O estudante Diógenes Dantas, do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, publicou ontem, dia 28/06, em seu perfil na rede social Facebook, um relato emocionante e dolorido a respeito do Professor de Direito Alírio Batista, que leciona a disciplina de Medicina Legal.
No referido relato, Diógenes conta que, no tratamento da matéria de Sexologia Forense, o docente referiu-se ao “homossexualismo” como um comportamento humano integrante da categoria perversão sexual, que trata de práticas que escapam aos padrões normalizantes e moralizantes da sociedade, mesmo o termo correto sendo homossexualidade, já que esta não mais é encarada como patologia há algumas décadas pela própria Organização Mundial da Saúde – OMS.
O professor, ainda, teria dito que homossexuais seriam uma “aberração” fruto de mera “safadeza”, o que causou bastante incômodo e revolta por parte de toda a turma, agredindo especial e violentamente estudantes que se reconhecem como pertencentes à sigla LGBT, que comporta sujeitos e sujeitas lésbicas, gays, bissexuais e travestis e transexuais.
Diógenes diz que tentou intervir, mas que o professor Alírio haveria o silenciado e impedido a possibilidade de uma discussão dialógica ocorrer, e que o Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) supostamente não pareceu dar a devida importância às denúncias surgidas no âmbito administrativo.
A repercussão da publicação
Até então, o post conta com quase 500 (quinhentas) curtidas na mencionada rede social, bem como com mais de 100 (cem) compartilhamentos e comentários de apoio ao estudante, inclusive contendo um outro relato de uma estudante que aponta uma também postura machista em sala de aula por parte do professor.
Há igualmente um outro comentário que chamou a atenção, o do professor de Direito da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, José Baptista de Mello Neto, que é também integrante da Associação Nacional de Juristas pela Cidadania LGBTI, dizendo o seguinte:
“Asseguro que na próxima semana estarei no UNIPÊ, enquanto representante da Associação Nacional de Juristas pela Cidadania LGBTI, junto a Direção do Curso de Direito para cobrar providências enérgicas no que se refere a esse ‘professor’ […]. Por fim, convido todas/os as/os Discentes que não concordam com as posturas desse “professor” […] a me/nos acompanharem, às 9:30h do dia 02.07.2017, à direção do Curso.“
O relato/desabafo
Leia na íntegra o que verbalizou de modo muito corajoso o estudante:
“No mês do orgulho LGBT, o parabéns especial vai para o Unipê Centro Universitário, que ignorou os testemunhos, as fotos e as gravações que integraram as mais de 10 denúncias de assédio e homofobia perpetradas em sala de aula pelo docente Alírio Batista, titular da cadeira de Medicina Legal nas turmas C e D.
Não há nenhum mérito nessa postagem, muito pelo contrário, me entristece a necessidade de expor a negligência da Universidade que amo – e que vem sendo responsável por minha formação jurídica, frente aos absurdos narrados. Escrevo com lágrimas nos olhos, mas com o espírito aliviado em saber que estou contribuindo para que uma situação que se repete todos os anos seja vista e discutida por toda a sociedade – e não mais acobertada por aqueles que coadunam ativa e passivamente com os fatos ora narrados.
Por certo, antes de iniciar o período, a minha turma já fora alertada pelos alunos veteranos do comportamento ‘peculiar’ do Dr. Alírio Batista, o que inclusive motivou algumas alunas a buscarem autorização especial para cursar essa disciplina individualmente no turno da noite, antes mesmo das aulas começarem. Repito: duas alunas aumentaram a sua carga horária no semestre mais carregado do curso e se submeteram a frequentar a universidade duas vezes por semana, além do seu horário regular, apenas para cursar apenas essa disciplina, percebem quão grave é a questão?
Poderia gastar os meus dedos tratando das demais problemáticas que envolvem o contundente aporte de um posicionamento religioso em sala de aula, diametralmente oposto ao sugestivo aconselhamento do docente para “que as alunas venham com roupas curtas e sentem nas cadeiras da frente, facilitando que ele olhasse quando elas cruzarem as pernas” (alegação que deveria ter sido apurada com mais afinco pelos órgão competentes da Universidade assim que foram denunciados à Ouvidoria, em meados de abril), mas, mantendo-me a temática que envolve esse mês,trago à tona o episódio de uma ‘aula’ em que o referido professor reduziu a dignidade de integrantes do grupo LGBTQ+ ao adjetivo ‘aberração’.
Não estou exagerando. O professor Alírio, ao tratar de ‘perversões sexuais’ em sua disciplina, classificou a homossexualidade (insistentemente gravada como homossexualismo, sufixo que remete à doença) como aberração, repetindo isso por diversas vezes ao longo de sua apresentação. No final da aula, pedi a devida licença para um adendo, informando respeitosamente que a aula ministrada estava atrasada em pelo menos 20 anos, uma vez que a homossexualidade (termo correto) não era uma considerada doença há muitos tempo, sendo inclusive retirada da lista de doenças da OMS. Em resposta, o docente deixou claro que continuaria a propagar o seu posicionamento, uma vez que a matéria, segundo ele, sustentava ser uma aberração.
Em tréplica, solicitei ao professor que informasse em sala que esse seria um conceito pessoal, e não da medicina legal, situação em que tive a minha palavra cassada, como comprovava o áudio encaminhado para a ouvidoria, e que jamais recebi resposta.
Confesso que me faltam palavras para descrever o que senti ao enfrentar o peso do julgo dos outros alunos, que, abismados com o ocorrido, me dirigiam olhares aflitos, como se esperassem uma atitude da minha parte frente à sumaria redução da minha condição humana para uma mera ‘aberração’. Eu não sabia o que fazer, e a única atitude que enxerguei foi me retirar da sala de aula. Na próxima aula, meus colegas de turma comentaram que o professor, em sala, endossou ainda a discussão de que a origem de tal “doença” seria “safadeza”(sic), mas que “não gostaria de estender a conversa, ‘pois essa gente era muito agressiva’.
Não confunda ‘agressividade’ com ‘coragem’, professor. O sr. pode ter silenciado a minha voz, como a de muitos alunos que vieram antes de mim, as denúncias apresentadas à Instituição podem ter sido completamente negligenciadas, mas o grito de quem luta diariamente contra a epidemia de violência que posiciona o Brasil como o país mais perigoso do mundo para grupos LGBTQ+ não vai cessar enquanto não nos for garantida a dignidade que nos pertence.
Aberração, ‘caro mestre’, é esconder o seu preconceito no manto da liberdade de cátedra.”