Caixa Seguradora deverá indenizar companheira de segurado que faleceu em acidente de trânsito

Data:

Caixa Seguradora
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O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em julgamento na Quinta Turma, não acatou o recurso de apelação da Caixa Seguradora S/A em desfavor da decisão do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG que condenou a seguradora ao pagamento de indenização para quitação de financiamento habitacional.

A parte autora da ação judicial tinha união estável com o segurado. O casal adquiriu um bem imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF), tendo arcado com todas as parcelas e demais cobranças referentes ao bem imóvel. Depois do óbito do seu companheiro, decorrente de acidente de trânsito com a sua motocicleta, a parte demandante pediu a abertura do sinistro junto à seguradora Caixa Seguradora S/A.

Entretanto, a Caixa Seguradora S/A negou-se a quitar o financiamento habitacional (apesar da cobertura securitária) afirmando que o mutuário não possuía Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para condução de motocicletas. Desta forma, a Caixa Econômica Federal (CEF) disse à parte demandante que o bem imóvel seria retomado.

O relator, desembargador federal Souza Prudente, ao verificar o recurso, afirmou que os fundamentos que ampararam a decisão de primeiro grau foram acertados considerando a jurisprudência dos tribunais no sentido de que “a exoneração do dever da seguradora de pagamento da indenização do seguro de vida somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro” e de que “a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo (infração administrativa tipificada no artigo 162 do Código Brasileiro de Trânsito) não configura, por si só, o agravamento intencional do risco do contrato de seguro de vida, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora .

Desta forma, disse o magistrado, como não restou demonstrado que a ausência de habilitação legal, por parte do segurado, para condução do veículo envolvido no sinistro de que resultou a sua morte, afigura-se cabível a cobertura securitária e consequente quitação integral do saldo devedor do contrato de financiamento celebrado com as promovidas Caixa Econômica Federal (CEF) e Caixa Seguradora S/A.

Processo: 1006337-30.2018.4.01.3803 – SentençaAcórdão

Data do julgamento: 31/08/2023

Data da publicação: 1º/09/2023

GS/CB

(Com informações da Assessoria de Comunicação Social do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL (198) 1006337-30.2018.4.01.3803

Processo de origem: 1006337-30.2018.4.01.3803

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

APELANTE: CAIXA SEGURADORA S/A

Advogados do(a) APELANTE: PAULO GIOVANNI VASCONCELOS MARTINS – MG149898-A, RITA ALCYONE PINTO SOARES – MG56783-A, RIVELINO CESAR GUIMARÃES – MG85481-A

APELADO: CATIA JANAÍNA DA SILVA LIMA

Advogado do(a) APELADO: JURANDIR RIBEIRO DE SOUZA – MG114556-A

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. SEGURO HABITACIONAL. ÓBITO DO MUTUÁRIO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. INEXISTÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA GUIAR O VEÍCULO ENVOLVIDO NO SINISTRO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE A INABILITAÇÃO E O SINISTRO OCORRIDO. COBERTURA SECURITÁRIA. CABIMENTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. REJEIÇÃO.

I – O cônjuge supérstite, bem assim, a companheira decorrente de união estável comprovada nos autos, tem legitimidade ativa para postular a cobertura securitária, para fins de quitação de contrato de mútuo habitacional, em razão do óbito do seu esposo.

II – De outra senda, na hipótese dos autos, não se encontrando em discussão a transferência de domínio do imóvel segurado, mas, tão somente, a declaração de quitação do saldo remanescente do contrato de financiamento imobiliário descrito na inicial, cumulado com pleito indenizatório a título de danos morais, em virtude do sinistro, com resultado morte do mutuário, com quem a autora mantinha união estável, conforme prova documental carreada para os presentes autos, a demanda poderá ser ajuizada pelos seus herdeiros regulares, em litisconsórcio ativo, ou, individualmente, por qualquer um deles, como no caso. Rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa da demandante, suscitada pela Caixa Seguradora S/A, sob esse fundamento.

