Um ano da nova Lei de Franquias: está garantida mais transparência na retomada dos negócios

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Lei de Franquia - Franchising
Créditos: ipopba / iStock

No dia 26 de março, fará um ano que a nova Lei de Franquias entrou em vigor. Em linhas gerais, podemos afirmar que ela trouxe mais transparência ao sistema. Beneficiou o interessado em se tornar franqueado de determinada rede – uma vez que terá mais informações para fortalecer sua decisão de seguir ou não com a aquisição da franquia – e também o franqueador, que terá em sua rede franqueados mais conscientes sobre sua decisão.

Uma das mudanças mais significativas foi a exigência de que mais informações fossem incluídas na Circular de Oferta de Franquia (COF), um documento por meio do qual a franqueadora compartilha informações comerciais, jurídicas e financeiras do negócio para interessados em adquirir uma franquia. São elas:

– ampliou a relação dos franqueados desligados que devem constar da COF: antes, bastava informar os desligados nos últimos 12 meses. Agora, é preciso informar os desligados nos últimos 24 meses;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há e quais são as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há incorporação de inovações tecnológicas às franquias;

– incluiu a obrigação de esclarecer sobre cultivares;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há indicação da existência ou não de regras de transferência ou sucessão e, caso positivo, quais são elas;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há indicação das situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e dos respectivos valores estabelecidos no contrato de franquia;

– incluiu a obrigação de informar sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador ou a terceiros por este designados e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há indicação de existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes;

– incluiu a obrigação de esclarecer se há indicação das regras de limitação à concorrência entre o franqueador e os franqueados e entre os franqueados durante a vigência do contrato de franquia, além do detalhamento da abrangência territorial, do prazo de vigência da restrição e das penalidades em caso de descumprimento;

– incluiu a obrigação de esclarecer o prazo contratual e as condições de renovação, se houver;

– incluiu a obrigação de esclarecer o local, dia e hora para recebimento da documentação proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, quando se tratar de órgão ou entidade pública.

A Circular de Oferta de Franquia que já era um documento muito importante, desde a publicação da primeira lei de franquia, já que garante maior transparência sobre o negócio ao candidato que pretende adquirir a franquia, passou a ser tratada ainda de forma mais cuidadosa pela nova lei, já que outras informações, ainda que constantes do contrato, devem aparecer explicitamente na COF.

O prazo para a entrega da COF foi mantido, de forma que o candidato tem pelo menos 10 (dez) dias contados do seu recebimento, para assinatura do contrato ou pagamento de valores.

O franqueador que não promoveu estas mudanças na COF segue correndo riscos: o franqueado poderá exigir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e pedir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente

Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e inexistência de relação de emprego

A Lei também esclareceu outros pontos importantes. Um deles é que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações de franquia, uma vez que se trata de um contrato firmado entre empresários independentes e em igualdade de condições.

A relação de franquia jamais foi entendida como uma relação de consumo, mesmo assim, alguns franqueados tentavam se aproveitar de alguns artigos do CDC, sendo a matéria esclarecida e pacificada com a introdução do seguinte trecho: “(…) sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento

Nesta mesma linha, como visto do trecho acrescentado, esclarece que não há vínculo empregatício da franqueadora com o franqueado ou seus funcionários, ainda que em período de treinamento.

Importante destacar que é da essência das franquias que a Franqueadora forneça treinamento (ainda que remoto) para os franqueados, o qual pode ser estendido para os seus funcionários. Esse treinamento visa garantir a padronização dos estabelecimentos, sendo importante o esclarecimento introduzido pela nova lei.

Esclarecimentos sobre locação

No que tange a pontos comerciais, a nova lei de franquias autorizou expressamente a franqueadora pode a sublocar espaços para franqueados por um valor superior ao que paga para o proprietário do imóvel – com legitimidade também para propor ação renovatória.

Além disso, a  nova lei expressamente autorizou que nos casos de sublocação, tanto o franqueador, como o franqueado, tenham legitimidade para propor a renovação do contrato de locação. Vide o artigo incluído:

“Art. 3º  Nos casos em que o franqueador subloque ao franqueado o ponto comercial onde se acha instalada a franquia, qualquer uma das partes terá legitimidade para propor a renovação do contrato de locação do imóvel, vedada a exclusão de qualquer uma delas do contrato de locação e de sublocação por ocasião da sua renovação ou prorrogação, salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos ou do contrato de franquia.

Parágrafo único. O valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador, nas sublocações de que trata o caput, poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial, desde que:

I – essa possibilidade esteja expressa e clara na Circular de Oferta de Franquia e no contrato; e

II – o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia.”

Arbitragem

Também é importante citar a possibilidade, prevista na lei, de utilizar a arbitragem para dirimir conflitos. Conforme ensina a Lei de Arbitragem (nº 9.307/96), trata-se de um método de solução de conflitos por meio do qual os litigantes, desde que capazes e desde que se discuta sobre um direito disponível, buscam solucionar suas pendências a partir de uma solução imposta por um terceiro – cabendo aos litigantes respeitar o resultado obtido. Quando se trata de um contrato de franquia, em geral, as questões versam sobre direitos disponíveis.

