Por unanimidade, a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negou excludente de ilicitude a um técnico em enfermagem, de cidade no Alto Vale do Itajaí, que pegou medicamentos “emprestados” de uma unidade do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
A Quarta Câmara Criminal, em matéria sob a relatoria do desembargador Luiz Antônio Zanini Fornerolli, decidiu manter a condenação do servidor público pelo crime de peculato. Os magistrados entenderam que o técnico em enfermagem poderia ter prejudicado pacientes que, diante da necessidade dos medicamentos retirados, teriam o atendimento de alguma forma dificultado.
Com uma enxaqueca, segundo a denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), o técnico em enfermagem foi até a unidade onde trabalhava no dia 3 de março de 2015, perto das 21 horas, e subtraiu 3 (três) ampolas de Cetoprofeno, 2 (duas) ampolas de Voltaren, 2 (duas) seringas e 2 (duas) agulhas, valendo-se da qualidade de funcionário. Passadas 2 (duas) semanas, o técnico em enfermagem foi convocado pelo secretário de Administração e garantiu realizar a devolução o material retirado sem autorização. De acordo com os autos, os remédios foram devolvidos apenas na abertura do processo disciplinar, meses depois.
Sentenciado a oito meses de reclusão, em regime aberto, mais três dias-multa, o réu teve a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direito fixada em um salário mínimo. Por receber remuneração acima de R$ 2.000,00 (dois mil reais), o técnico em enfermagem ainda foi condenado a realizar o pagamento de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) referentes à verba honorária do assistente judiciário.
Por decorrência da condenação em primeiro grau, o réu recorreu ao TJ de Santa Catarina para pugnar por sua absolvição. Sustentou que agiu em premente estado de necessidade, tendo em vista que passava por grave crise de enxaqueca e o comércio local já estava fechado àquela hora. Com isso, acrescentou, teve que buscar os medicamentos no posto do Samu a título de empréstimo. Sustentou a ausência do dolo na conduta.
“O que mais parece é que o apelante, diante da posição ocupada na municipalidade, com livre acesso aos medicamentos, tomou quase como uma ‘farmácia particular’, onde poderia, a qualquer momento, retirar medicamentos que estivesse necessitando, sem pensar que essa retirada poderia impactar diretamente no serviço prestado, inclusive prejudicando pacientes que viessem a ser atendidos e que, diante da necessidade do fármaco retirado, tivessem o atendimento de alguma forma prejudicado. Logo, estando caracterizadas a materialidade, a autoria e a tipicidade do fato delituoso, e inexistindo, por outro lado, qualquer excludente de culpabilidade ou ilicitude, a manutenção da sentença condenatória é medida de rigor”, afirmou o relator em seu voto.
A sessão foi presidida pelo desembargador José Everaldo Silva e dela ainda participou o desembargador Sidney Eloy Dalabrida.
Apelação Criminal: 0000681-94.2015.8.24.0035 – Acórdão (inteiro teor para download).
(Com informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC)
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL – PECULATO (CP, ART. 312, CAPUT) – SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO DA DEFESA.
ESTADO DE NECESSIDADE – HIPÓTESE NÃO VERIFICADA – PERIGO DE VIDA ATUAL INDEMONSTRADO – SUBTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PERTENCENTES AO ESTADO PARA TRATAMENTO DE CRISE DE ENXAQUECA – SITUAÇÃO QUE PODERIA TER SIDO CONTORNADA DE FORMA DIVERSA – CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO CORRETAMENTE RECHAÇADA.
Não provado perigo com risco presente e real para salvar direito seu ou de outrem, resta descaracterizada a excludente de ilicitude do estado de necessidade.
MÉRITO – PRETENSA ABSOLVIÇÃO PELA AUSÊNCIA DE DOLO – TESE INSUBSISTENTE – PROVAS DA PLENA CONSCIÊNCIA DO RÉU SOBRE A ILICITUDE DO ATO – DELITO FACILITADO PELA CONDIÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO VINCULADO AO ATENDIMENTO MÓVEL DE URGÊNCIA LOCAL (SAMU) – MATERIAL MEDICAMENTOSO DEVOLVIDO AO ESTADO SOMENTE DEPOIS DA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – CIRCUNSTÂNCIAS QUE TORNAM INDISCUTÍVEL A INTENÇÃO REPROVÁVEL.
Havendo prova inequívoca de que o episódio não se deu por culpa, acidente ou necessidade, mas pela vontade livre e consciente do agente público de apropriar-se de coisa móvel pertencente ao Estado, a condenação soa de rigor, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moralidade administrativa.
PLEITO FORMULADO PELA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 599 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
A teor do disposto na Súmula n. 599 do Superior Tribunal de Justiça, “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.
RECURSO DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação Criminal n. 0000681-94.2015.8.24.0035, de Ituporanga, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 20-02-2020).