III – A orientação jurisprudencial já sedimentada no âmbito de nossos tribunais é no sentido de que “a exoneração do dever da seguradora de pagamento da indenização do seguro de vida somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro” e de que “a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo (infração administrativa tipificada no artigo 162 do Código Brasileiro de Trânsito) não configura, por si só, o agravamento intencional do risco do contrato de seguro de vida, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora (AgRg no REsp 1483349/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 02/12/2014)

IV – No caso em exame, não demonstrada que a ausência de habilitação legal, por parte do segurado, para condução do veículo envolvido no sinistro de que resultou a sua morte, afigura-se cabível a cobertura securitária e consequente quitação integral do saldo devedor do contrato de financiamento celebrado com as promovidas Caixa Econômica Federal e Caixa Seguradora S/A.

V – Apelação desprovida. Sentença confirmada. A verba honorária, arbitrada pelo juízo monocrático, em desfavor das promovidas, em quantia correspondente a 10% (dez por cento) do valor da condenação, resta majorada no percentual de 2% (dois por cento), totalizando 12% (doze) por cento sobre o referido valor, devidamente atualizado, nos termos do § 11 do art. 85 do CPC vigente.

ACÓRDÃO

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação da Caixa Seguradora S/A, nos termos do voto do Relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Em 31/08/2022.

Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE

Relator

SENTENÇA

PODER JUDICIÁRIO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERLÂNDIA – 1ª VARA CÍVEL E CRIMINAL

PROCESSO Nº: 1006337-30.2018.4.01.3803

CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: CATIA JANAINA DA SILVA LIMA

RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A

S E N T E N Ç A

[Tipo A]

1 – RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária ajuizada por CÁTIA JANAINA DA SILVA LIMA em desfavor da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e CAIXA SEGURADORA S/A, objetivando receber indenização securitária para quitação de financiamento habitacional, bem como indenização por danos morais.

A autora alega, em suma, que viveu maritalmente com Alan Alves da Silva, desde o ano de 2002, tendo com ele uma filha, Allana Karolayne da Silva, nascida aos 02/04/2003. Relata que o casal adquiriu um imóvel, financiado junto à Caixa Econômica Federal – CEF, em 2009, tendo arcado com todas as prestações e demais cobranças referentes ao bem. Narra que Alan Alves da Silva sofreu acidente de motocicleta em 29/04/2011 e faleceu no dia 05/05/2011. Refere que, após o falecimento, solicitou a abertura do sinistro junto a Caixa Seguradora, a fim de quitar o financiamento. Todavia, foi surpreendida com a informação do gerente da primeira requerida, de que o imóvel seria retomado, porque a seguradora negou-se a quitar o financiamento, diante da constatação de que o mutuário falecera em decorrência de acidente com motocicleta e só possuía Carteira Nacional de Habilitação – CNH para condução de carros. Menciona que a CEF ajuizou ação para a retomada do imóvel. Ressalta que nenhum pagamento foi realizado desde o óbito e que ela e a filha deficiente não têm para onde ir.

Destaca que as cláusulas do contrato de seguro, de adesão, devem ser interpretadas de forma restritiva em favor do segurado. Argumenta que não é suficiente a existência de cláusula com previsão de excludente do dever de indenizar para que a seguradora se desobrigue do pagamento, sendo necessária a comprovação da contribuição efetiva do segurado para o agravamento do risco ou para o acidente. Pede a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Afirma que a seguradora, ao negar a cobertura securitária, praticou ato ilícito, que lhe causou danos de ordem moral, que devem ser indenizados.

Atribui à causa o valor de R$ 19.080,00, requer a concessão da tutela de urgência, para impedir que a CEF retome o imóvel, bem como dos benefícios da justiça gratuita e instrui a inicial com documentos.