Para o sistema de franchising, a eleição do juízo arbitral para a solução de controvérsias relativas ao contrato de franquia é bem-vinda, uma vez que pode tornar ainda mais célere a solução de um conflito. E a grande diferença está no volume de trabalho, afinal, um juiz acaba lidando com milhares de processos ao mesmo tempo – ao passo que o árbitro atua em poucos casos ao mesmo tempo. Assim, o árbitro pode ter uma dedicação maior na análise de todo o caso e provas em geral, principalmente os documentos do caso.

Outra questão que resulta em agilidade nos processos é que, na arbitragem, não existe a possibilidade recursos. A sentença arbitral é definitiva, e não existe a possibilidade de outros recursos a serem interpostos a cada decisão que é emitida.  E mais: traz a possibilidade de ter uma ação julgada por árbitros com conhecimentos específicos sobre franchising, uma vez que eles acabam se envolvendo em diversas ações envolvendo franqueados e franqueadoras, e assim, muitas vezes acabam conhecendo não apenas a lei, mas como funciona uma operação comercial. Também são pessoas que atuam e conhecem bem os contratos de franquia e a lei de franquia.

A arbitragem pode não ser recomendada para ações de valores mais baixos, já que os custos, normalmente, são um pouco superiores aos valores da ação judicial. Nos demais casos, em se tratando de direito disponível, como no caso de discussões a respeito do contrato de franquia e suas cláusulas, a arbitragem é recomendável.

Antes de iniciar um processo de arbitragem, é importante analisar se a demanda é plausível ou não. Também é importante analisar qual foi o foro eleito no contrato de franquia, evitando-se demandas que não levarão a nada – a não ser perda de tempo, além de custos e honorários desnecessários para a parte que tiver escolhido o foro inadequado.

Vale reforçar que, para fazer o uso da arbitragem na solução de eventuais conflitos, é preciso incluir uma cláusula arbitral no contrato de franquia, sendo recomendável o uso de termo de cláusula compromissória anexa ao contrato de franquia.

É importante, porém, que esta cláusula seja “cheia”, ou seja, que contenha todas as regras relativas à arbitragem. Caso contrário, se ela for “vazia”, ou ainda se não houver a anuência expressa do franqueado quanto à cláusula, ela poderá ser questionada judicialmente – e as partes apenas poderão saber qual o foro competente diante de decisões judiciais, que atrasarão ainda mais o processo.

A cláusula arbitral deve constar na minuta do contrato, documento que compõe a Circular de Oferta de Franquias, a COF. Este esclarecimento prévio é válido para que não reste qualquer dúvida entre as partes antes de firmar o contrato.

Contratos internacionais

A nova lei de franquia esclareceu, ainda, pontos sobre os contratos de franquia, principalmente em se tratando de contratos internacionais. Segundo a lei:

“Art. 7º  Os contratos de franquia obedecerão às seguintes condições:

I – os que produzirem efeitos exclusivamente no território nacional serão escritos em língua portuguesa e regidos pela legislação brasileira;

II – os contratos de franquia internacional serão escritos originalmente em língua portuguesa ou terão tradução certificada para a língua portuguesa custeada pelo franqueador, e os contratantes poderão optar, no contrato, pelo foro de um de seus países de domicílio.

1º  As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia.

2º  Para os fins desta Lei, entende-se como contrato internacional de franquia aquele que, pelos atos concernentes à sua conclusão ou execução, à situação das partes quanto a nacionalidade ou domicílio, ou à localização de seu objeto, tem liames com mais de um sistema jurídico.

3º  Caso expresso o foro de opção no contrato internacional de franquia, as partes deverão constituir e manter representante legal ou procurador devidamente qualificado e domiciliado no país do foro definido, com poderes para representá-las administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.”

Assim, ainda que se trata de contrato de franquia internacional, exige-se que sejam escritos originalmente em língua portuguesa ou terão tradução certificada para a língua portuguesa custeada pelo franqueador, e ainda, deverão as partes manter procurador ou representante legal devidamente qualificado e domiciliado no país do foro definido, com poderes para representa-las administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.

Por fim, analisando este primeiro ano, afirmo com base em minha experiência atuando junto a franqueadoras que elas receberam bem a nova lei e suas exigências, afinal, perceberam que o objetivo central da lei é trazer ainda mais transparência à relação, principalmente no momento do processo de seleção, quando do recebimento da COF pelo candidato. Entendem que o custo de ter um franqueado insatisfeito é muito alto, assim como o todo o processo para sua eventual saída, e que é sempre melhor que tudo esteja bem às claras antes de formalizar o contrato de franquia.

Em função da pandemia, a expansão de muitas redes desacelerou e mudou o foco das franqueadoras – que agora precisam olhar mais dentro, se reinventar e deixar tudo mais tecnológico e remoto, de forma a continuar todo o apoio à rede de franqueados já existente, além de intensificar o apoio à rede franqueada. Mas algo é inquestionável: o franchising brasileiro é forte, consolidado e, certamente, quando o contexto for mais favorável, retomará seu crescimento em unidades e faturamento.

Marina Nascimbem Bechtejew Richter
Marina Nascimbem Bechtejew Richter
Advogada, sócia fundadora do escritório NB Advogados. É especialista em Direito Societário, Contratos e Contencioso Cível. A advogada tem especialização em Direito Societário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e também em Direito dos Contratos pelo LL. M IBMEC/INSPER-SP. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, de São Paulo; da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP); e da Associação Brasileira de Franchising (ABF), bem como é autora do livro “A Relação de Franquia no Mundo Empresarial e as Tendências da Jurisprudência Brasileira”.

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