Distrito Federal é condenado a indenizar família por erro médico durante o parto

Data:

Família será indenizada por erro médico ocorrido durante o parto

Erro médico
Créditos: Michał Chodyra / iStock

A juíza de direito da 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal condenou o Distrito Federal a indenizar uma família por erro médico, que ocorreu durante o parto do filho dos autores, realizado no mês de setembro do ano de 2013.

Em decorrência da imperícia da médica responsável pelo procedimento, o menor nasceu com lesões irreversíveis, o que afetou totalmente a vida e a rotina dos genitores, tendo direito à reparação material, moral, pensão vitalícia e lucros cessantes para a genitora, que precisou abandonar o trabalho para cuidar do menor.

Em uma breve síntese, narram os demandante que o filho do casal nasceu de um parto normal cheio de complicações, com o que os médicos chamam de “período expulsivo” prolongado e com procedimento de kristeller, para o qual a médica não estava habilitada. De acordo com os genitores, a médica precisou solicitar ajuda a outro profissional que realizava outro parto, para finalizar o atendimento. Os fatos do parto, entretanto, não foram registrados no prontuário médico.

Os genitores, entretanto, disseram que o menor nasceu deprimido, hipotônico, cianótico, com apneia e bradicárdico e teve convulsão precoce. O bebê teria se “afogado” com o líquido amniótico, o que o levou a permanecer internado na UTI do hospital por alguns meses, e, na visão dos genitores, todo esse quadro seria a causa da Síndrome de West, um tipo de epilepsia incurável, que acometeu o filho deles e afeta desde então seu desenvolvimento motor.

O demandado, em sua defesa, afirma que não há responsabilidade civil do estado, já que o tratamento médico prestado à mãe e à criança foi adequado. Entretanto, a magistrada destacou que, segundo a Constituição Federal brasileira, nos casos de negligência médica, omissão de socorro ou mesmo demora de atendimento, o estado tem o dever legal de prestar assistência, portanto, a tese do réu não pode ser acolhida.

Para observar o caso, foi destacado um perito especialista que ressaltou a falta de registro no prontuário de todos os acontecimentos durante o parto e, embora “não haja elementos para se confirmar a alegação dos autores de período expulsivo prolongado, o médico que auxiliou na realização do parto declarou que esse foi bastante laborioso”.

O especialista ressaltou, no entanto, que consta do prontuário médico a realização da manobra de Kristeller, que visa abreviar o período expulsivo. De acordo com ele, a medicina considera a prática dessa técnica claramente prejudicial ou ineficaz e deve ser eliminada. Assim, esta teria sido a causa mais provável da síndrome de West, diante da ausência de demais anotações do parto e levando-se em consideração os danos apresentados pelos exames do bebê, depois do nascimento.

Em contrapartida, a assistente técnica do demandado destacou que a conclusão do “perito é vaga, de cunho pessoal e opinativo, e não corresponde à realidade dos fatos”. Afirmação que a juíza do caso considerou “bastante difícil de ser compreendida, pois a medicina não é uma ciência exata e, portanto, o exame dos casos necessariamente passa por uma avaliação pessoal do profissional da saúde, não sendo incomum a divergência de opinião entre os profissionais”, observou. Além disso, “posto que ele não estava presente por ocasião do parto e como nem tudo foi registrado no prontuário, a conclusão, por razões óbvias, só poderia parecer vaga”.

Por derradeiro, a magistrada ressaltou que não se pode debitar às dificuldades da rede pública de saúde todos os problemas que ocorrem e não se justifica a falta de anotações precisas nos prontuários médicos, haja vista ser esse o documento que vai balizar todo o exame não só quanto a eventual erro médico ou negligência, mas também para os tratamentos subsequentes do paciente. Desta forma, a julgadora considerou que ficou evidente a falha na prestação do atendimento, o que gerou o prejuízo moral inquestionável aos autores, em razão da patologia a que foi acometido o menor e indiscutivelmente afetou a vida da família.

O Distrito Federal terá que pagar uma indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais, a cada um dos demandantes, e R$ 27.467,25 (vinte e sete mil, quatrocentos e sessenta e sete reais e vinte e cinco centavos), a título de danos materiais, tendo em vista os custos com o cuidado especial e tratamento da criança.

