Em 2016 foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o que equivale a uma média de cinco assassinatos por mês. Destes, 13 foram de indígenas, 4 de quilombolas, 6 de mulheres, 16 de jovens com idade entre 15 e 29 anos, sendo 1 adolescente. Nos últimos 25 anos, o número de assassinatos só foi maior em 2003, quando foram registrados 73 casos.
Esses e outros dados compõem o Relatório de Conflitos no Campo Brasil 2016, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e foram apresentados nesta última quarta-feira (14) durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
“As nossas disputas no campo não são só históricas, mas elas são marcadas por um quadro muito pouco alterado”, afirmou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, ao relembrar processos de dominação e violência de classes hegemônicas em detrimento de segmentos populacionais vulneráveis.
A procuradora também criticou medidas em tramitação no Congresso Nacional que afrontam direitos constitucionais já garantidos e colocam em risco as parcelas da população que mais carecem de proteção do Estado. Nesse sentido, Deborah Duprat destacou a PEC 95/2016, que limita os investimentos públicos em políticas sociais nos próximos 20 anos; a Medida Provisória 759/2016, que modifica diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no país, transferindo grande parte de terras públicas para o domínio privado; e as reformas Trabalhista e da Previdência, que fragilizam as relações de trabalho e ampliam o tempo de contribuição.
A procuradora também criticou a reticência do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em divulgar a lista suja do trabalho escravo, formada por empregadores flagrados submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão, em clara tentativa de invisibilizar o problema e beneficiar os interesses das classes dominantes.
O relatório da Comissão Pastoral da Terra revelou, ainda, o aumento da bancada ruralista no Congresso brasileiro, fator que ajuda a compreender os motivos pelos quais apesar de toda a reivindicação dos movimento sociais tais reformas têm avançado com relativa facilidade. “É óbvio que isso tudo fica muito agravado com esse crescimento da bancada ruralista, que consegue paralisar a reforma agrária, a demarcação de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação”, afirmou a procuradora.
Cleber Cézar Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), corrobora o argumento. Para ele, quando o governo paralisa a demarcação de terra indígena, o processo de reforma agrária e de titulação de terra quilombola, reverte procedimentos que já tinham avançado administrativamente ou muda a estrutura do estado brasileiro para favorecer os interesses antagônicos a essas populações, está agindo em favor dos setores que agridem os povos e as populações do campo.
O advogado e representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Edemir Batista, chamou a atenção para as evidências de tortura relacionadas às mortes registradas. Em 2016 e 2017, comentou o advogado, “a gente viu muito esse lado do assassinato usando a tortura, como se isso fosse algum tipo de exemplo. Esse discurso de ódio reflete lá no interior, no campo, justamente como se agora fosse possível fazer tudo, inclusive cometer assassinato”.
Citando a recente chacina no Pará, Edemir afirmou que o grande número empresas privadas que fazem a segurança das fazendas demonstram que “esses lugares no Brasil eram verdadeiros barris de pólvora prontos para explodir. Se não tomarmos rapidamente uma definição de intervir nisso, pode ter certeza de que, infelizmente, nós vamos continuar aumentando as estatísticas de assassinato, de tortura e de perseguidos no campo. O campo brasileiro precisa de socorro”, disse o representante do MST.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) explicou que o aumento da violência no campo não é alheio ao aumento da violência em geral. De acordo com o Mapa da Violência 2016, o Brasil está entre os 10 países que mais mata jovens no mundo, sendo a maior parte negros e pobres, das periferias das grandes cidades. “Isso não é uma determinação divina, não é um acaso. Isso é algo que tem a ver com a estrutura da escravidão, da injustiça social, da negação do direito à vida dos povos originários. Quando você tem, ocupando o aparelho de Estado, aqueles que vocalizam o seu ódio a esses segmentos, de uma maneira em geral, aí a situação se agrava”, afirmou o deputado.
“Infelizmente, estamos diante de um cenário que nos permite antever que essa violência no campo não atingiu o seu patamar máximo”, finalizou a procuradora Deborah Duprat.
Com informações da procuradora federal dos Direitos do Cidadão
Fonte: Justificando