A inicial foi emendada, para esclarecer que a Caixa não ajuizou ação para a retomada do imóvel (Num. 9770978). Na ocasião, juntou documentos (Num. 9770980, Num. 9770981, Num. 9770982, Num. 9770984, Num. 9770986).

O valor da causa foi modificado para R$139.080,00 (Num. 14684532).

Decisão (Num. 14919446) recebeu a emenda à inicial; encaminhou os autos ao Núcleo Especializado de Mediação/Conciliação, para a realização de audiência de tentativa de composição entre as partes; determinou que a CEF se abstivesse de realizar atos expropriatórios do imóvel e deferiu à autora os benefícios da justiça gratuita.

Citadas as rés, a CAIXA apresentou contestação (Num. 19178478), em que arguiu preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, alegou que a negativa da cobertura securitária se deu em virtude da constatação de que o óbito adveio de acidente com motocicleta, veículo para o qual o segurado não possuía habilitação para dirigir, já que sua CNH era de categoria “B”. Asseverou que a Apólice de financiamento Habitacional – 6124 contratada exclui, expressamente, a cobertura securitária em casos em que o mutuário conduza veículos sem habilitação para tanto, de modo que não se trata de mera infração administrativa, mas também de uma condição contratual previamente pactuada entre as partes. Informou que a CEF deflagrou a execução, em razão do inadimplemento contratual, desde maio de 2011. Destacou que não houve nenhuma atitude ilícita por parte da CEF a gerar o dever de indenizar e requereu a improcedência dos pedidos.

Designou-se Audiência Conciliatória (Num. 22284489).

A Caixa Seguradora apresentou contestação (Num. 22334497), em que argumentou que a contratação do seguro decorre de expressa previsão legal, motivo por que não há que se falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Alegou que a contratação obrigatória deste seguro privado para garantir o contrato de financiamento, bem como as normas a ele pertinentes, são determinadas por imposição da autoridade competente – SUSEP – e pela leis e normativos do SFH, estando, pois, tanto a seguradora quanto os segurados, que tiveram prévio conhecimento das delimitações contratuais, sujeitos às normas previamente estipuladas. Sustentou que o indeferimento da indenização securitária foi ensejado pela exclusão do risco, conforme Cláusula 8ª, 8.1, alínea q. Asseverou que a exigência da Habilitação do condutor de veículo automotor resulta de determinação legal, antes mesmo de perfazer a exigência contratual. Invoca a aplicação da Circular SUSEP n. 302, que dispõe sobre a perda do capital segurado, caso o risco do acidente decorra de ato ilícito do segurado. Destacou que o segurador responde pela obrigação nos termos avençados. Pugnou pelo reconhecimento de que o sinistro noticiado nos autos decorre de expressa exclusão contratual, sendo indevida a indenização securitária. Ressaltou que, na hipótese de se entender devido o pagamento da indenização, este deverá ser feito diretamente ao Estipulante. Negou ter praticado ato ilícito que pudesse ofender a honra da autora. Requereu a improcedência dos pedidos.

Realizada a sessão de conciliação, não foi possível o acordo (Num. 39223488).

Houve réplica (Num. 39432002).

Em especificação de provas, a autora requereu a oitiva de testemunhas e o depoimento dos requeridos (Num. 124239891); as rés requereram o julgamento antecipado da lide (Num. 127652376 e 131669855).

Decisão de saneamento (Num. 133419866) rejeitou a preliminar, suscitada pela CAIXA, de ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda; determinou a inversão do ônus da prova em favor da autora e indeferiu as provas requeridas pela Demandante, por não vislumbrar a necessidade de sua produção.

É o relatório. Decido.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

A preliminar suscitada pela CAIXA já foi enfrentada e afastada, mostrando-se despicienda nova digressão a esse respeito.

Nos autos, não há pretensão resistida quanto a existência de união estável entre a parte autora e o ex-mutuário, evidenciando-se a legitimidade ativa da companheira.

