Uma determinada empresa inicia sua atividade com o capital de R$ 100,00 (cem reais). No primeiro ano de sua existência arca com um prejuízo de R$ 50,00 (cinquenta reais). Tendo em vista o prejuízo apurado não há tributos sobre a renda a pagar.
No ano subsequente recupera o valor perdido anteriormente, lucrando R$ 50,00 (cinquenta reais). Seu patrimônio líquido retorna ao patamar inicial, ou seja, R$ 100,00. Não obstante, em face das limitações impostas para compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores, seu resultado fiscal neste segundo ano só poderá ser reduzido em até 30%. Com isso, do prejuízo apurado no ano anterior, apenas R$ 15,00 (quinze reais), poderão ser compensados.
Assim, ao invés de retornar ao capital inicialmente investido, a empresa encerrará o seu segundo ano com um decréscimo patrimonial.
Vale lembrar que o fato gerador do imposto sobre a renda é toda forma de acréscimo patrimonial, conforme artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) e que a apuração periódica não é um princípio, mas apenas uma forma de apuração dentro de eventos continuados de receitas, ganhos, despesas e perdas, por questões de mera praticidade.
Por certo, em face da inexistência econômica de qualquer acréscimo patrimonial, não poderá haver distribuição de lucros aos sócios após o segundo período, um dos objetivos principais das empreitadas capitalistas. Mas, como se pode extrair do exemplo simplificado acima, a única beneficiada pela operação até então foi a União, situação típica de economias não capitalistas.
A denominada trava na compensação de prejuízos, ainda regulada pelo disposto nos artigos 15 e 16 da Lei 9.065/95, tem provocado duas ordens de questionamentos em litígios administrativos e judiciais: a) a da própria inconstitucionalidade da limitação e b) a de sua aplicação em casos de vedação na sucessão dos prejuízos acumulados.
A primeira, quanto à inconstitucionalidade da própria instituição da limitação, foi definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no tema 117 de Repercussão Geral, no julgamento do RE 591340/SP, restando definida a tese: “É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL”.
Afastou-se assim a debatida inconstitucionalidade da limitação em face dos princípios da isonomia, capacidade contributiva, caráter confiscatório, conceito constitucional de renda e pela alegada instituição de fato de empréstimo compulsório sem lei complementar.
Famoso adágio já assevera: decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não é definitiva porque é certa, mas é certa porque é definitiva.
Desde já vale considerar que a segunda ordem de questionamentos – para os casos de extinção de pessoas jurídicas, especialmente em casos de incorporação, fusão ou cisão, em que há vedação à sucessão dos prejuízos acumulados, importando em perda integral dos valores limitados – foi expressamente afastada do escopo daquele julgamento, tanto pelo Relator vencido, quanto pelo Redator para o Acórdão.
Nos parece que a decisão caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A matéria não é nova, por certo. Tive a honra de ser relator do primeiro julgamento sobre o tema no antigo Primeiro Conselho de Contribuintes, na lavratura do acórdão 108-06.682, em 2001, ou seja, há 19 anos.
Consignei na oportunidade que (a) expressão “sem retirar do contribuinte o direito de compensar reforça o meu entendimento de que, em casos de descontinuidade da empresa, na declaração de encerramento cabe integral compensação dos prejuízos acumulados, sendo inaplicável a trava”.
No entanto, tal posicionamento sofre contra-argumentos que podemos encontrar nas conclusões do voto do Ministro Redator para o Acórdão no RE 591340/SP, no que considera a compensação de prejuízos mera benesse fiscal.
O mesmo entendimento foi acolhido pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, no REsp 1.805.925/SP, cabendo ainda manifestação expressa da Segunda Turma.
Inobstante essa remanescente discussão no Poder Judiciário, com resultado incerto, o Brasil já deveria ter extirpado de seu ordenamento tal limitação à compensação de prejuízos, principalmente agora com a draconiana realidade da pandemia, a causar verdadeiros prejuízos à vasta maioria dos ramos de atividades.
Vale lembrar que a legislação em comento foi instituída em tempos nos quais não havia proteção às bases de cálculos dos tributos sobre a renda, havendo desde então edição de inúmeros dispositivos legais a inibir a manipulação indevida dessas bases o que impede antiga prática de manter a empresa com constantes prejuízos fiscais em planejamentos abusivos.
A conhecida trava deve ser eliminada do nosso ordenamento, em prol de se tributar apenas a verdadeira base de cálculo constitucional do imposto sobre a renda, ou seja, o acréscimo patrimonial.