A bióloga Márcia Chame, que está à frente de um projeto de biodiversidade da Fiocruz, informou que, para ampliar a base de dados utilizados nas pesquisas, é preciso aumentar os meios de monitoramento das informações. Com o aplicativo, os especialistas recebem os dados regionais diretamente das populações.
“Acreditamos que a sociedade é parte do processo. Por isso, desde 2005 começamos a desenvolver um aplicativo em que qualquer pessoa no país pode nos ajudar no monitoramento de animais silvestres. Não só macacos, mas carnívoros, roedores e todo tipo de animais”, disse.
O aplicativo permite receber uma série de registros, inclusive fotos. “Ele funciona off line, de modo que no meio do campo há um georreferenciamento. As pessoas podem checar seus dados no mapa disponível e atrás dessas informações temos esses modelos.”
A professora acrescentou que, embora exista a sensação de que a febre amarela é uma doença nova no Brasil, ela veio da África há muito tempo e hoje alarma a população. Assim como a febre amarela veio de fora, a movimentação atual de pessoas no mundo pode levar o vírus para diversos lugares.
Vetores
“Em 24 horas, uma pessoa pode sair da China, pousar em Paris e depois seguir para o Brasil”, comentou a bióloga sobre o que classificou de compartilhamento de doenças e de agentes infecciosos com outros animais. “Isso faz parte da biodiversidade”.
A pesquisadora destacou ainda que existem alterações genéticas de vetores e parasitas e, com isso, todos os organismos vão se adaptando. A dinâmica, conhecida há 20 anos, hoje pode ser completamente diferente. Márcia descartou que o Brasil esteja atravessando uma epidemia de febre amarela.
Conforme a especialista, o que ocorre são surtos distribuídos. Ela afirmou que os macacos são hospedeiros extremamente favoráveis à doença. Com 118 espécies do animal, o Brasil é o país que mais tem espécies de primatas no mundo. “Todas as nossas espécies são suscetíveis à febre amarela. Isso mão significa que não exista febre amarela vírus em outras espécies. Precisamos estudar mais isso.”
De acordo com Márcia Chame, o que se vê hoje no Brasil é um ciclo silvestre. Ela analisou o cenário do local onde morava o homem que morreu da doença em Casimiro de Abreu, município do Rio de Janeiro, e constatou que a paisagem é uma clareira no meio da floresta. “É uma área quase circular, onde foi feita uma plantação. Para o mosquito é uma área natural. Com uma diferença, havia uma oferta de sangue humano da família que morava ali.”
Estudos
Para a pesquisadora, as áreas de declives determinam andares diferenciados de florestas e as espécies se distribuem nos andares. Há macacos que ficam mais no alto das árvores e outros em níveis mais baixos. Os mosquitos acompanham esses níveis. Com isso, as pessoas acabam sendo alvo dos mosquitos infectados e levam os vírus para outros locais. “As pessoas entram nas florestas e cada vez mais as populações avançam nessas áreas”, disse.
Segundo Márcia Chame, são muitos os fatores para o surgimento da febre amarela, porque os ciclos são complexos, especialmente pela variedade nas espécies de macacos e mosquitos. Os estudos mostram que, desde 1980, a cada sete anos surge um ciclo novo de febre amarela.
“O que se tem de dados é que os ciclos coincidem com o restabelecimento das populações de bugios [macacos]. A febre amarela entra em determinado lugar e mata os bugios suscetíveis. Os que conseguem resistir ficam imunes, como as pessoas. Para que tenha uma nova população com indivíduos suscetíveis, essa população tem de se repopular. Isso vai demorar uns sete anos.”
Márcia Chame informou que a Fiocruz trabalha com uma base de dados relativa ao período entre 2000 e 2016, com análise de 620 casos, utilizando um cruzamento de informações de diversos órgãos. Os estudos também mostraram que um período importante de seca, antes do início das chuvas, favorece um número maior de mosquitos. “É como se todos os ovos dos mosquitos estivessem esperando uma chuva favorável [para eclodir]”. Depois dessa etapa, eles se dispersam e acabam atacando macacos, que, por causa da seca, fugiram para outras regiões a procura de alimentos.
Ação do mosquitos
Para o professor Ricardo Lourenço, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), os principais transmissores de febre amarela são os mosquitos Haemagogus leucocelaenus, que têm o corpo preto e patas em listras, e o Haemagogus janthinomys, com corpo brilhoso e colorido e patas sem listras. Lourenço revelou ainda que eles não atuam à noite.
“Febre amarela é uma doença do dia. Mosquitos não picam à noite. São brilhosos e se orientam pelo reflexo da luz nas escamas brilhosas. São mosquitos diurnos e transmitem [a doença] durante o dia. Podem picar humanos dentro da floresta ou fora dela”.
O professor esclareceu que normalmente somente as fêmeas transmitem a doença, mas pode ocorrer a transmissão por machos nascidos de fêmeas infectadas.
Lourenço afirmou que equipes da Fiocruz estão fazendo controle de mosquitos com a instalação de armadilhas nas árvores de Casimiro de Abreu. O material é coletado e analisado no laboratório do IOC por uma equipe de 42 pessoas. Com as análises, é possível identificar os tipos de mosquito da região e checar ainda a quantidade de mosquitos com a distinção entre machos e fêmeas.
Infecção
O professor André Siqueira, infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fiocruz, informou que, no caso da febre amarela, pode haver o registro de pessoas infectadas com quadro bem leve. Segundo Siqueira, a partir da infecção há o período de incubação de três a seis dias em que o vírus está no organismo, mas ainda não se manifestou. Depois tem o período de infecção em igual período quando o vírus está se replicando no organismo em grande quantidade.
É nesse momento que surge a febre acima de 40 graus, associada às dore de cabeça, costas e tonturas. Em seguida, o paciente pode passar por um tempo de melhora entre duas a 24 horas. Após essa etapa, podem surgir complicações com as infecções no fígado, a dor no estômago que podem evoluir até a morte em algumas situações.