Assim, não se arguindo outras preliminares e, estando presentes os pressupostos processuais de existência e validade intrínsecos, além das condições da ação, passo ao exame do mérito.

A questão posta em juízo cinge-se em analisar o direito da autora em ser beneficiada com a indenização securitária, em razão do alegado sinistro ocorrido com o falecimento de Alan Alves da Silva e, ainda, com a indenização por danos morais.

2.1) Do direito à indenização securitária

Em apertada síntese, verifica-se que o falecido Alan Alves da Silva havia pactuado com a Caixa Econômica Federal, em 16/10/2009, contrato de “Compra e Venda de Unidade Isolada e Mútuo com Obrigações e Alienação Fiduciária – Carta de Crédito Individual – FGTS” (Num. 9770986), tendo concedido em garantia o imóvel matriculado sob o nº 80.939 do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Uberlândia/MG. Contudo, em 05/05/2011, o referido contratante faleceu, tendo a beneficiária acionado a CAIXA Seguradora S/A para viabilizar a quitação do empréstimo contraído.

Em exame do caso, o pedido foi negado pela parte ré, sob alegação de que o segurado “conduzia uma motocicleta no momento do acidente, veículo no qual não possuía habilitação ou categoria equivalente para dirigir”, uma vez que sua habilitação era da categoria “B”, que não permite a condução de motocicletas (Num. 6762066). Fundamenta a negativa na cláusula de exclusão, assim redigida:

Cláusula 8ª – Riscos Excluídos das coberturas de natureza corporal

8.1. Acham-se excluídos da cobertura do presente seguro os seguintes riscos de natureza corporal:

(…)

q) A morte ou invalidez total e permanente resultante de prática, por parte do Segurado, de atos contrários à lei, inclusive a condução ou pilotagem de veículos terrestres, aquáticos, aéreos e similares sem a devida habilitação legal ou com a habilitação vencida e não renovada, a qualquer título.

Insurge-se a autora contra a negativa das rés, embasando a postulação nos argumentos de que a cláusula de adesão deve ser interpretada restritivamente em favor do segurado e de que é necessária a comprovação da contribuição efetiva do ex-mutuário para o agravamento do risco ou para o acidente, para que a seguradora se desobrigue do dever de indenizar.

Pois bem.

Nos contratos habitacionais, mesmo fora do âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a contratação do seguro é obrigatória, na forma do art. 14 da Lei n° 4.380/64, uma vez que busca garantir o objeto do contrato, com o pagamento do saldo devedor, nas hipóteses de ocorrência de morte ou invalidez permanente do mutuário. Vale dizer que, nesses casos, o seguro busca a proteção não apenas do segurado, mas também do próprio crédito, em benefício do sistema.

Na hipótese de ocorrência de sinistro morte, a seguradora é obrigada a quitar o saldo devedor em favor do segurado, na totalidade, ou na proporção a que seja responsável na declaração de renda familiar, sob pena de, se assim não agir, privar de toda utilidade o contrato obrigatório. Do mutuário, reclama-se o pagamento das parcelas mensais e a comunicação do sinistro à credora.

Sobre o contrato de seguro, em tese, é possível que existam cláusulas que limitem ou restrinjam o pagamento da indenização, tal como ocorre, por exemplo, no caso de a morte ter ocorrido por causa de doença preexistente, omitida pelo segurado no momento da contratação. No entanto, as cláusulas que limitam a cobertura securitária, para serem válidas, não podem contrariar as disposições legais, nem a finalidade do contrato.

Segundo o artigo 768 do Código Civil, “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.

Na interpretação do citado dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que “a exoneração do dever da seguradora do pagamento da indenização somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro” (Precedentes: AgRg no AREsp 450.149/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 01.04.2014, DJe 28.04.2014; e AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp 411.086/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 27.03.2014, DJe 28.04.2014).

