Site OLX é condenado por falha em segurança que permitiu golpe via aplicativo de mensagens

Data:

Site OLX
Créditos: Michał Chodyra / iStock

O juiz substituto do 1º Juizado Especial Cível de Águas Claras, no Distrito Federal, condenou a empresa responsável pelo site OLX, Bom Negocio Atividades de Internet Ltda., pelos danos causados em razão de falha na segurança de dados, a qual possibilitou que terceiros usassem as informações do demandante para aplicar golpes em amigos e parentes por meio do aplicativo WhatsApp.

A parte autora demandou judicialmente o site OLX e o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, responsável pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, na qual narrou que se cadastrou no site de vendas para realizar anúncio de seu carro, oportunidade em que foi contatado por suposto funcionário do site OLX, que exigiu, para ativação do anúncio, que o demandante informasse um código enviado para seu celular por mensagem SMS.

O demandante agiu de acordo com a solicitação e teve seu perfil do aplicativo WhatsApp clonando por golpistas que pediram dinheiro emprestados a seus contatos, dos quais 4 foram enganados e realizaram depósitos.

As demandadas apresentaram defesa, nas quais, em resumo, defenderam que não cometeram falha na prestação de seus serviços, que os atos ilícitos foram praticados por terceiros e por culpa exclusiva da vítima, assim, não podem ser responsabilizados.

O magistrado entendeu que o site OLX falhou em proteger os dados do demandante, que foram usados por fraudadores, logo deve ressarcir os danos materiais sofridos. “A parte ré deve zelar pela adoção e manutenção de sistemas que se mostrem, efetivamente, seguros e confiáveis ao usuário, capazes de impedir a ação de fraudadores ou terceiros, evitando-se flagrante exposição de consumidor a dano potencial. Ausente “in casu” a segurança que se espera diante da indiscutível capacidade econômico-financeira da ré.”

Quanto ao Facebook, o juiz de direito esclareceu que não ficou comprovada nenhuma falha na prestação de seu serviço, razão pela qual julgou o pedido improcedente.

A decisão não é definitiva e cabe recurso.

Processo: 0716567-72.2019.8.07.0020 – Sentença (inteiro teor para download)

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor da Sentença:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

1JECIVAGCL
1º Juizado Especial Cível de Águas Claras

 

Número do processo: 0716567-72.2019.8.07.0020

Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

AUTOR: LUCAS DE SOUZA RODRIGUES

RÉU: BOM NEGOCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA, FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

SENTENÇA

Trata-se de processo de conhecimento proposto por AUTOR: LUCAS DE SOUZA RODRIGUES em face de RÉU: BOM NEGOCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA e FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, “caput”, da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Decido.

Afasto a preliminar de ilegitimidade passiva apontada pela requerida BOM NEGÓCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA (empresa responsável pelo site OLX) frente ao pedido autoral. É que a presente hipótese envolve relação de consumo, regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor que dispõem a respeito da responsabilidade solidária das pessoas jurídicas envolvidas no fornecimento de produtos e prestação de serviços colocados à disposição do consumidor (CDC, art. 7º, parágrafo único e parágrafo primeiro, art. 25).

No caso, a empresa ré é parte legítima para figurar no pólo passivo eis que se apresenta como empresa intermediadora de negociações de compra e venda de mercadorias realizadas pela internet, disponibilizando espaço virtual ao vendedor e aproximando este dos consumidores, participando, portanto, da cadeia de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo, mantendo relação jurídica ativa com os consumidores.

Afasto, também, a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”), uma vez que a parte autora lhe imputa conduta ilícita, conforme os fatos narrados na inicial (teoria da asserção), cabendo a ausência de responsabilidade ser apreciada no momento da análise do mérito. Ademais, é fato público a aquisição da Whatsapp Inc. pela FACEBOOK, compondo o mesmo grupo econômico e se confundindo ante a perspectiva do consumidor, devendo, portanto, responder forma objetiva e solidária pelos danos causados.

Presentes as condições da ação e pressupostos processuais, passo a análise do mérito.

