De forma distinta da pessoa jurídica, o condomínio é uma massa patrimonial despersonalizada e, por essa razão, não se pode reconhecer que tenha honra objetiva capaz de sofrer danos morais.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial dos proprietários de um apartamento para julgar improcedente o pedido de indenização a título de danos morais ajuizado contra eles. Contrariando uma ordem judicial, os recorrentes promoveram, dentro do condomínio, uma festa para mais de 200 (duzentas) pessoas.
Apesar da ordem judicial que proibia a festa, os proprietários do apartamento pagaram a multa imposta na decisão e realizaram o evento no mês de novembro de 2011, causando, de acordo com o condomínio, grande transtorno para os demais moradores e até mesmo para os pacientes de um hospital próximo, os quais – de acordo com a petição inicial da ação judicial – tiveram de ser sedados devido ao barulho da festa, que começou às 22h30 e terminou apenas às 8h do dia seguinte.
Barulho e nudez
Na petição inicial, o condomínio destacou que o boletim de ocorrência policial registrou que a festa desrespeitou regras e perturbou os demais moradores com som alto, nudez, entrada e saída constante de pessoas, além de transtornos com a logística para a montagem de tendas e banheiros químicos.
A decisão de primeira instância condenou os proprietários a pagar R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a título de danos morais e R$ 3.000,00 (três mil reais) por danos materiais, além da multa pelo descumprimento da ordem judicial.
Ao analisar o recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação e ressaltou que deve ser aplicado aos condomínios o tratamento conferido à pessoa jurídica, reconhecendo que havia danos morais indenizáveis decorrentes da mácula à honra objetiva do condomínio perante a comunidade.
No recurso especial, os condôminos que deram a festa alegaram que, por não possuir personalidade jurídica, o condomínio não estaria sujeito a sofrer dano moral. Mesmo que o condomínio fosse equiparável a uma empresa – afirmaram –, o dano moral não estaria configurado devido à ausência de repercussão econômica da suposta lesão à honra objetiva.
Fatos lamentáveis
A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que os fatos descritos são “inegavelmente lamentáveis, repulsivos e estarrecedores, ante o completo menoscabo com as regras de convivência” e, sobretudo, ante o descaso dos proprietários com a ordem judicial emitida em ação cautelar.
A relatora destacou que, em situações como esta, além da possibilidade de cada morador ajuizar individualmente ação para reparar os danos morais, o ordenamento jurídico autoriza o condomínio a impor sanções administrativas ao condômino nocivo ou antissocial, “defendendo a doutrina, inclusive, a possibilidade de ajuizamento de ação para pleitear a interdição temporária ou até definitiva do uso da unidade imobiliária, nos termos do enunciado 508, aprovado na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ”.
Conceito controverso
A ministra Nancy Andrighi frisou que tanto na doutrina quanto na jurisprudência o reconhecimento de personalidade jurídica para condomínios é controverso: no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Primeira Seção, especializada em direito público, entende que em matéria tributária os condomínios possuem personalidade jurídica ou devem ser tratados como pessoa jurídica; na Segunda Seção, que julga casos de direito privado, prevalece a corrente para a qual eles são entes despersonalizados.
A ministra destacou que o condomínio não é titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem exclusivamente aos condôminos.
“Além do mais, não há, entre os condôminos, a affectio societatis, ou seja, o sentimento de cooperação e confiança recíprocos que une pessoas interessadas em atingir um objetivo comum. É dizer, a formação do condomínio não decorre da intenção dos condôminos de estabelecer entre si uma relação jurídica, mas do vínculo decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum”, explicou.
Ofensa individual
O conceito de ente despersonalizado, segundo a relatora, implica a conclusão de que não é possível reconhecer a existência de honra objetiva capaz de sofrer dano moral.
Para a ministra Nancy Andrighi, qualquer ofensa à imagem do condomínio perante a comunidade representa, na verdade, “uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condôminos”. Ou seja, “quem goza de reputação são os condôminos, e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a este endereçado”.
Nancy Andrighi salientou que a pretensão de obter indenização de danos morais em favor do condomínio limita-se subjetivamente aos condôminos que se sentiram realmente ofendidos, não refletindo pretensão do condomínio em si, enquanto complexo jurídico de interesses de toda a coletividade.
Outro entrave à possibilidade de indenização a título dano moral para o condomínio, na hipótese analisada, é que – de acordo com a ministra –, diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas, qualquer repercussão econômica negativa será suportada pelos próprios condôminos, na hipótese de eventual desvalorização dos imóveis.
Ementa
AUSÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO. PRETENSÃO EXERCIDA PARA DEFENDER INTERESSE PRÓPRIO. NATUREZA JURÍDICA DO CONDOMÍNIO. ENTE DESPERSONALIZADO. VIOLAÇÃO DA HONRA OBJETIVA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. JULGAMENTO: CPC/15.