O filho do casal vai receber, também, uma pensão vitalícia no valor de um salário mínimo mensal e a mãe uma indenização de lucros cessantes no mesmo valor, todo mês, a partir da data do parto até completar 60 anos, em dezembro de 2040.

Cabe recurso da sentença.

Processo: 0028965-40.2015.8.07.0018 – Sentença (inteiro teor para download).

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor da sentença:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

8ª Vara da Fazenda Pública do DF
Fórum VERDE, Sala 408, 4º andar, Setores Complementares, BRASÍLIA – DF – CEP: 70620-000
Horário de atendimento: 12:00 às 19:00

Número do processo: 0028965-40.2015.8.07.0018

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

Assunto: Erro Médico (10434)

Requerente: G. D. S. L. e outros

Requerido: DISTRITO FEDERAL

SENTENÇA

GUILHERME DA SILVA LOPES, REGINA ALVES DA SILVA e ADELSON SANTOS LOPES ajuizaram ação de indenização em desfavor do DISTRITO FEDERAL, partes qualificadas nos autos, alegando, em síntese, que o primeiro autor nasceu em 27/9/2013 de um parto normal cheio de complicações, com período expulsivo prolongado e com procedimento de kristeller, para o qual a médica não estava habilitada; que a médica precisou pedir ajuda a outro médico que realizava outro parto; que o bebê nasceu deprimido, hipotônico, cianótico, com apneia e bradicárdico e teve convulsão precoce; que os fatos ocorridos durante o parto não foram registrados no prontuário; que o bebê se “afogou” com o líquido amniótico e ficou alguns meses internado em UTI após o nascimento; que em razão da hipóxia passou a ter a síndrome de West, um tipo de epilepsia mioclônica; que a doença afeta seu desenvolvimento motor; que necessita de vários tipos de tratamento e medicamentos; que a referida síndrome não tem cura, portanto, esse dano deve ser indenizado, pois decorreu de erros no parto e incapacidade da médica que o realizou, caracterizando a imperícia; que a hipóxia, resultante do período expulsivo prolongado gerou a síndrome de West, o que caracteriza o nexo de causalidade; que a responsabilidade civil do réu é objetiva; que os pais também sofreram danos morais, pois vêm frustradas todas as expectativas de vida do filho; que a família teve a vida totalmente transformada em razão desse fato; que sofreram danos materiais em razão de gastos decorrentes do problema de saúde do primeiro autor como medicamentos, fraldas, leite especial e transporte, totalizando a quantia de R$ 27.467,25 (vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e sete reais e vinte e cinco centavos): que há lucros cessantes, pois a segunda autora em razão do grave problema de saúde do filho não pode mais trabalhar para cuidar dele e como professora auferia um rendimento médio de R$ 3.839,81 (três mil oitocentos e trinta e nove reais e oitenta e um centavo); que o primeiro autor faz jus à pensão mensal vitalícia no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Ao final requerem a gratuidade da justiça, citação e a procedência do pedido para condenar ao réu a reparar o dano moral, indenizar os danos materiais, os lucros cessantes e pensão mensal vitalícia para o primeiro autor.

A petição inicial veio acompanhada de documentos.

O pedido de gratuidade da justiça foi indeferido (ID 26130925), o que ensejou a interposição de Agravo de Instrumento, mas foi exercido o juízo de retratação e deferido o benefício (ID 26130997).

O réu foi regularmente citado, mas não ofereceu contestação, conforme certidão de ID 26131109, mas posteriormente apresentou defesa intempestivamente (ID 26131158), alegando regularidade no atendimento médico prestado e anexou documentos.

Os autores se manifestaram sobre a contestação (ID 26131640).

Deferiu-se a prova pericial (ID 26131703).

Depois de sucessivas recusas dos profissionais nomeados foi apresentado o laudo pericial (ID 44779815), sobre o qual as partes e o Ministério Público se manifestaram (ID 46943901, 49102001 e 51098169).

O perito prestou esclarecimentos (ID 51270059), com manifestação das partes (ID 53974191 e 57745526).

Relatados.

Decido.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e não tendo nenhuma questão de ordem processual pendente, passa-se à análise do mérito.