O presente feito comporta julgamento antecipado, pois os documentos juntados aos autos são suficientes à solução da lide (CPC, artigo 355, inciso I).

A relação estabelecida entre as partes é, a toda evidência, de consumo, consoante se extrai dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90, inferindo-se do contrato entabulado entre as partes que a parte ré é prestadora de serviços, sendo a parte autora, seu destinatário final. Nesse contexto, a demanda deve ser apreciada sob o prisma consumerista.

Com efeito, a responsabilidade civil no CDC assenta-se sobre o princípio da qualidade do serviço ou produto, não apresentando a qualidade esperado o serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, dentre as quais se destacam o modo de prestação do seu fornecimento e o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 14, § 1º, I e II do CDC).

A responsabilidade objetiva do fornecedor em tais casos somente será ilidida se ficarem comprovados os fatos que rompem o nexo causal, ou seja, deve o fornecedor provar que, tendo o serviço sido prestado o defeito inexistiu ou o fato exclusivo do consumidor ou de terceiro. A dicção do § 3º do art. 14 do CDC é muito clara ao criar a inversão ope legis do ônus da prova da inexistência do fato do serviço, ao estabelecer que “o fornecedor do serviço só não será responsabilizado quando provar…”. Assim, é do réu o ônus de provar fato excludente de sua responsabilidade.

No caso, a parte ré BOM NEGÓCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA (OLX) não se desincumbiu do ônus de demonstrar a segurança que se espera na utilização dos serviços, permitindo que terceiros fraudadores, a partir de dados do consumidor extraídos dos cadastros da referida empresa, realizassem a clonagem da linha telefônica do requerente e tivessem fácil acesso ao aplicativo de mensagens, induzindo parentes e amigos à realizarem transferências bancárias de valores na conta de estelionatários.

Tendo em vista a verossimilhança da alegação da parte autora, em face do registro de ocorrência policial (id 50612091), dos comprovantes de transferências bancárias (id 50612113), do anúncio no site da empresa ré (id 50612125), da reclamação efetuada pelo autor via e-mail (id 50612140), das conversas via aplicativo e mensagem de celular com código de verificação (id 50612189), e da vulnerabilidade técnica e informacional da parte autora, cabível se mostra a inversão do ônus da prova, nos termos do Art. 6º, inciso VIII, do CDC.

Com efeito, a parte autora não possui meios para provar que não efetuou o pedido de transferência bancária reclamada.

As provas documentais apontam que o suposto estelionatário entrou em contato com amigos e parentes do requerente logo após a realização do anúncio no site da OLX, induzindo o requerente a acreditar se tratar de funcionário da referida empresa e solicitando o código de autenticação (id 50612189) com o objetivo de clonar a linha telefônica do requerente.

Nos termos do art. 14, § 1º, I e II do CDC, não restou comprovada as excludentes da responsabilidade do fornecedor, porquanto a fragilidade do sistema da requerida OLX possibilitou a ação de estelionatários, havendo negligência e ausência de segurança que a prestação de serviços dessa natureza recomenda.

A parte ré deve zelar pela adoção e manutenção de sistemas que se mostrem, efetivamente, seguros e confiáveis ao usuário, capazes de impedir a ação de fraudadores ou terceiros, evitando-se flagrante exposição de consumidor a dano potencial. Ausente “in casu” a segurança que se espera diante da indiscutível capacidade econômico-financeira da ré.

O fato da empresa requerida também ser vítima de fraude não elide a sua responsabilidade que é objetiva e fundada na Teoria do Risco da Atividade Negocial (art. 927, parágrafo único do CCB).

A parte ré se limitou a se isentar de qualquer responsabilidade e imputá-la ao autor, sem produzir qualquer prova neste sentido, não se desincumbindo, assim, do seu ônus probatório, decorrente da inversão do ônus da prova, já mencionada.

Reconhecida a falha na prestação de serviços, deve o requerido BOM NEGÓCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA (OLX),  ressarcir o requerente pelos valores transferidos aos fraudadores, uma vez que não demonstrada qualquer participação do requerente na fraude perpetrada.

