A juíza de direito do 6º Juizado Especial Cível da Comarca de Brasília (DF) condenou as Casas Bahia Comercial a indenizar um cliente que aguardou mais de 12 meses para que o estorno de uma compra fosse realizado. A demandada terá também que devolver em dobro os valores pagos pelo autor.
Afirma o autor que, ao adquirir um aparelho celular, pagou parte do valor parcelado no cartão de crédito, porém mudou de ideia e efetuou o pagamento à vista em espécie. Ele conta que a ré se comprometeu a estornar o valor parcelado, no entanto, as parcelas continuaram a ser cobradas em sua fatura. O demandante destaca também que entrou em contato com a demandada por diversas vezes, no entanto, a situação não foi solucionada. Por isso, ele pleiteia a restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente e a indenização a título de danos morais.
Em sua contestação, a demandada alega que requereu o estorno à administradora de cartão de crédito e que não pode ser responsabilizada pela omissão de terceiros. Segundo as Casas Bahia, os pedidos devem ser julgados improcedentes.
Ao decidir, a juíza de direito ressaltou que a demandada responde solidariamente com a operadora do cartão de crédito por eventual falha na prestação do serviço, que, no caso, é a ausência da realização do estorno. O demandante, de acordo com os documentos juntados aos autos, pagou indevidamente 10 parcelas da compra realizada junto à demandada, o que deve ser ressarcido. “No caso, a cobrança foi indevida, ante a quitação prévia feita pelo autor. O autor pagou os valores e a ré não demonstrou a existência de engano justificável. Portanto, a devolução deve ser feita de forma dobrada”, afirmou a magistrada.
Quanto ao pedido de indenização a título de danos morais, a juíza entendeu ainda ser cabível, uma vez que a demandada era a única que poderia abreviar a espera do demandante pela resolução do problema. “No entanto, passados mais de 12 (doze) meses desde a primeira reclamação do autor, a ré não realizou o estorno, não comprovou tê-lo solicitado, obrigando o autor a fazer inúmeras reclamações, inclusive em site especializado, culminando com esta ação”, pontuou.
Dessa forma, a ré foi condenada a pagar ao demandante a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais. A demandada terá também que restituir ao demandante, já com a dobra legal, o valor de R$ 2.059,40 (dois mil e cinquenta e nove reais e quarenta centavos).
Cabe recurso da decisão de primeira instância.
Processo: 0751140-51.2019.8.07.0016 – Sentença (inteiro teor para download).
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor da sentença:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
6JECIVBSB
6º Juizado Especial Cível de Brasília
Número do processo: 0751140-51.2019.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: ROGERIO NUNES DA SILVA JUNIOR
RÉU: CASA BAHIA COMERCIAL LTDA.
SENTENÇA
Trata-se de processo de conhecimento no qual o autor afirma que adquiriu um celular da requerida; que parte do preço foi pago mediante parcelamento em cartão de crédito; que mudou de ideia e resolveu pagar o valor parcelado no cartão à vista, em espécie, para a requerida; que a requerida se comprometeu a estornar o valor do parcelamento no cartão; que as parcelas continuaram a ser debitadas; que a ré não resolveu a situação mesmo após diversos contatos; que sofreu dano moral. Pede a restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente, além de compensação por danos morais.
A ré afirma que solicitou o estorno à administradora; que reuniu todos os esforços para solucionar a questão; que agiu de boa-fé; que não pode ser responsabilizada pela omissão da administradora; que não há dever de restituição e nem dano mora a ser indenizado. Pede a improcedência do pedido.
Réplica no ID 54357556 na qual o autor afirma que não ocorreu o estorno.
Juntadas as faturas pelo autor, a requerida reiterou os argumentos da contestação.
DECIDO.
O processo comporta julgamento antecipado, conforme inteligência do art. 355, inciso I, do CPC.
DO MÉRITO
De início, cumpre observar que se aplicam ao caso os ditames do Código de Defesa do Consumidor, pois as partes se enquadram nos conceitos previstos nos arts. 2º e 3º daquele diploma legal.
Com efeito, a responsabilidade civil no CDC assenta-se sobre o princípio da qualidade do serviço ou produto, não apresentando a qualidade esperado o serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstancias relevantes, dentre as quais se destacam o modo de prestação do seu fornecimento e o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 14, § 1º, I e II do CDC).
A responsabilidade objetiva do fornecedor em tais casos somente será ilidida se ficarem comprovados os fatos que rompem o nexo causal, ou seja, deve o fornecedor provar que, tendo o serviço sido prestado o defeito inexistiu ou o fato exclusivo do consumidor ou de terceiro. A dicção do § 3º do art. 14 do CDC é muito clara ao criar a inversão ope legis do ônus da prova da inexistência do fato do serviço, ao estabelecer que “o fornecedor do serviço só não será responsabilizado quando provar…”. Assim, o ônus de provar que o estorno foi solicitado e realizado era da ré, que dele não se desincumbiu.
Cumpre observar que a ré, a despeito de ter afirmado na contestação que solicitou o estorno, não comprovou essa alegação nos autos. Ademais, ainda que tenha havido a solicitação, a ré responde solidariamente com a operadora do cartão de crédito por eventual falha na prestação do serviço consubstanciada na ausência da realização do estorno.