Cuida-se de ação de conhecimento subordinada ao procedimento ordinário em que os autores buscam a reparação dos danos morais, indenização por danos materiais e lucros cessantes e pensão mensal vitalícia.

Para fundamentar o seu pleito alegam os autores que houve imperícia na realização do parto, gerando graves danos aos autores.

O réu, por seu turno, sustenta que não há responsabilidade civil porque não há nexo de causalidade, já que o tratamento médico foi adequado.

Dispõe o artigo 37, § 6º da Constituição Federal as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A norma constitucional supra não faz nenhuma referência à ação ou omissão, portanto, pode-se afirmar que, numa interpretação mais abrangente, nos casos de omissão a responsabilidade também seria objetiva, ao contrário do afirmado pelo réu em sua contestação.

Todavia, trata-se de interpretação excessivamente elástica e pode possibilitar a responsabilidade do Estado por qualquer dano que ocorrer, mas ele não pode ser responsável por tudo que ocorre na sociedade, logo, imprescindível o estabelecimento de limites razoáveis, de forma a assegurar a indenização da vítima, mas também preservar a Administração quando atue nos termos da lei.

Assim, entende-se que no caso de negligência médica, omissão de socorro ou mesmo demora de atendimento deve ser aplicada a teoria da responsabilidade civil objetiva, pois há o dever legal de prestar assistência, portanto, não pode ser acolhida a tese sustentada pelo réu.

A responsabilidade civil do réu é objetiva e para a sua caracterização devem estar presentes os seguintes requisitos: existência de dano (material ou moral), ação ou omissão administrativa, nexo de causalidade e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Não obstante se trata de responsabilidade objetiva é imprescindível verificar se houve negligência médica (conforme alegado na petição inicial), pois apenas na sua ocorrência é possível afirmar a existência do nexo de causalidade, por isso, esse será o primeiro requisito a ser analisado.

Os autores afirmaram que o parto foi cheio de complicações e com período expulsivo prolongado, mas o réu afirmou que não há registros de anormalidades. No entanto, na própria petição inicial ficou destacado que os fatos ocorridos durante o parto não foram anotados no prontuário, portanto, o argumento do réu não se sustenta.

No que tange a esse ponto afirmou o perito (ID 44779815, pág. 7):

“Resta evidente, entretanto, a precariedade de registros de monitorização da vitalidade fetal. A monitorização da vitalidade fetal nas gestações de baixo risco é realizada, principalmente, por meio da ausculta intermitente dos batimentos cardiofetais. De modo geral, a frequência cardíaca fetal deve ser avaliada a cada 15 a 30 minutos durante o primeiro período (fase ativa do trabalho de parto) e a cada 5 a 15 minutos no segundo período (período expulsivo) do trabalho de parto, durante 1 minuto antes, durante e após duas contrações, pelo menos por 30 segundos após a contração (FEBRASGO, 2019, capítulo 94, Kindle 40484). É importante mensurar a frequência cardíaca basal e observar a presença de acelerações e desacelerações e de movimentos fetais. As desacelerações atípicas são indicativos sugestivos de má oxigenação fetal e, sendo sustentadas, podem indicar a necessidade de abreviação do parto de especialmente do período expulsivo, seja pela indicação de cesariana de urgência, seja pela utilização de fórcipe obstétrico de alívio. Não consta dos registros acostados aos autos a realização de monitoramento da vitalidade fetal, seja durante a fase ativa do trabalho de parto, seja durante o período expulsivo. Tampouco se descreve a adoção de medidas corretivas de eventuais distocias de rotação ou assinclitismos, especialmente porque em nenhuma avaliação consta a variedade de posição fetal. Embora não tenha sido registrado em prontuário a duração do período expulsivo, há relato de que ele foi “(…) muito prolongado” (Num. 26130395 – Pág. 14). Tal alegação, entretanto, não parece plausível, na medida em que, como se pode verificar na análise do partograma, houve um período de apenas 3 horas e 34 minutos entre o início da fase ativa do trabalho de parto e a expulsão fetal. Levandose em consideração que o período expulsivo de até 2 horas de duração pode ser considerado normal para uma primigesta, a hipótese de período expulsivo prolongado resta improvável. O que se supõe, tendo em vista as alegações da autora e os registros acostados aos autos, é a ocorrência de parto laborioso, com esgotamento materno e perda da capacidade de realizar o puxo. Tal situação, quando ocorre, é angustiante, especialmente para o profissional menos experiente, e gera uma percepção de demora na conclusão da expulsão do feto e que não encontra respaldo na duração objetivamente apurada”.

