Riscos da constelação familiar

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Em 2018, o Ministério da Saúde aprovou a inclusão da constelação familiar nas Práticas Integrativas Complementares oferecidas nos postos de saúde. A portaria nº 702 de 2018 afirma que a constelação familiar é indicada para todas as idades, classes sociais, sem vínculo religioso, podendo ser recomendada para qualquer pessoa doente.

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Em resposta a um pedido pela Lei de Acesso à Informação, o ministério informou que em 2022 foram realizadas mais de 11 mil sessões de constelação familiar pelo SUS em todo o Brasil e que não oferece cursos de formação, na prática, aos profissionais de saúde.

Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a técnica de Constelação Familiar é utilizada no Brasil desde 2012 para a mediação de conflitos envolvendo divórcio, guarda, alienação parental e pensão alimentícia. Atualmente, pelo menos 16 tribunais se valem do método nas audiências e processos. Em outubro, o CNJ deu início a um julgamento para restringir o uso de alternativas terapêuticas no judiciário, como a constelação.

Os defensores do método afirmam que a constelação familiar é uma prática terapêutica que resolve problemas ou traumas por meio da representação do sistema familiar.

No entanto, o uso dessa técnica no serviço público é contestado por conselhos de classe e acadêmicos, que alertam para os riscos de sofrimento psíquico dos participantes e pedem sua proibição.

Sociólogos e psicólogos alertam que se trata de um método pseudocientífico que ignora as ciências sociais e a psicologia, violando os direitos humanos. Eles argumentam que a prática reforça estereótipos sobre os papéis sociais do homem e da mulher, podendo desencadear ou agravar estados emocionais de sofrimento, ou desorganização psíquica.

Sessão para “recriar o problema”

A reportagem do Viva Bem do UOL, ouviu uma mulher que passou pelo método. Em 2016, Pamela (nome fictício) denunciou o ex-marido após flagrá-lo abusando do filho do casal, de apenas 2 anos. A denúncia gerou uma investigação criminal contra o homem, impedido de visitar o menino. Por isso, ele procurou a Vara da Família de São Paulo para pedir a guarda da criança e acusou a ex-mulher de alienação parental.

E meio ao impasse judicial sobre quem ficaria com o filho, Pamela foi notificada, no andamento do processo, a participar de uma sessão de constelação familiar. “Eu não sabia o que era aquilo, foi uma determinação judicial, ninguém me disse que eu podia não ir. O cara que conduzia disse que achava um desafio trabalhar com constelação de mães que acusam pais e abuso, que elas deveriam ser presas por deixar as crianças vulneráveis”.

Para tratar os conflitos apresentados pelos “constelados”, a abordagem usa outras pessoas ou bonecos, que representam os pacientes como numa espécie de teatro. A maneira como eles se comportam e se posicionam na sessão diante do problema que é recriado seria uma representação das emoções dos “constelados”, o mediador/constelador interpreta essa representação para chegar à solução do conflito.

Segundo Pâmela, o mediador disse “Você vai se ajoelhar na frente do pai do seu filho e vai pedir perdão por tudo o que você fez”. Ela conta que ela e o filho seriam representados por duas outras pessoas. O ex-marido faria o próprio papel. “Tinha uma mulher gritando e rolando no chão. O constelador disse que eu era assim como ela: louca”, relata. Ela diz que se recusou a se ajoelhar e pedir perdão ao homem depois da ordem do constelador. “Fui considerada rebelde, doente mental, um perigo para o meu filho”.

Mateus Santos, atua como contelador disse que essa não é a conduta correta para consteladores. “Isso não é ético”, afirma. Ele defende que a técnica é eficaz, mas que, no serviço público de saúde, a aplicação deve ser supervisionada para evitar os riscos. “Entrar na intimidade do ser humano no nível anímico exige a máxima postura de respeito. É um cuidado que se deve ter com as vítimas”.

