Os desdobramentos da corrosão da liberdade de informação durante a operação lava-jato

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Desempenha a atividade de Magistério na cadeira de Direito Penal em cursos de pós-graduação em diferentes instituições de ensino. Professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Professor do Curso CERS (Recife/PE). Mestre em Direito Penal e Doutor em Direito Penal. Coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. Membro da Comissão Estadual de Proteção e Direito dos Animais da OAB/PR. Membro da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB/PR. Membro da Comissão Estadual de Advocacia Criminal da OAB/PR. Conselheiro Municipal de Direitos Humanos de Curitiba. Autor de vários livros e artigos científicos.
Mestre em Direito Penal e Doutor em Direito Penal. Desempenha a atividade de Magistério na cadeira de Direito Penal em cursos de pós-graduação em diferentes instituições de ensino.

A cada semana, novas revelações sobre os métodos utilizados na operação lava-jato, vão deixando escancarado o pior da cultura punitivista e das construções baseadas no afastamento das barreiras dogmáticas do Direito Penal.

Desde integrante do Ministério Público Federal afirmando que determinado réu tinha que “mijar sangue”, passando por combinação entre acusador e juiz, afora a tão sabida fábrica de delações premiadas com suas rentáveis estruturações, agora se ingressa na manipulação dos meios de comunicação.

Informações recém reveladas, obtidas na operação spoofing, tornam evidente que a lava-jato, durante sua atuação, pautou grande parte dos meios de comunicação, selecionando as informações que deveriam ser divulgadas e a forma como deveriam ser tratadas.

De um lado, a prática do release em detrimento do jornalismo investigativo, pela qual a informação pronta e parcial é transmitida como verdade, foi constante nos maiores meios de comunicação e por outro, agora fica evidente que as notas publicadas por Organizações Não Governamentais, teoricamente comprometidas com o combate à corrupção, não passavam de engodo, ou seja, de uma construção a quatro mãos entre ONG e Lava-jato.

Essas denúncias têm sido recebidas na sociedade brasileira com certa neutralidade, mas, na verdade, são gravíssimas, pois, deixam manifesto como, a partir do preconceito de parte da população brasileira com a classe política, em especial de esquerda, foi possível fazer ruir rapidamente diferentes estruturas civilizatórias.

A questão é singela, o poder punitivo sempre tende ao descontrole, visto que as pessoas a exercê-lo, desejam sua ampliação, pois, o seu exercício confere a sensação de ser especial, diferente, acima do bem e do mal, com o domínio sobre outros seres humanos, o que dentro da história humana tem sido um traço importante, o qual analisei detalhadamente no livro “O que é a Impunidade”, concluindo pela sua relevância na própria busca humana da sensação de superioridade e domínio para, psicologicamente, enganar a certeza da mortalidade.

Por essa tendência ao descontrole, verificada, de forma contundente, em alguns momentos, como na experiência nazi-fascista europeia, é estruturado o conceito de Direito Penal científico, com conteúdos dogmáticos imponíveis a todos e não possíveis de afastamento, sequer pela legislação, mesmo que constitucional.

A compreensão dessa ideia é essencial como salvaguarda do Estado Democrático e da efetiva dignidade humana, pois, as barreiras dogmáticas de Direito Penal, justamente, têm o escopo de frear o poder punitivo, impedindo, nos momentos nos quais o discurso punitivista produz a irracionalidade social, seja autorizada a intervenção excessiva sobre as pessoas, bem como, haja corrosão das instituições e rebaixamento civilizatório.

No livro “Contra Lava Jato”, publicado ainda em 2018, já analisava como as bases estruturantes de referida operação nada apresentavam de inovadoras, sendo repetições das técnicas utilizadas desde tempos remotos para corroer as estruturas, ainda que mínimas, de proteção das pessoas contra o poder punitivo.

O caminho é o da geração discursiva de um mal com força descomunal, ampliando continuamente a retórica de sua presença, poder e necessidade de combate, para, então, apresentar o poder punitivo como solução e, claro, como o mal tem poderes descomunais, os poderes de quem exerce o poder punitivo também o deve ser amplificado ao máximo, sob pena de sua fragilidade tornar impossível combater o mal.

Após a Segunda Guerra Mundial, a compreensão dessa estratégia de incremento do poder punitivo, fez o Direito Penal assumir papel significativo na preservação da democracia, com sua estruturação científica, superando o direito positivo, especificamente em relação às barreiras dogmáticas de proteção das pessoas.

Na lava-jato, a questão real nunca foi a corrupção, pois, sabidamente, este grave problema social depende de enfrentamento por diferentes estratégias, inclusive as não punitivas, como as educacionais, a partir do profundo aprendizado e desenvolvimento dos valores éticos. De qualquer sorte, a corrupção serviu ao papel de mal a ser combatido, permitindo gerar comoção social, assemelhada ao pânico com as bruxas durante a Idade Média.