Assim, ficou evidenciada a falta de registro no prontuário de todos os acontecimentos durante o parto e, não obstante não haja elementos para se confirmar a alegação dos autores de período expulsivo prolongado, o médico que auxiliou na realização do parto declarou que esse foi bastante laborioso (ID 26131185, pág. 5).

Esse médico, Ediberto Marcolino Vieira Filho (ID 26131185) afirmou foi chamado para auxiliar no segundo período de trabalho de parto (período expulsivo) e que a paciente se encontrava bastante exausta e pouco colaborativa , por isso, a única alternativa foi realizar a manobra de Kristeller.

A médica que iniciou o atendimento do parto, Rhayanna Kelly de Lima Vieira Ravanelli, afirmou (ID 26131185, pág. 7 e seguintes) que ao iniciar o seu plantão por volta das 19h35 a segunda autora estava em trabalho de parto, sendo realizados dois partos cesáreo, tendo reavaliado a segunda autora apenas por volta as 22h30, quando essa estava com dilatação total, mas encontrou dificuldades, pois a paciente estava agitada e pouco colaborativa e depois de realizar a hiperflexão das coxas sobre o abdômen e epsiotomia médio-lateral solicitou ajuda de outro médico, que realizou a manobra de Kristeller, mas que não deixou a paciente sozinha em nenhum momento.

O perito do juízo informou (ID 44779815):

“Consta de prontuário médico (Num. 26130395 – Pág. 14), entretanto, a realização da manobra de Kristeller, que consiste na aplicação de pressões vigorosas no fundo uterino durante as contrações e visam a abreviar o período expulsivo. A manobra de Kristeller, tendo em vista os preceitos da medicina baseada em evidências, é considerada uma “(…) prática no parto normal claramente prejudicial ou ineficaz e que deve ser eliminada” (…)O neonato nasceu em péssimas condições, com escores ruins na escala de Apgar (1-5). Necessitou intubação e ventilação mecânica. Apresentou convulsões precoces e exames de imagem (ecografia e ressonância magnética) sugestivos de injúria cerebral de etiologia hipóxico-isquêmica. A Síndrome de West é um tipo de síndrome epiléptica caracterizada pela ocorrência de espasmos mioclônicos, retardo mental e traçado característico (hipsaritmia) ao eletroencefalograma (GLAUSER, 2019). Decorre, na grande maioria dos casos, de algum tipo de injúria cerebral orgânica (infecciosa, hipóxica, metabólica, traumática, etc.). Tendo em vista as condições clínicas do neonato imediatamente após o parto, a inexistência de registros de ocorrência de outras causas potenciais, e considerando-se a apresentação precoce das convulsões, associada aos achados ao traçado eletroencefalográfico e às alterações identificadas nos exames de imagem, é possível concluir que a etiologia da síndrome de West que acomete o periciado é a hipóxia intraparto. A análise do prontuário médico permite concluir que toda a fase ativa do trabalho de parto transcorreu sem monitoração de vitalidade fetal que pudesse, eventualmente, identificar a anóxia intrauterina e consequente sofrimento fetal agudo em curso. Assim, a hipóxia só foi verificada após o nascimento, tendo em vista as péssimas condições do nascituro”.

E concluiu:

“Periciado portador de síndrome de West subsequente a lesão neurológica com provável etiologia hipóxico-isquêmica intraparto. Ocorrência de sofrimento fetal agudo não diagnosticado durante o trabalho de parto. Ausência de monitoração de vitalidade fetal durante toda a fase ativa do trabalho de parto. Houve realização da manobra de Kristeler, não recomendada pela boa prática obstétrica e pelos manuais oficiais de assistência ao parto vigentes no país. Tendo em vista a precariedade dos registros médico-hospitalares, não é possível concluir se havia ou não a indicação absoluta de abreviação da gestação por outros meios (cesariana ou fórcipe obstétrico de alívio). Tendo em vista as alegações da autora na anamnese pericial e os registros em prontuário médico, entretanto, parece a este expert que a melhor opção seria a indicação do fórcipe obstétrico de alívio para abreviar o período expulsivo laborioso na vigência de exaustão materna. É possível ainda que o sofrimento fetal já estivesse em vigência antes mesmo da completa dilatação do colo uterino e da insinuação fetal, circunstância em que a indicação é a realização de operação cesariana”.

