurso para declarar a maternidade socioafetiva da autora em relação à menor, incluindo-se na certidão de nascimento da infante o nome da apelante e de seus ascendentes, sem prejuízo da manutenção do nome da mãe e avós biológicos, acrescentando, ainda, o sobrenome da autora ao nome da criança.
AB
Processo: 20140310318936APC
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT
Ementa:
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE. ENTEADA CRIADA COMO FILHA DESDE 1 ANO E 8 MESES DE IDADE. PLEITO DE INCLUSÃO DO NOME DA MÃE SOCIOAFETIVA, DE SEUS ASCENDENTES E DE SEU PATRONÍMICO NO ASSENTO DE NASCIMENTO DA MENOR. POSSIBILIDADE. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA PROVADA. MANUTENÇÃO DA MATERNIDADE BIOLÓGICA. RESPEITO À MEMÓRIA DA MÃE BIOLÓGICA, FALECIDA MENOS DE 1 ANO APÓS O PARTO. SENTENÇA REFORMADA.
1 – A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º da Constituição/88, abarca não apenas a adoção em si considerada, como também parentescos de origens diversas, conforme sinalizado pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consaguinidade decorrente da ordem natural, de forma a contemplar a socioafetivadade surgida como elemento da ordem cultural.
2 – O Código Civil, em seu art. 1.593, reconhece a possibilidade de parentesco, e, por óbvio, de filiação, decorrente de outros critérios, resguardando a possibilidade de uma origem socioafetiva.
3 – Na hipótese, provada a maternidade socioafetiva, seu reconhecimento consiste apenas na materialização da realidade fática vivenciada pelas partes, de modo que, apesar de a legislação não dispor explicita e detalhadamente sobre tal situação, incumbe ao Poder Judiciário assegurar direitos decorrentes da peculiaridade de tais casos.
4 – À luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no artigo 100, inciso IV da Lei nº. 8.069/90, impõe-se o reconhecimento da maternidade socioafetiva e respectiva averbação do nome da apelante no assento de nascimento da infante para conferir-lhe o reconhecimento jurídico que já desfruta de filha da apelante, sem prejuízo da manutenção do nome da mãe biológica registral, até mesmo para fins de preservação da memória desta, que não teve culpa pelo rompimento do vínculo materno-filial, já que veio a falecer antes de a menor completar 1 ano de idade.
5 – Recurso conhecido e provido.
(Acórdão n.955534, 20140310318936APC, Relator: MARIA IVATÔNIA 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 20/07/2016, Publicado no DJE: 27/07/2016. Pág.: 300/308)