Sobre a técnica ele diz não ter instrumentos para explicar de forma científica, “mas não quer dizer que não seja real”, explica,

Na sentença do caso de Pamela, a juíza a mandou afastar-se do filho, com tratamento psiquiátrico. “Não o vejo há 8 anos”, diz a mãe. A juíza não afirma categoricamente que se baseou apenas na dinâmica da constelação familiar para tomar a decisão, mas menciona que não houve conciliação, além de levar em conta um laudo psiquiátrico e o relato do pai de que não se entendia com Pamela, que seria alienadora.

O método

O método da constelação familiar foi desenvolvido pelo missionário católico alemão Bert Hellinger em 1978, combinando referências de psicologia, sua experiência na África do Sul e leituras taoístas. Hellinger propõe que os conflitos nas relações têm origens ancestrais e podem se manifestar ao longo de várias gerações.

Ele estabeleceu as três ordens do amor como base da estrutura familiar: o direito ao pertencimento à família, a hierarquia e o equilíbrio entre dar e receber. No entanto, seus ensinamentos incluem posições polêmicas, como sugerir que crianças vítimas de incesto pelo pai devem compreender e até aceitar o contato sexual.

Hellinger é frequentemente chamado de “psicoguru” pela imprensa alemã, mas suas ideias têm sido alvo de críticas. As maiores associações de terapia sistêmica na Alemanha, DGSF e SG, criticaram seus métodos, considerando-os eticamente inaceitáveis e perigosos. Em 2003, a DGSF expressou preocupações sobre a prática real da constelação familiar.

Na Alemanha, Hellinger é uma figura extremamente polêmica, sendo acusado de relativizar o nazismo. Ele é lembrado por um controverso poema dedicado a Adolf Hitler, no qual pede ao leitor que se identifique com o líder nazista. Hellinger também já morou no local onde ficava o segundo escritório de Hitler, em Berchtesgaden, no sul da Alemanha.

Críticas

O sociólogo Mateus França, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que estuda a implementação da constelação familiar no serviço público, alerta que o uso do método leva a uma violação de direitos humanos, na medida em que molda decisões judiciais e tratamentos alternativos sob uma perspectiva conservadora que reforça papéis de gênero e vai de encontro a avanços no direito de família.

“Ignora as ciências sociais e reproduz violência de gênero ao partir do pressuposto de que pessoas violentas não podem ser excluídas do sistema familiar. Outro exemplo é que se cria um estereótipo de família: se acontece uma adoção por casais homoafetivos, um tem que assumir o papel masculino, e o outro, o feminino. É um retrocesso no direito de família”, afirma.

Outro conceito aproveitado por Hellinger é o de campo morfogenético. Elaborado pelo biólogo Rupert Sheldrake, esse campo diz respeito a uma memória coletiva que seria captada pelos indivíduos de uma espécie. Seria assim que representantes teriam acesso às sensações dos constelados.

O professor de física Marcelo Takeshi, da Universidade Estadual de São Paulo, diz que a argumentação é uma estratégia para justificar as interpretações oferecidas na constelação e os conflitos entre as partes, mas que campos morfogenéticos nunca foram provados.

“Isso se fantasia de ciência e não tem respaldo nenhum na física, nem respaldo em experimentos científicos, é algo inventado, nunca teve nenhum indício de comprovação dessa hipótese’.

Esse cenário de disseminação da constelação familiar no serviço público motivou uma nota conjunta do Conselho Federal de Psicologia e acadêmicos. No documento enviado ao Ministério dos Direitos Humanos, o grupo afirma que a prática “pode desencadear ou agravar estados emocionais de sofrimento ou de desorganização psíquica, exigindo assim um acompanhamento profissional psicológico que não é oferecido durante as sessões”.

O ministério pediu ao Conselho Nacional de Direitos Humanos que avalie o uso da prática. O colegiado ainda analisa o caso.

Com informações do UOL.


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Ricardo Krusty
Ricardo Krusty
Comunicador social com formação em jornalismo e radialismo, pós-graduado em cinema pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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