Em resposta aos quesitos do juízo informou o perito que houve falha quanto à monitoração da vitalidade fetal intraparto, não havendo elementos para se afirmar que a manobra de Kristeller foi executada corretamente, mas que essa não é recomendada, não tendo sido realizado o diagnóstico de sofrimento fetal agudo intraparto e, consequentemente, não foram adotadas as medidas corretivas possíveis, não tendo sido possível estabelecer a causa da hipóxia intrauterina e que no caso do primeiro autor a causa mais provável da Síndrome de West é a etiologia hipóxica intraparto.

A assistente técnica do réu afirmou (ID 49102002) que a conclusão do “perito é vaga, de cunho pessoal e opinativo, e não corresponde à realidade dos fatos”, afirmação bastante difícil de ser compreendida, pois a medicina não é uma ciência exata e, portanto, o exame dos casos necessariamente passa por uma avaliação pessoal do profissional da saúde, não sendo incomum a divergência de opinião entre os profissionais.

O perito destacou várias vezes que havia deficiência de anotações no prontuário médico e, obviamente, que toda a avaliação do perito só poderia se basear nas informações do prontuário médico e documentos constantes dos autos, posto que ele não estava presente por ocasião do parto, e como nem tudo foi registrado no prontuário a conclusão por razões óbvias só poderia parecer vaga.

Em razão também dessa falta de informações completas no prontuário médico o perito só poderia apresentar uma informação técnica baseada em sua opinião, pois pelo conjunto dos elementos constantes dos autos não foi possível estabelecer a causa da síndrome sofrida pelo primeiro autor.

Igualmente, não se pode debitar às dificuldades da rede pública de saúde todos os problemas que ocorrem e não se justifica a falta de anotações precisas nos prontuários médicos, pois é esse o documento que vai balizar todo o exame não só quanto a eventual erro médico ou negligência, mas também para os tratamentos subsequentes do paciente. Portanto, evidentemente que houve falha pela falta de preenchimento adequado do prontuário médico dos dois primeiros autores.

Dessa forma, está evidenciado que a impugnação ao laudo pericial feita pelo réu é totalmente desprovida de fundamentação lógica e não pode ser aceita.

Foi afirmado também pela assistente técnica do réu de que por ocasião do parto, em 2013, não era proibida a manobra de Kristeller, que é realizada em cerca de um terço das mulheres brasileiras e continua sendo ensinado nas maternidades brasileiras (ID 49102002, pág. 2).

Esse procedimento foi considerado ineficaz, além dos riscos que apresenta, tanto que o item 118 das Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal do Ministério da Saúde dispõe que esse procedimento não deve ser realizado no segundo período do trabalho de parto.

Evidentemente que essa vedação é posterior ao parto noticiado nos autos, mas já se tratava de procedimento não recomendado, por isso, culminou nessa proibição de evita-lo, medida que não é adotada repentinamente, pois no país as medidas são demoradas e como destacou o perito havia outras alternativas para a expulsão do feto, o que afasta a afirmação do médico que a realizou de que seria a única alternativa (ID 26131185).

Contudo, deve ser destacado que em razão das poucas informações sobre a realização do parto não foi possível estabelecer qual a causa da síndrome sofrida pelo primeiro autor, mas está suficientemente evidenciado que houve problemas durante o parto, tanto que a médica precisou solicitar auxilio de outro profissional e o primeiro autor nasceu com problemas, cuja síndrome foi adquirida durante o parto, conforme informou o perito do juízo, tanto que precisou ficar internado por longo período em UTI, portanto, está evidenciado o nexo de causalidade.

Passa-se ao exame dos danos.

