Atraso de voo e extravio de bagagem ocorreram durante as festas de final de ano.
A 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por unanimidade, confirmou decisão da 1ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara – São Paulo – SP, proferida pela juíza de direito Samira de Castro Lorena, e condenou a empresa aérea LATAM AIRLINES a indenizar a passageira Amanda Gabrielle Faria Pereira depois de transtornos causados por atraso de voo e extravio de bagagem durante festas de final de ano. A reparação a título de danos morais foi fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A consumidora comprou passagens aéreas de Uberlândia (MG) para Bruxelas (Bélgica), com conexões em Guarulhos e Frankfurt (Alemanha), em dezembro de 2021. O avião apresentou problemas no segundo trecho, realizando um pouso forçado no Aeroporto Internacional de Recife – PE.
Segundo os autos, os passageiros permaneceram dentro do avião por mais de 5 (cinco) horas, em condições precárias. Além do atraso, as bagagens da consumidora foram extraviadas temporariamente por 25 (vinte e cinco) dias e ela ficou sem seus pertences nas festas de fim de ano no país europeu.
Para o relator do recurso, desembargador Rodolfo Pellizari, ficaram caracterizados os elementos indispensáveis ao ato ilícito: fato lesivo voluntário ou imputável, ocorrência de dano e nexo de casualidade, o que justifica a indenização. “Houve atendimento destes três requisitos aptos a ensejarem condenação da empresa ré a indenizar a parte autora por danos morais, pois restou demonstrado o atraso alegado na viagem, além da falta de assistência material e todos os demais percalços ocorridos na conturbada viagem”, fundamentou o desembargador.
Completaram a turma julgadora os desembargadores Salles Vieira e Plinio Novaes de Andrade Júnior.
Recurso de Apelação nº 1010923-93.2022.8.26.0003 – Sentença – Acórdão
Com informações da Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) – RD
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EMENTA
(Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP; Apelação Cível 1010923-93.2022.8.26.0003; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/11/2022; Data de Registro: 23/11/2022)
Teor do ato – Sentença:
Vistos. AMANDA GABRIELLE FARIA PEREIRA ajuizou ação de indenização por danos morais contra TAM LINHAS AÉREAS S/A (LATAM AIRLINES BRASIL) alegando, em resumo, que adquiriu passagens aéreas da empresa ré, para se locomover da cidade de Uberlândia (BR) para a cidade deBrussels (BE), com conexão nas cidades de Guarulhos (BR) e Frankfurt (DE). Afirmou que a partida, do segundo trecho (Guarulhos Frankfurt Voo LA8070), estava prevista para as 23h30min do dia 02/12/2021, sendo que a chegada aBrusselsdeveria ocorrer às 19h25min do dia seguinte. Afirmou que realizou o voo do primeiro trecho e ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, notou que o voo estava atrasado, recebendo a informação que a aeronave passava por problemas técnicos, sendo que posteriormente descobriu que o voo partiria por volta das 3h da madrugada. Mencionou que por volta das 4h da madrugada, o piloto avisou no alto falante que a aeronave estava com problemas técnicos e que seria necessário fazer um pouso de emergência e que o local mais próximo era o aeroporto de Recife (BR), tendo sido jogado combustível fora enquanto manobrava. Narrou que o pouso ocorreu por volta das 05h25min do dia 03/12/2021. Relatou que a ré obrigou os passageiros a permanecerem dentro do avião por mais de 5h com o ar condicionado desligado, passando calor e fome. Aduziu que após o desembarque, enfrentou longa fila e foi encaminhada para hotel apenas às 15h, o qual era distante do aeroporto e não tinha vagas, retornando ao aeroporto sem descansar para embarcar no voo que partiu às 23h30min, o qual também atrasou. Discorreu sobre o descaso com o que os passageiros foram tratados, bem assim que chegou ao destino com aproximadamente 23 horas de atraso em relação ao horário originalmente previsto. Arguiu que suas bagagens lhe foram entregues apenas quando retornou ao Brasil, ressaltando que durante todo o período em que permaneceu em território Belga (25 dias), suas bagagens permaneceram extraviadas. Requereu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e afirmou que em razão dos fatos sofreu dano moral. Por tais fundamentos, postulou pela procedência do pedido, com condenação da ré ao pagamento de R$ 15.000,00 a título de indenização por danos morais. A inicial foi instruída com documentos (fls. 20/73). Regularmente citada (fls. 79), a ré apresentou contestação (fls. 80/99) sustentando, em apertada síntese, a inexistência de qualquer irregularidade em sua conduta. Discorreu sobre a legislação aplicável ao caso. Arguiu que a readequação do voo da autora decorreu da necessidade de manutenção, não programada, da aeronave. Teceu comentários acerca do procedimento adotado quando do extravio temporário das bagagens, ressaltando que não cometeu nenhum ato ilícito contra a autora. Afirmou que a autora não comprovou a ocorrência de danos materiais ou morais indenizáveis. Aduziu o não cabimento da inversão do ônus da prova. Pugnou pela improcedência dos pedidos. Juntou documentos (fls. 100/109). Houve réplica (fls. 113/132). É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Passo ao julgamento antecipado da lide, visto que a matéria posta a desate encerra questão eminentemente de direito, mostrando-se, de outro lado, desnecessária a produção de outras provas, considerando o conteúdo da