Além disso, tratando-se de seguro de vida, a jurisprudência pátria posiciona-se no sentido de que a falta de habilitação do condutor do veículo não configura, por si só, agravamento do risco, quando não demonstrado o nexo de causalidade entre a ausência de habilitação do segurado e o acidente que culminou com o seu óbito. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA EM CASO DE MORTE DE SEGURADO CAUSADA POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA SEGURADORA. 1. Perda do direito à garantia do segurado em caso de agravamento intencional do risco objeto do contrato de seguro (artigo 768 do Código Civil). 1.1. A exoneração do dever da seguradora de pagamento da indenização do seguro de vida somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro. Precedentes. 1.2. Nesse contexto, sobressai a jurisprudência das Turmas de Direito Privado no sentido de que a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo (infração administrativa tipificada no artigo 162 do Código Brasileiro de Trânsito) não configura, por si só, o agravamento intencional do risco do contrato de seguro de vida, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. 1.3. Hipótese em que o Tribunal de origem, mantendo a sentença de procedência, considerou devida a indenização securitária, sob o fundamento de não ter sido demonstrado, pela seguradora, que a ausência da habilitação do segurado contribuíra, decisivamente, para a ocorrência do sinistro. Consonância entre o acórdão estadual e a jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1483349/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 02/12/2014)

