Legislativo x Judiciário: ainda sobre o imbróglio da vaquejada

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Legislativo x Judiciário: ainda sobre o imbróglio da vaquejada | Juristas
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Vislumbra-se mais um desenvolvimento sobre a questão da vaquejada: o Senado Federal aprovou, em 1 de novembro de 2016, Projeto de Lei da Câmara n. 24/2016, que torna a vaquejada e o rodeio manifestação cultural nacional e patrimônio cultural imaterial.

A proposta foi aprovada na manhã do dia 1 de novembro na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), e enviada para votação de urgência pelo Plenário à tarde. Véspera de feriado, o texto foi aprovado pelo Senado em votação simbólica.

A matéria já havia sido objeto de análise e aprovação da Câmara dos Deputados e agora segue para sanção (ou veto) do Presidente da República, Michel Temer.

Além da vaquejada e do rodeio, o Projeto de Lei n. 24/2016 estabelece como patrimônio cultural imaterial do Brasil também outras atividades, como as montarias, provas de laço, e apartação; bulldogging; provas de rédeas; provas dos Três Tambores, Team Penning e Work Penning, paleteadas, e demais provas típicas, tais como Queima do Alho e concurso do berrante, bem como apresentações folclóricas e de músicas de raiz.

De autoria do deputado Capitão Augusto (PR-SP), o PLC n. 24/2016 foi relatado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), favorável à matéria. Além do relator, defenderam e apoiaram a aprovação da proposta os senadores José Agripino (DEM-RN), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Sérgio Petecão (PSD-AC), Raimundo Lira (PMDB-PB), Hélio José (PMDB-DF), Armando Monteiro (PTB-PE), Magno Malta (PR-ES), Lídice da Mata (PSB-BA), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Deca (PSDB-PB), Edison Lobão (PMDB-MA), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), e outros. Os parlamentares destacaram o perfil de tradição secular e a importância das vaquejadas como atividade cultural e econômica.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) sugeriu que a votação fosse adiada para que houvesse uma discussão mais aprofundada, mas não obteve sucesso. Para Gleisi, os senadores estão indo contra decisão do Supremo Tribunal Federal que considera a vaquejada inconstitucional por envolver maus tratos a animais e votou contra o Projeto, sendo acompanhada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Reguffe (sem partido-DF), Humberto Costa (PT-PE), dentre outros.

Em 6 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4983, ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra a Lei nº 15.299/2013, que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural no Estado do Ceará. Por 6 votos a 5, os Ministros consideraram que a vaquejada impõe sofrimento aos animais e, portanto, fere princípios constitucionais.

Ao contrário da farra do boi e das rinhas de galo, a vaquejada faz parte da tradição nordestina e, igualmente, da identificação cultural de parte da população daquela região. Não se questiona a importância cultural da vaquejada, como já tivemos a oportunidade de manifestar.

A futura sanção do Projeto de Lei n. 24/2016 não terá nenhum efeito sobre a decisão do STF de proibir a atividade. O Projeto de Lei não regulamenta a atividade da vaquejada, apenas a transforma em patrimônio imaterial do povo brasileiro. Ou seja, uma atividade que foi proibida e declarada inconstitucional pela Suprema Corte brasileira está em vias de ser transformada em patrimônio cultural, um episódio no mínimo curioso.

A Constituição Federal estabelece no artigo 2o que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

A par desta (des)harmonização entre os poderes, há uma sobreposição entre eles, num fenômeno de difícil compreensão. De fato, é penoso explicar o porquê de se regulamentar algo que o Supremo Tribunal Federal já decidiu.

O Legislativo age com atraso. São frequentes as vezes em que o Judiciário decide questões controversas e importantes para a sociedade, dada a omissão legislativa.

O funcionamento pode ser resumido da seguinte maneira: Legislativo omisso, Judiciário decide. Se a decisão atende às pretensões, conforma-se. Caso contrário, Legislativo age, ‘corrigindo’ a atuação errônea do Judiciário que, curiosamente, só interveio devido à inércia dos nossos representantes.

O objetivo do Projeto de Lei n. 24/2016 é preparar o Congresso Nacional para uma futura aprovação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que libera a vaquejada e o rodeio como modalidades esportivas, apresentada na Câmara na semana passada. Aí, certamente, será um xeque-mate do Legislativo no Judiciário: alteramos a Constituição, alterem sua interpretação!

Helena Telino Neves
Helena Telino Neves
Advogada. Bióloga. Professora Universitária. Investigadora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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