documentação carreada aos autos (artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil). Quanto à responsabilidade civil decorrente de transporte aéreo internacional, conforme entendimento jurisprudencial consolidado pelo colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 636.331, tem-se que: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência emrelação ao Código de Defesa do Consumidor”. Em decorrência desse posicionamento, entende-se que: (I) as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporteinternacional; assim, em caso de transporte nacional, aplica-se apenas o Código de Defesa do Consumidor; (II) a limitação indenizatória prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal abrange apenas a reparação por danos materiais, não se aplicando para indenizações por danos morais, à falta de disciplina sobre danos morais nas convenções; (III) as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese deextraviodebagagem, mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreointernacional, como atraso e cancelamento devoo”. No caso em análise, tendo em vista que a autora pleiteia a condenação da ré em virtude dos danos morais suportados por alegada falha na prestação de serviços, não são aplicáveis as Convenções de Montreal e de Varsóvia. Feitas tais considerações, no caso em análise, o atraso do voo da autora (viagem de ida) em virtude da necessidade de manutenção não programada da aeronave inclui-se dentro do risco de atividade dacompanhiaaérea(fortuito interno), que deve suportá-lo. Neste norte, oportuna a lição de Sérgio Cavalieri Filho, que considera relevante a distinção entre o fortuito interno e o externo, no que respeita aos acidentes de consumo, observando: o fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível, e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada inexistência de defeito(art. 14, § 3.º, I) (Responsabilidade civil, Carlos Roberto Gonçalves, 9.ª ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 310-311). Nessa mesma linha de raciocínio, Cláudio Luiz Bueno de Godoy anuncia: insta não olvidar, porém, que o transporte envolve forçosamente uma atividade perigosa, que cria risco a que, destarte, inerentes alguns eventos de força maior ou caso fortuito. Ou seja, é preciso diferenciar o que se passou a denominar fortuito interno do fortuito externo, conforme o acontecimento se apresente, ou não, ligado à organização inerente à atividade do transportador vale dizer, ostente-se estranho, ou não, ao transporte. Por isso mesmo, vem-se considerando que eventos como o defeito mecânico ou o mal súbito do condutor não eximam o transportador da responsabilidade pelos danos causados no transporte (fortuitos internos). Ao revés, prejuízos ocasionados ao passageiro ou à bagagem por obra de enchente, terremotos, raios são, aí sim, fortuitos externos e, destarte, causa excludente, por efetivamente romperem o nexo de causalidade do dano com a atividade de transporte. O assalto, como regra, sempre se considerou um fortuito externo, o que se vem, todavia, revendo em casos com ocorrências repetidas, praticadas reiteradamente nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se poderia esperar fossem tomadas (Código Civil Comentado, Cezar Peluso [coord.], Barueri, SP : Manole, 2007, p. 598). Desta feita, a ré é responsável por eventuais danos sofridos pela passageira. E, no caso, infere-se que além do atraso do voo de ida, pouso de emergência da aeronave, problemas enfrentados na prestação de assistência material pela ré em Recife e considerável atraso na chegada ao destino, restou incontroverso o extravio temporário da bagagem da passageira, a qual apenas foi devolvida quando a autora já havia regressado ao Brasil. Destarte, no que tange ao extravio, evidente que houve inadimplemento contratual pela ré, ressaltando-se que o contrato de transporte traz ínsita a cláusula de incolumidade, porquanto ao transportador se impõe uma obrigação de resultado, qual seja, a de levar o passageiro e suas bagagens ao destino a salvo e incólumes. Nesse sentido, o caput do artigo 734 do Código Civil é por demais claro: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula cláusula excludente da responsabilidade”. Assim sendo, inegável que a conduta da ré frustrou as legítimas expectativas da autora de que o serviço de transporte aéreo fosse prestado de forma eficiente e tal como contratado, sendo evidente o stress, angústia e preocupação decorrentes de todos os problemas enfrentados durante o transporte aéreo por falhas da companhia aérea ré. Assim, levando-se em conta as repercussões dos fatos, a gravidade da conduta e as condições das partes, razoável a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00, quantia que tem a intenção de servir de reparação do ofendido, de desestimulo ao ofensor, sem desrespeitar a vedação legal ao enriquecimento sem causa. Diante do exposto e considerando o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para condenar a ré a pagar à autora, indenização por danomoralno valor de R$ 8.000,00, com correção monetária, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desde esta data e juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão dasucumbência, condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que arbitro em 10% do valor da condenação. Caso interposto recurso de apelação, intime-se para contrarrazões, remetendo-se, após, ao E. Tribunal de Justiça. P.R.I. Advogados(s): Fernando Rosenthal (OAB 146730/SP), Renan Mairena Serretiello (OAB 403791/SP)