CIVIL. APELAÇÕES. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. PRETENSÃO DE LIQUIDAÇÃO DO SALDO DEVEDOR COM A COBERTURA SECURITÁRIA. ÓBITO DO MUTUÁRIO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. LEGITIMIDADE ATIVA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. DE CUJUS NÃO HABILITADO PARA GUIAR O VEÍCULO ENVOLVIDO NO SINISTRO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE O SINISTRO DECORREU DA AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO DO MUTUÁRIO. COLISÃO COM ANIMAL SOLTO NA PISTA. CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS DESFAVORÁVEIS. NÃO PROVIMENTO. 1. Apelações interpostas pela CEF e pela CAIXA SEGURADORA S/A, em face de sentença que julgou procedente o pedido deduzido pela autora, condenando as demandadas a liquidarem o saldo devedor de contrato de mútuo habitacional firmado por ela e seu esposo, com base em contrato de seguro de vida, em razão do óbito do mutuário. 2. O cônjuge supérstite tem legitimidade ativa para postular a cobertura securitária, para fins de quitação de contrato de mútuo habitacional, em razão do óbito do seu esposo, tendo ambos subscrito o financiamento. Rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam. 3. A cobertura securitária fora negada, porque o falecimento decorreu de acidente em rodovia, quando a motocicleta dirigida pelo mutuário se chocou com animal solto na pista, não tendo o condutor habilitação para dirigir esse tipo de veículo. 4. Na Cláusula Vigésima do contrato de mútuo habitacional, previu-se que, “durante a vigência deste contrato e até a liquidação da dívida, o(s) DEVEDOR(ES) concorda(m), e assim se obrigam, em manter e pagar os prêmios de seguro acrescidos de eventuais tributos, de acordo com estipulado na Apólice de Seguro contratada por livre escolha […] MIP – morte decorrente de causas naturais ou acidentais e invalidez permanente ocorrida em data posterior à data da assinatura do contrato de financiamento do imóvel, causada por acidente pessoal ou doença, que determine a incapacidade total e permanente para o exercício da atividade laborativa principal do segurado, no momento do sinistro”. No Parágrafo Terceiro dessa Cláusula, constou que: “A cobertura do seguro dar-se-á a partir da assinatura deste instrumento, regendo-se pelas cláusulas e condições constantes da Apólice, as quais foram pactuadas pelo(s) DEVEDOR(ES) e aceitas pela CAIXA, especialmente as de exclusão de cobertura securitária e forma de recálculo de prêmios de seguro […]”. No Parágrafo Quinto da mesma Cláusula, restou destacado que: “Em sendo contratada apólice de seguro oferecida pela CAIXA, o(s) DEVEDOR(ES) declara(m) que recebeu(ram), juntamente com o presente instrumento, cópia das condições especiais da apólice estipulada pela CAIXA devidamente rubricadas pelas partes, tomando ciência de todas as condições pactuadas”. As páginas do contrato alusivas a essas regras estão devidamente subscritas pelos mutuários, assim como as relativas às condições do seguro. 5.Segundo a Cláusula Oitava da apólice de seguro, estão excluídas da cobertura de natureza corporal “a morte ou a invalidez total e permanente resultante de prática, por parte do Segurado, de atos contrários à lei, inclusive a condução ou pilotagem de veículos terrestres, aquáticos, aéreos e similares sem a devida habilitação legal ou com habilitação vencida e não renovada, a qualquer título”. 6. O art. 768 do CC reza que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.7. Interpretando esse dispositivo, o STJ vem entendendo que: “1.1. A exoneração do dever da seguradora de pagamento da indenização do seguro de vida somente ocorrerá se a conduta direta do segurado configurar efetivo agravamento (culposo ou doloso) do risco objeto da cobertura contratada, consubstanciando causa determinante para a ocorrência do sinistro […] 1.2. Nesse contexto, sobressai a jurisprudência das Turmas de Direito Privado no sentido de que a ausência de habilitação do segurado para dirigir veículo (infração administrativa tipificada no artigo 162 do Código Brasileiro de Trânsito) não configura, por si só, o agravamento intencional do risco do contrato de seguro de vida, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora” (AgRg no REsp nº 1483349/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 02/12/2014). No mesmo sentido, outro precedente do STJ: AgInt no AREsp 990.103/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 09/02/2017. 8. No caso, é devida a indenização securitária, considerando que as demandadas não demonstraram que a ausência de habilitação do segurado contribuiu, decisivamente, para a ocorrência do sinistro. Com efeito, o acidente que levou o mutuário a óbito derivou de razões alheias à sua vontade, haja vista que, guiando a sua motocicleta, foi surpreendido com um cavalo solto na pista de rolamento, com o qual colidiu, sendo certo que as condições meteorológicas no momento do acidente não favoreciam a percepção do animal na via e, portanto, não davam condições ao motorista de desviar ou manobrar para evitar a colisão (segundo o BAT, havia nevoeiro/neblina). 9. Apelações não providas. (TRF 5ª Região – PROCESSO: 08024365120154058000, AC – Apelação Civel -, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1º Turma, JULGAMENTO: 08/03/2018, PUBLICAÇÃO)

Na hipótese dos autos, apesar da referida cláusula, não foram apresentadas pelas rés provas indicativas da responsabilidade do segurado pelo acidente que culminou com a sua morte. Com efeito, as Requeridas se limitaram a sustentar a ausência de Habilitação para a condução de motocicleta, sem acrescer outros fatores que pudessem caracterizar o incremento do risco.

Nesse compasso, ainda que haja cláusula expressa que disponha acerca da exclusão do risco em determinadas hipóteses, a mera disposição não basta, por si só, para amparar a negativa de pagamento da indenização securitária, visto ser imprescindível que a situação prevista seja, comprovadamente, o fator determinante para a ocorrência do sinistro.

Ademais, por se tratar de seguro de vida, cuja cobertura deve ser ampla, a cláusula afigura-se excessivamente restritiva, acabando por contrariar a própria finalidade do contrato.

É importante destacar, a título argumentativo, que o Superior Tribunal de Justiça, editou a Súmula 620, que dispõe: “A embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida” (STJ. 2ª Seção. Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/112/2018). Nos precedentes originários, evidencia-se o entendimento segundo o qual a embriaguez do segurado, por si só, não exime o segurador do pagamento de indenização prevista em contrato de seguro de vida, sendo necessária a prova de que o agravamento do risco dela decorreu.

