É válida concessão de drawback a empresa que participa de licitação internacional de organização privada

Data:

Drawback
Créditos: Nicola Forenza / iStock

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o regime aduaneiro de drawback pode ser concedido a empresa que participa de licitação internacional realizada por organização privada.

Para o colegiado da Primeira Turma do STJ, a definição de licitação internacional compatível com o drawback incidente no fornecimento de bens voltados para o mercado interno é a do artigo 3º da Lei 11.732/2008, afastando-se a regência da Lei 8.666/1993.

drawback, nas palavras da relatora do caso, ministra Regina Helena Costa, “constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do artigo 78 do Decreto-Lei 37/1966 – isenção, suspensão e restituição de tributos –, podendo ser definido como um incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global”.

Benefício anulado

A controvérsia que levou à decisão da Primeira Turma do STJ teve origem em processo administrativo instaurado por requisição do Ministério Público da União (MPU) no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – atualmente absorvido pelo Ministério da Economia –, que declarou a nulidade de ato concessório de drawback, em desfavor de consórcio privado.

No ato anulatório, a União Federal afirmou que a licitação internacional foi realizada por entidade não sujeita ao regime da Lei 8.666/1993, que não houve divulgação do certame no exterior e que o edital não se manifestou acerca do benefício fiscal, infringindo o disposto nos artigos 44, parágrafo 1º, 55, X, e 65 da Lei 8.666/1993. Houve recurso administrativo, e restou afastada a apontada carência de publicidade da contratação no exterior, porém o ato anulatório foi mantido com base nas outras questões.

Previsão em​​ edital

O consórcio ajuizou ação anulatória, e o juiz de primeiro grau deferiu medida de urgência para a suspensão do ato administrativo impugnado, a qual foi confirmada pela sentença. A decisão foi mantida em segundo grau, sob o fundamento de que, por se tratar de licitação realizada no âmbito privado e regida por edital elaborado pelo consórcio financiador do projeto, não seria necessária a previsão a respeito do regime aduaneiro diferenciado.

O tribunal entendeu também que o amplo conceito de “licitação internacional” previsto no artigo 3º da Lei 11.732/2008, por se tratar de norma expressamente interpretativa, deveria retroagir, nos termos do artigo 106, I, do Código Tributário Nacional (CTN).

Significado e abrangê​​​ncia

No recurso ao Superior Tribunal de Justiça, a União alegou que a expressão “licitação internacional” está ligada às licitações públicas realizadas sob a regência da Lei 8.666/1993, não englobando licitações feitas por empresas privadas, de forma que só os procedimentos licitatórios de entidades públicas fariam jus ao regime de drawback.

Alegou ainda que o significado e a abrangência do termo “licitação” devem ser interpretados de acordo com o direito vigente à época dos fatos, sendo a Lei 11.732/2008, posterior ao ajuizamento da ação em análise, inaplicável ao ato administrativo contestado.

Por derradeiro, asseverou estar equivocada a interpretação do tribunal de origem para a expressão “licitação internacional”, tendo em vista que resulta na impossibilidade de retroação de seus efeitos, prevista no artigo 106, inciso I, do CTN.

Finalidade do b​​enefício

Em seu voto, a relatora na Primeira Turma do STJ lembrou que a Lei 8.032/1990, que dispõe sobre a isenção e redução de impostos em importação, disciplinou a aplicação do regime aduaneiro especial especificamente para as operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno.

Regina Helena Costa ressaltou que, nos termos da Lei 11.732/2008, licitação internacional é aquela realizada tanto por pessoas jurídicas de direito público quanto por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.

Para a ministra, o legislador, ao conceituar o termo na Lei 11.732/2008, foi mais abrangente do que na Lei de Licitações, “encampando, além das licitações realizadas no âmbito da administração pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que, por conseguinte, prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em tela”.

“A definição de licitação internacional amoldável ao regime aduaneiro do drawback incidente no fornecimento de bens voltados ao mercado interno é aquela estampada no artigo 3º da Lei 11.732/2008, por expressa previsão legal, refutando-se a regência pela Lei 8.666/1993”, afirmou a relatora.