O dano moral consistente em lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, é aquele que atinge a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Aqui se engloba o dano à imagem, o dano estético, o dano em razão da perda de um ente querido, enfim todo dano de natureza não patrimonial.

Segundo Aguiar Dias, o “conceito de dano é único e corresponde a lesão de direito, de modo que, onde há lesão de direito, deve haver reparação do dano. O dano moral deve ser compreendido em relação ao seu conteúdo, que não é o dinheiro, nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado.” (Da Responsabilidade Civil, 6ª edição, vol. II, pág. 414).

Entretanto, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Vale dizer que a dor, o vexame, o sofrimento e a humilhação são consequências e não causas, caracterizando dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém alcançando de forma intensa, a ponto de atingir a sua própria essência.

Neste caso o prejuízo moral dos autores é inquestionável em razão da patologia a que foi acometida o primeiro autor e indiscutivelmente afetou a vida da família, o que configura um dano passível de reparação.

Feitas tais considerações, cabe enfrentar a questão do quantum da indenização por dano moral, uma vez que após a Constituição Federal/88 não há mais nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela ou tarifa a ser observada pelo juiz na tarefa de fixar o valor da indenização.

Em doutrina, predomina o entendimento de que a fixação da reparação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, adequando aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

O bom senso dita que o juiz deve levar em conta para arbitrar o dano moral a condição pessoal do lesado, caracterizada pela diferença entre a situação pessoal da vítima sem referência a valor econômico ou posição social, antes e depois do fato e a extensão do dano (artigo 944 do Código Civil), sem caráter punitivo.

Assim, o valor do dano deve ser fixado com equilíbrio e em parâmetros razoáveis, de molde a não ensejar uma fonte de enriquecimento da vítima, vedado pelo ordenamento pátrio, mas que igualmente não seja apenas simbólico.

Releva notar que por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, será sempre detentor de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade – atributos do ser humano – mais preciosos que o patrimônio.

Nesse contexto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade fixo o valor da reparação em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos autores.

Os autores pretendem indenização por dano material no valor de R$ 27.467,25 (vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e sete reais e vinte e cinco centavos) referentes a despesas, que estão comprovadas pelos documentos de ID 26130628, pág. 6 a 21, ID 26130643, pág. 1 a 21, ID 26130658, pág. 1 a 21, ID 26130685, pág. 1 a 16, que não foram impugnados pelo réu, portanto, esse valor deverá prevalecer.

A segunda autora afirma que em razão da síndrome do primeiro autor não pode mais trabalhar para cuidar do filho e, de fato, não há como negar todo o trabalho e cuidado que um filho especial requer, fato público e notório, portanto, independe de prova.

Contudo, a pretensão de recebimento de indenização mensal pela média de salário que recebia do réu não pode prevalecer, pois conforme se verifica do documento de ID 26130628, a segunda autora tinha contrato de trabalho temporário, portanto, vínculo de natureza precária, o que afasta a alegação de que durante todo o período pretendido receberia essa quantia.

Assim, deverá prevalecer o valor de um salário mínimo até a data em que completar 60 (sessenta) anos de idade, qual seja em dezembro de 2040, portanto, esse pedido é procedente em parte.

Os autores pretendem a fixação de pensão mensal vitalícia para o primeiro autor, que em razão da doença jamais terá condições laborais e para justificar o valor pleiteado afirmam que haverá necessidade de contratação de uma babá, mas não há nenhuma comprovação das referidas despesas, portanto, não ficou demonstrado que esse valor se justifica.

Não há comprovação de tratamento em rede privada de saúde, salvo despesas com plano de saúde dos pais, mas de qualquer forma o réu disponibiliza o atendimento na rede pública de saúde e apenas no caso de recusa de atendimento se justificaria o encaminhamento para a rede privada, por isso, o valor da pensão deverá ser fixado em um salário mínimo.

Evidentemente que uma pessoa especial demanda maiores cuidados e, consequentemente, maiores gastos, mas em razão da total ausência de comprovação a justificar a fixação em valor superior deverá prevalecer o mínimo.

As pensões serão fixadas com base em salários mínimos para que sofram atualizações monetárias automaticamente.