Outrossim, é relevante anotar que a cobertura securitária é devida mesmo quando decorre de morte voluntária (suicídio), ocorrido após os dois primeiros anos do contrato, conforme consolidada jurisprudência pátria e previsão legal contida no artigo 798 e parágrafo único do Código Civil.

Nesse contexto, não se evidenciando o agravamento essencial do risco contratado, a cobertura do contrato de seguro de vida deve abranger os casos de morte involuntária em decorrência de acidente de trânsito.

Portanto, faz jus a autora à cobertura securitária pretendida, bem assim à quitação integral do financiamento habitacional, tendo em vista o comprometimento integral da renda do falecido (100%).

De outra parte, assiste à Caixa Seguradora S.A, nos termos da Cláusula Vigésima, Parágrafo Quinto (Num. 22318060 – Pág. 12) efetuar o pagamento da indenização diretamente à CEF, a quem caberá aplicá-lo na solução da dívida.

2.2. Do direito à indenização por danos morais

Nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, os elementos gerais ou pressupostos da responsabilidade civil são conduta humana (positiva ou negativa), dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, sendo a culpa/dolo também elemento para a responsabilidade civil subjetiva.

Nada obstante assista à autora o direito de receber a indenização securitária, não deve ser acolhido o pedido de condenação das rés ao pagamento de indenização por dano moral.

Isso, porque o mero inadimplemento contratual não enseja, em regra, dano moral indenizável. Em que pesem as afirmações da autora, não se caracterizou nenhuma conduta das demandadas que ofenda direitos de personalidade da demandante, como a honra, imagem e a privacidade, inviável a chancela judicial para condenação das rés pelos alegados danos extrapatrimoniais.

Por tais fundamentos, não merece prosperar a pretensão de indenização por danos morais deduzida na inicial.

3 – DISPOSITIVO

Diante do exposto, com base no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos formulados pela autora, para condenar as rés a efetuarem a quitação integral do saldo devedor do contrato de financiamento habitacional n. 815370003477, referente ao imóvel registrado na Matrícula 80.939 no 2º Ofício de Registro de Imóveis de Uberlândia, desde a data da comunicação do sinistro, mediante o pagamento da indenização securitária.

O pagamento da indenização securitária deverá ser feito diretamente pela Caixa Seguradora à Caixa Econômica Federal, consoante Parágrafo Quinto da Cláusula Vigésima do contrato.

Nos termos do artigo 85, § 2º e 86, do CPC, CONDENO as partes ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação, sendo que, deste montante, 80% (oitenta por cento) deverá ser pago pelas rés em favor do advogado da autora e 20% (vinte por cento) pela autora aos advogados das rés. Contudo, esta última condenação ficará sobrestada nos moldes e prazo estabelecido no artigo 98, § 3º do CPC, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita.

Custas finais na mesma proporção, sendo a autora beneficiária de isenção legal (art. 4º, II, da Lei nº 9.289/96).

Nos termos dos arts. 1.009 e 1.010 do CPC, em havendo interposição de apelação, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.

Na hipótese de serem suscitadas pelo apelado, nas contrarrazões, as questões referidas no § 1º do art. 1.009 do CPC, ou em caso de apresentação de apelação adesiva, intime-se o apelante para manifestação ou contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias (arts. 1.009, § 2º e 1.010, § 2º, do CPC).

Após cumpridas as determinações supra, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Por outro lado, caso não tenha havido interposição de recurso, e transitada em julgado a sentença, certifique-se e arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Uberlândia/MG, 9 de junho de 2020.

LINCOLN RODRIGUES DE FARIA

Juiz Federal
Assinado eletronicamente por: LINCOLN RODRIGUES DE FARIA
09/06/2020 16:30:29
http://pje2g.trf1.jus.br:80/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 68821384 20060916302900000000067858830

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