A documentação trazida aos autos evidencia que o autor pagou indevidamente as 10 (dez) parcelas da compra realizada junto à ré, no valor total de R$ 1.029,70 (mil e vinte e nove reais e setenta centavos), o qual deve ser ressarcido pela ré.
Para que haja a devolução em dobro do indébito, é necessária a comprovação de três requisitos, conforme o parágrafo único do artigo 42 do CDC, a saber: (i) que a cobrança realizada tenha sido indevida; (ii) que haja o efetivo pagamento pelo consumidor; e (iii) a ausência de engano justificável (Precedente: Acórdão n.858348, 20140111183266APC, Relator: SIMONE LUCINDO, Revisor: NÍDIA CORRÊA LIMA, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 25/03/2015, Publicado no DJE: 09/04/2015. Pág.: 149). O erro justificável disposto na lei deverá ser demonstrado pelo fornecedor a fim de afastar a sanção imposta no mencionado dispositivo legal.
No caso, a cobrança foi indevida, ante a quitação prévia feita pelo autor. O autor pagou os valores e a ré não demonstrou a existência de engano justificável. Portanto, a devolução deve ser feita de forma dobrada, o que resulta no valor de R$ 2.059,40 (dois mil e cinqüenta e nove reais e quarenta centavos)
Passo à análise do pedido de compensação por dano moral.
Nas relações de consumo, diferentemente das relações contratuais paritárias, reguladas pelo Código Civil, o que se indeniza a título de danos morais é o descaso, a desídia, a procrastinação da solução de um pedido do consumidor sem razão aparente por mais tempo do que seria razoável. E dois são os argumentos para tal posicionamento nas relações de consumo: 1) O CDC consagra o direito básico de todo consumidor à reparação de danos, sejam materiais, sejam morais, traduzindo-se esse direito como o direito de indenização dos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos, por assistência deficiente ou por violação do contrato de fornecimento. Trata-se de importante mecanismo de controle contra práticas comerciais abusivas, exigindo dos fornecedores condutas compatíveis com a lealdade e a confiança; e 2) O caráter protetivo do CDC, que busca a equalização das forças contratuais em favor da parte mais fraca, no caso o consumidor, pois quem detém a possibilidade de resolver o problema que aflige o contratante é o fornecedor. É ele que detém a primazia nas ações que podem resolver os transtornos a que é submetido o consumidor, o qual não tem qualquer ingerência sobre o processo de fornecimento do serviço.
No caso dos autos, a única que podia abreviar a espera da parte autora era a ré. No entanto, passados mais de 12 (doze) meses desde a primeira reclamação do autor, a ré não realizou o estorno, não comprovou tê-lo solicitado, obrigando o autor a fazer inúmeras reclamações, inclusive em site especializado, culminando com esta ação.
O cumprimento dos deveres deve se pautar pela solidariedade entre ambos os contratantes na consecução dos objetivos do contrato. Não pode o fornecedor, porque detém a primazia na condução do contrato, impor o atendimento de somente seus interesses, em detrimento dos interesses do consumidor. É exatamente para equalizar as forças contratuais nessas situações que existe o CDC!
Em relação ao dano moral nas relações de consumo, em que pese não exista uma relação exaustiva de hipóteses, deve o juiz atentar, em cada caso, para que a aplicação do CDC sirva para modificar as práticas existentes atualmente. Na lição de Claudia Lima Marques, “de nada vale a lei (law in the books), se não tem efeitos práticos na vida dos consumidores (law in action) e no reequilíbrio das relações de poder (Machtpoistionen) e relações desequilibradas e mesmo ilícitas. (…) Os danos materiais e morais sofridos pelo consumidor individual, porém, devem ser todos ressarcidos, pois indenizar pela metade seria afirmar que o consumidor deve suportar parte do dano e autorizar a prática danosa dos fornecedores perante os consumidores.” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 695).
Deve ficar consignado, por fim, que enquanto não houver uma mudança de mentalidade em relação aos direitos dos consumidores contra o tratamento desidioso e desrespeitoso imposto por fornecedores de serviço, que, quando questionados, se limitam a dizer que sua pratica caracteriza-se como mero aborrecimento e que o consumidor não provou seu direito, as conquistas positivadas no CDC não serão implantadas em sua inteireza.
Quanto ao valor da indenização, sopesando as circunstâncias do processo e os requisitos jurisprudenciais usualmente utilizados para a fixação do “quantum debeatur”, tenho que o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) é suficiente para a compensação dos danos experimentados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para condenar a ré a restituir ao autor, já com a dobra legal, o valor de R$ 2.059,40 (dois mil e cinqüenta e nove reais e quarenta centavos), acrescido de correção monetária pelo INPC desde os desembolsos e juros de mora de 1% ao mês contados da citação. Condeno a ré ainda a compensar a parte autora pelos danos morais suportados no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC a partir da sentença e acrescido de juros de mora de 1% a partir da citação.
Resolvo o mérito da demanda, nos termos do art. 487, I do CPC.
Transitada em julgado, intime-se a parte requerida para efetuar o pagamento, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 523, § 1º do Código de Processo Civil c/c art. 52, inciso III da Lei nº 9.099/95.
Sem custas e honorários advocatícios, conforme disposto no artigo 55, “caput” da Lei n° 9.099/95.
Após, não havendo provimentos jurisdicionais pendentes, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Publique-se. Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se.
Brasília-DF, 30 de março de 2020.
Marília de Ávila e Silva Sampaio
Juíza de Direito