Por outro lado, em relação ao réu FACEBOOK BRASIL, não restou demonstrado qualquer falha na prestação dos serviços, em especial na segurança de seus sistemas, isso porque o aplicativo WhatsApp é vinculado a uma conta telefônica, sobre a qual a empresa não possui ingerência, não podendo, portanto, ser responsabilizada por eventuais clonagens da linha telefônica e pelos danos causados por este meio de comunicação.

O próprio autor confirma que o código de verificação, enviado via mensagem de celular, foi por ele fornecido ao suposto estelionatário, o que permitiu a clonagem de sua linha telefônica e o acesso ao aplicativo. Nesse caso, o acesso ao aplicativo decorreu da clonagem da linha telefônica da parte autora, e não de falha no sistema de segurança do aplicativo.

Trata-se de hipótese de excludente da responsabilidade do fornecedor, fundada em caso fortuito externo, pois não guarda qualquer relação com a segurança ou qualidade do produto ou serviço oferecido ao consumidor. Impor a responsabilidade ao aplicativo WHATSAPP nessa hipótese seria uma imposição de responsabilidade objetiva fundada no risco integral, não acolhida pelo Código de Defesa do Consumidor.

 No que tange aos danos morais, não decorre dos autos nenhum desdobramento lógico e automático que configurasse, por si mesmo, alguma violação ao equilíbrio psicológico do consumidor demandante, ao menos na intensidade necessária para ser juridicamente relevante. É que a meu sentir, não decorre dos fatos alegados, nenhuma presunção de que deles adviessem circunstâncias deletérias aptas e intensas ao ponto de violar a dignidade da pessoa humana.

Caberia ao autor demonstrar de forma concreta e objetiva como os desdobramentos do descumprimento contratual o teria atingido no cotidiano da vida, a fim de que, assim, pautado em elementos concretos e objetivos se pudesse aferir com precisão, se tais desdobramentos, de fato, se mostraram capazes de violar a dignidade de sua pessoa na magnitude pretendida em sua inicial. No entanto, não incidiu qualquer restrição contra a sua pessoa; não há notícia de que tenha sofrido algum desajuste em sua economia doméstica em decorrência do pagamento indevido e muito menos de que tivera o nome ou imagem violados pelos fornecedores do serviço.

Trata-se, portanto, de mero descumprimento contratual, cujas conseqüências e dissabores são comuns aos entraves da vida moderna ordinária, não constituindo causa eficiente e autônoma para a configuração do dano moral, o qual constitui regra de exceção, não merecendo guarida o pleito indenizatório.

Em face de todo o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos em relação ao réu FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (“Facebook Brasil”). Por outro lado, julgo  PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para condenar o réu BOM NEGÓCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA (OLX)  a pagar ao requerente a quantia de R$ 2.250,00 (dois mil e duzentos e cinqüenta reais), corrigida monetariamente a contar da data do ato ilícito (10/10/2019),  e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação.

Sem custas e honorários advocatícios, conforme disposto no artigo 55, “caput” da Lei Federal n° 9.099/95. No que tange a eventual pedido de gratuidade de justiça, deixo de conhecê-lo, tendo em vista o disposto no artigo mencionado. Logo, em caso de recurso inominado, deverá a parte interessada submeter referido pedido à e. Turma Recursal, na forma do artigo 115 do Regimento Interno das Turmas Recursais do e. TJDFT.

 Após o trânsito em julgado, cumpre à parte autora solicitar por petição o início da execução, instruída com planilha atualizada do cálculo, conforme regra do art. 509 do CPC e do art. 52, IV, da Lei nº 9.099/95.

Passada em julgado, promova-se a baixa e arquivem-se.

Publique-se. Intime-se.

Águas Claras, DF.

 Documento assinado eletronicamente pelo Juiz de Direito / Juiz de Direito Substituto abaixo identificado, na data da certificação digital.

Assinado eletronicamente por: CHRISTIANE NASCIMENTO RIBEIRO
17/03/2020 14:43:21
https://pje.tjdft.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 59514206
Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.