A maximização contínua do discurso de luta do bem contra o mal foi permitindo invadir as diferentes instituições civilizatórias do País. Houve claro emparedamento das instâncias judiciais recursais. Silenciamento do discurso crítico pela perseguição direta a quem o fizesse, inclusive nos meios acadêmicos. E, agora se sabe sem dúvidas o que sempre foi objeto de suspeitas, pelo controle da divulgação da informação.

A demonstração contundente de diálogos da lava-jato, combinando notas públicas com ONGs e construindo releases a pautar os grandes meios de comunicação não pode ser normalizada, pois, diante de atuação corrosiva de instituições fundamentais para que a própria civilidade exista e seja garantida a pluralidade de opiniões e o debate livre, essenciais para a democracia.

A propósito, ações dessa natureza, de controle dos meios de comunicação, foram essenciais à assunção do Estado Alemão pelos nazistas e , em sociedades contemporâneas, conscientes do mal que podem produzir, não podem ser aceitas ou tratadas como menores.

Com efeito, a experiência lava-jato deixou patente certa facilidade em produzir a irracionalidade social no Brasil e, a partir dela, destroçar as instituições garantidoras da democracia e do avanço civilizatório.

As verificações anteriores conduzem à reflexão da necessidade da retomada de algumas questões relevantes para a preservação do Estado Democrático no Brasil e proteção das pessoas contra o abuso no exercício do poder.

Primeiro e evidente, não há tempo a esperar para a retomada, com profundidade, da cientificidade do Direito Penal, com o total repensar do modelo atualmente existente nas faculdades de direito, pelo qual a maior parte prioriza a preparação para o exame da OAB e provas de concurso, em simples repetição conceitual, renegando a formação efetiva ao esquecimento.

Quando, um profissional do direito, em uma defesa perante a Corte Máxima, confunde Maquiavel com Saint-Exupéry, deixando evidente que não leu nem um nem outro, o problema não é ele, pois, o que se vê é a manifestação de uma patologia, a do destroçamento da formação nas faculdades de direito, onde as pessoas não leem, não debatem, não pensam ciência, apenas, decoram conceitos, nomes e frases.

O Direito Penal talvez seja uma das principais vítimas desse ensino universitário puramente informativo, pois, a sua essencialidade se perde, a qual está em sua função de contenção do poder punitivo e, portanto, na sua estruturação científica proclamatória de barreiras dogmáticas.

Nessa toada, há relevância em que Juízes e Tribunais superem a lógica punitivista implantada nos últimos anos e passem a analisar de forma acurada, nos casos concretos, se todas as barreiras dogmáticas que permitem franquear o exercício da parte menos irracional do poder punitivo, foram atendidas, não admitindo em hipótese alguma, desrespeitos a elas ou ao devido processo legal, suplantando em definitivo as construções que destroçam todo o sistema de garantias, em nome de uma simples proclamação retórica de razoabilidade.

Além disso, há de se pensar os meios de comunicação, todos eles, desde a grande mídia até as redes sociais, pois, nada difere as fake news destas, da notícia parcial gerada por simples replicar de releases ou de notas sob encomenda, daquela.

Em hipótese alguma qualquer mecanismo de censura pode ser aceito, mas, para que a liberdade seja plena, é fundamental o enfrentamento dos monopólios nos meios de comunicação, da manipulação de informação e construção parcial de notícias. A não censura se coaduna perfeitamente com a existência de legislação que impeça a formação de monopólios nos meios de comunicação, incentive o jornalismo investigativo e estruture valores éticos essenciais na divulgação de fatos.

A fixação de responsabilidade nas redes sociais também se coaduna com a inexistência de censura, quando são combatidos o discurso do ódio, a sua utilização para o cometimento de crimes ou a divulgação de informações sabidamente falsas.

Os diferentes povos, quando se conscientizarem de haver cometido atrocidades, valeram-se da experiência para corrigir erros e reconstruir-se, com o objetivo de criar mecanismos para impedir no futuro a repetição dos mesmos erros.

Superada a “cruzada lava-jato” restou a contundência de vários danos à estrutura democrática e a consciência disso somente pode conduzir ao reconstruir, com finalidade de criar mecanismos impeditivos de que ocorrido possa ser repetido.


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Adel El Tasse
Adel El Tasse
Desempenha a atividade de Magistério na cadeira de Direito Penal em cursos de pós-graduação em diferentes instituições de ensino. Professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Professor do Curso CERS (Recife/PE). Mestre em Direito Penal e Doutor em Direito Penal. Coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais. Membro da Comissão Estadual de Proteção e Direito dos Animais da OAB/PR. Membro da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB/PR. Membro da Comissão Estadual de Advocacia Criminal da OAB/PR. Conselheiro Municipal de Direitos Humanos de Curitiba. Autor de vários livros e artigos científicos.

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