Pari​​dade

A magistrada destacou que adotar conclusão diversa afrontaria o artigo 173, parágrafo 2º, da Constituição, que prevê a paridade entre as empresas estatais e os agentes econômicos particulares. “Caso o regime fiscal especial do artigo 5º da Lei 8.032/1990 se limitasse ao âmbito das licitações públicas, estar-se-ia concedendo benefício exclusivo ao Estado enquanto agente econômico”, afirmou.

Quanto à aplicabilidade da lei no tempo, Regina Helena Costa explicou que o padrão do ordenamento pátrio é que as leis projetem seus efeitos para o futuro, excepcionados os casos previstos no artigo 106 do CTN, que em seu inciso I prevê a aplicação da lei a ato ou fato pretérito “em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”.

“O preceito constante do artigo 3º da Lei 11.732/2008 ostenta indiscutível caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e alcance de expressão constante de outra – artigo 5º da Lei 8.032/1990 –, sem impor nenhuma inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual, em que pese tenha entrado em vigor após o ajuizamento da ação anulatória em tela (15/02/2007), é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada.”

Por derradeiro, a relatora sublinhou que a aplicação retroativa da lei tributária, nas hipóteses do artigo 106 do CTN, ocorre de forma direta, sem necessidade de previsão nesse sentido.

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL E AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR IRRISÓRIO. LEI N. 8.032/1990. DRAWBACK EM OPERAÇÕES DE FORNECIMENTO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS AO MERCADO INTERNO. LICITAÇÕES INTERNACIONAIS. CONCEITO PARA EFEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL. LEI N. 11.732/2008. INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA NO TEMPO. LEI EXPRESSAMENTE INTERPRETATIVA. ART. 106, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. EXCEPCIONAL APLICAÇÃO RETROATIVA. ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.
I – A reavaliação do critério de apreciação equitativa adotada pelo tribunal de origem para a fixação da verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, ressalvadas apenas as hipóteses excepcionais de valor irrisório ou excessivo.
III – Consideradas as peculiaridades do caso concreto, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, irrisória a verba honorária fixada no acórdão recorrido. Restabelecimento do percentual definido na sentença.
IV – O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n. 37/1966 – isenção, suspensão e restituição de tributos, podendo ser conceituado como incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global.
V – A Lei n 8.032/1990 disciplinou a aplicação do regime de drawback-suspensão (art. 78, II, do Decreto-Lei n. 37/1966), especificamente às operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno. Por sua vez, a Lei n. 11.732/2008 revela o conceito de “licitação internacional” lançado no art. 5º da Lei n. 8.032/1990, subjetivamente mais abrangente do que aquele constante do art. 42 da Lei n. 8.666/1993, encampando, além das licitações realizadas no âmbito da Administração Pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que, por conseguinte, prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em comento. Inteligência do art. 173, § 2º, da Constituição da República.
VI – O padrão em nosso ordenamento jurídico é o de que as leis projetem seus efeitos para o futuro. Não obstante, o art. 106 do CTN estatui as excepcionais hipóteses nas quais a lei tributária aplica-se ao passado, dentre elas, quando a lei for expressamente interpretativa.
VII – O art. 3º da Lei n. 11.732/2008 ostenta caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e alcance de expressão constante de outra – art. 5º da Lei n. 8.032/1990, sem impor qualquer inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual, em que pese tenha entrado em vigor após o ajuizamento da ação anulatória em tela, é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada.
VIII – Agravo do contribuinte conhecido e provido seu recurso especial. Recurso Especial da União não provido.
(STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.715.820 – RJ (2017/0324376-0) RELATORA : MINISTRA REGINA HELENA COSTA RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL RECORRIDO : CONSÓRCIO LUMMUS ANDRÔMEDA AGRAVANTE : CONSÓRCIO LUMMUS ANDRÔMEDA ADVOGADOS : LEONARDO ALFRADIQUE MARTINS E OUTRO(S) – RJ098995 HORACIO VEIGA DE ALMEIDA NETO – RJ124159 GABRIELE MONTEIRO GALDINO – RJ163306 FELIPE SANTOS COSTA – RJ156380 ANA PAULA MAIA SOTO – RJ176268 AGRAVADO : FAZENDA NACIONAL. Data do Julgamento: 10/02/2020)
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