Condomínio é ente despersonalizado e não sofre danos morais

Data:

Condomínio
Créditos: tomloel / iStock

De forma distinta da pessoa jurídica, o condomínio é uma massa patrimonial despersonalizada e, por essa razão, não se pode reconhecer que tenha honra objetiva capaz de sofrer danos morais.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial dos proprietários de um apartamento para julgar improcedente o pedido de indenização a título de danos morais ajuizado contra eles. Contrariando uma ordem judicial, os recorrentes promoveram, dentro do condomínio, uma festa para mais de 200 (duzentas) pessoas.

Apesar da ordem judicial que proibia a festa, os proprietários do apartamento pagaram a multa imposta na decisão e realizaram o evento no mês de novembro de 2011, causando, de acordo com o condomínio, grande transtorno para os demais moradores e até mesmo para os pacientes de um hospital próximo, os quais – de acordo com a petição inicial da ação judicial – tiveram de ser sedados devido ao barulho da festa, que começou às 22h30 e terminou apenas às 8h do dia seguinte.

Barulho e ​​nudez

Na petição inicial, o condomínio destacou que o boletim de ocorrência policial registrou que a festa desrespeitou regras e perturbou os demais moradores com som alto, nudez, entrada e saída constante de pessoas, além de transtornos com a logística para a montagem de tendas e banheiros químicos.

A decisão de primeira instância condenou os proprietários a pagar R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a título de danos morais e R$ 3.000,00 (três mil reais) por danos materiais, além da multa pelo descumprimento da ordem judicial.

Ao analisar o recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação e ressaltou que deve ser aplicado aos condomínios o tratamento conferido à pessoa jurídica, reconhecendo que havia danos morais indenizáveis decorrentes da mácula à honra objetiva do condomínio perante a comunidade.

No recurso especial, os condôminos que deram a festa alegaram que, por não possuir personalidade jurídica, o condomínio não estaria sujeito a sofrer dano moral. Mesmo que o condomínio fosse equiparável a uma empresa – afirmaram –, o dano moral não estaria configurado devido à ausência de repercussão econômica da suposta lesão à honra objetiva.

Fatos lamentáve​​is

A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que os fatos descritos são “inegavelmente lamentáveis, repulsivos e estarrecedores, ante o completo menoscabo com as regras de convivência” e, sobretudo, ante o descaso dos proprietários com a ordem judicial emitida em ação cautelar.

A relatora destacou que, em situações como esta, além da possibilidade de cada morador ajuizar individualmente ação para reparar os danos morais, o ordenamento jurídico autoriza o condomínio a impor sanções administrativas ao condômino nocivo ou antissocial, “defendendo a doutrina, inclusive, a possibilidade de ajuizamento de ação para pleitear a interdição temporária ou até definitiva do uso da unidade imobiliária, nos termos do enunciado 508, aprovado na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ”.

Conceito cont​​roverso

A ministra Nancy Andrighi frisou que tanto na doutrina quanto na jurisprudência o reconhecimento de personalidade jurídica para condomínios é controverso: no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Primeira Seção, especializada em direito público, entende que em matéria tributária os condomínios possuem personalidade jurídica ou devem ser tratados como pessoa jurídica; na Segunda Seção, que julga casos de direito privado, prevalece a corrente para a qual eles são entes despersonalizados.

A ministra destacou que o condomínio não é titular das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, as quais pertencem exclusivamente aos condôminos.

“Além do mais, não há, entre os condôminos, a affectio societatis, ou seja, o sentimento de cooperação e confiança recíprocos que une pessoas interessadas em atingir um objetivo comum. É dizer, a formação do condomínio não decorre da intenção dos condôminos de estabelecer entre si uma relação jurídica, mas do vínculo decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum”, explicou.

Ofensa indiv​idual

O conceito de ente despersonalizado, segundo a relatora, implica a conclusão de que não é possível reconhecer a existência de honra objetiva capaz de sofrer dano moral.

Para a ministra Nancy Andrighi, qualquer ofensa à imagem do condomínio perante a comunidade representa, na verdade, “uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condôminos”. Ou seja, “quem goza de reputação são os condôminos, e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a este endereçado”.

Nancy Andrighi salientou que a pretensão de obter indenização de danos morais em favor do condomínio limita-se subjetivamente aos condôminos que se sentiram realmente ofendidos, não refletindo pretensão do condomínio em si, enquanto complexo jurídico de interesses de toda a coletividade.

Outro entrave à possibilidade de indenização a título dano moral para o condomínio, na hipótese analisada, é que – de acordo com a ministra –, diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas, qualquer repercussão econômica negativa será suportada pelos próprios condôminos, na hipótese de eventual desvalorização dos imóveis.

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

Ementa

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DO CONDOMÍNIO. PRETENSÃO EXERCIDA PARA DEFENDER INTERESSE PRÓPRIO. NATUREZA JURÍDICA DO CONDOMÍNIO. ENTE DESPERSONALIZADO. VIOLAÇÃO DA HONRA OBJETIVA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de indenização por danos materiais e compensação de dano moral ajuizada em 07/12/2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 09/09/2016 e atribuído ao gabinete em 09/10/2017.
2. O propósito recursal é decidir sobre a negativa de prestação jurisdicional; a legitimidade ativa do condomínio para pleitear, em favor próprio, a compensação de dano moral; a caracterização do dano moral do condomínio; o valor da condenação a título compensatório do dano moral.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação dos arts. 489, II, e 1.022 do CPC/15.
4. O condomínio tem legitimidade ativa para pleitear, em favor próprio, indenização por dano moral, não podendo fazê-lo em nome dos condôminos.
5. No âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, prevalece a corrente de que os condomínios são entes despersonalizados, pois não são titulares das unidades autônomas, tampouco das partes comuns, além de não haver, entre os condôminos, a affectio societatis, tendo em vista a ausência de intenção dos condôminos de estabelecerem, entre si, uma relação jurídica, sendo o vínculo entre eles decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessário à administração da propriedade comum.
6. Caracterizado o condomínio como uma massa patrimonial, não há como reconhecer que seja ele próprio dotado de honra objetiva, senão admitir que qualquer ofensa ao conceito que possui perante a comunidade representa, em verdade, uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condôminos, pois quem goza de reputação são os condôminos e não o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a este endereçado.
7. Diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas, qualquer repercussão econômica negativa será suportada, ao fim e ao cabo, pelos próprios condôminos, a quem incumbe contribuir para todas as despesas condominiais, e/ou pelos respectivos proprietários, no caso de eventual desvalorização dos imóveis no mercado imobiliário.
8. Hipótese em que se afasta o dano moral do condomínio, ressaltando que, a par da possibilidade de cada interessado ajuizar ação para a reparação dos danos que eventualmente tenha suportado, o ordenamento jurídico autoriza o condomínio a impor sanções administrativas para o condômino nocivo e/ou antissocial, defendendo a doutrina, inclusive, a possibilidade de interdição temporária ou até definitiva do uso da unidade imobiliária.
9. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ – REsp 1736593/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 13/02/2020)
Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.