No que tange aos encargos moratórios deve ser destacado que há enorme divergência jurisprudencial com relação à condenação da Fazenda Pública, pois a questão sobre o índice de correção monetária a ser utilizado gerou intensa discussão jurídica, culminando com a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 11.960/2009, neste particular.

Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 4357/DF e 4425 o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com alteração implementada pela Lei nº 11.960/2009, em março de 2013.

No entanto, a despeito de ter declarado a inconstitucionalidade daqueles dispositivos, dentre inúmeros outros, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu quanto à modulação dos efeitos de sua decisão que o dispositivo legal deve ser aplicado até 25/03/2015 e, por conseguinte, a partir da referida data estabeleceu a substituição do índice de correção monetária pelo índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o efeito desta decisão seria apenas para a fase posterior à expedição das requisições de pagamento, pois na fase antecedente prevalece a sistemática da lei declarada inconstitucional ou o estabelecido no título judicial, o que demonstra que o juiz não está obrigado a seguir a sistemática desta norma, já que não há decisão final e vinculante.

Todavia, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o efeito desta decisão seria apenas para a fase posterior à expedição das requisições de pagamento, pois na fase antecedente prevalece a sistemática da lei declarada inconstitucional, sendo difícil compreender como um determinado índice de correção monetária seja inconstitucional para um período, mas não para outro.

Porém, o Supremo Tribunal Federal novamente mudou de posicionamento, já que em 20/9/2017 julgou o RE 870947 fixando as seguintes teses:

1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.

Assim, verifica-se sem muita dificuldade que foi reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária.

Verifica-se da referida decisão que não ficou estabelecido qual o índice deveria ser utilizado, porém tem-se que deve ser o IPCA-E, índice utilizado nas referidas decisões a partir desta data.

Os juros de mora deverão ser de 0,5% (meio por cento) ao mês a contar da citação, conforme artigo 405 do Código Civil.

Com relação à sucumbência incide a norma do § 3º, I do artigo 85, que estabelece os percentuais sobre o valor da condenação. A causa não apresenta complexidade jurídica, portanto o valor deverá ser fixado no mínimo legal.

A sucumbência deverá ser rateada entre as partes, mas não de forma proporcional, pois os autores obtiveram êxito em todos os pedidos, com exceção dos valores pretendidos, mas no que tange ao dano moral a fixação em valor inferior ao pretendido não significa sucumbência parcial, conforme. súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça, portanto, os autores deverão arcar com 20% (vinte por cento) e o réu com 80% (oitenta por cento) da sucumbência. Considerando essa proporcionalidade e que o réu foi vencido na quase totalidade dos pedidos ele deverá arcar integralmente com os honorários periciais.

Foi deferida gratuidade de justiça aos autores, mas a concessão desse benefício não afasta a responsabilidade pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, ficando, contudo, tais obrigações sob condição suspensiva de exigibilidade (artigo 98, §2º e 3º do Código de Processo Civil).

Em face das considerações alinhadas JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, O PEDIDO para condenar o réu a reparar o dano moral no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos autores, com correção monetária pelo IPCA-E a partir desta data, indenizar o dano material no valor de R$ 27.467,25 (vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e sete reais e vinte e cinco centavos), com atualização monetária a partir do ajuizamento da ação, pagamento de pensão mensal vitalícia de um salário mínimo ao primeiro autor a partir da data do parto e indenização dos lucros cessantes à segunda autora no valor mensal de um salário mínimo a partir da data do parto até dezembro de 2040 e sobre o dano moral e parcelas vencidas deverão incidir juros de mora de 0,5% (meio por cento) a contar da citação e, de consequência, julgo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Em respeito ao princípio da sucumbência condeno as partes, em 20% (vinte por cento) para os autores e 80% (oitenta por cento) para o réu ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Deixo de condenar em custas em razão da isenção legal e gratuidade da justiça, mas condeno o réu ao pagamento dos honorários periciais nos termos da decisão de ID 41383847.

Após o trânsito em julgado aguarde-se por trinta dias a manifestação do interessado, no silêncio dê-se baixa e arquivem-se os autos.

BRASÍLIA-DF, Terça-feira, 17 de Março de 2020.

MARA SILDA NUNES DE ALMEIDA
Juíza de Direito

Erro Médico
Créditos: Michał Chodyra / iStock
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