Visando analisar o instituto previsto na Lei 12.850/2013 que requer uma leitura crítica e despretensiosa. Nesse momento brasileiro de tantas operações policiais e judiciais que visam combater a corrupção e a improbidade administrativa e a lavagem de dinheiro que tentam prover maior segurança ao Estado.
Destaque-se que a origem da colaboração premiada até a presente legislação de 2013, a Lei 12.850 a delação premiada é muito antiga e sempre conferindo aos seus autores diversos prêmios pela sua relevante participação na elucidação do fato delituoso investigado.
Para os mais apressados em validar a prova obtida a partir da colaboração premiada, há a lição preciosa de Manuel da Costa Andrade em sua obra intitulada Sobre as proibições de provas no processo penal, há um sábio conselho para desestimular o aproveitamento de elementos informativos obtidos a qualquer custo.
O referido doutrinador lusitano que o Estado ao investigar deverá manter uma postura ética e responsável a fim de inspirar os seus agentes a agirem em conformidade com a lei maior respeitando-se, sempre, as garantias fundamentais, ou seja, a colaboração há que se sempre obtida de forma livre e espontânea sem haver qualquer espécie de coação. Nem mesmo com o prolongamento desnecessário de medidas constritivas de liberdade: temporária e preventiva.
Seus rudimentos situam-se na Antiguidade Clássica, na Europa, mais precisamente no direito penal grego, assumindo o fim de estímulo social para combater contrabandos e assegurar o Estado. E, nesse período, o delator envolvido, na ação denunciada poderia ser perdoado e, ainda, receber uma quantia pecuniária.
Da Grécia o instituto fora reiterado no Império Romano, por volta de 27 a.C. a 476 d. C., a delação se tornou complementar da persecutio criminis, isto é, passa a ser peça fundamental e concorrente na atividade investigatória para identificar os autores, as circunstâncias e as motivações do crime, o que levou a materializar, portanto, uma estratégia imperial de centralização de poder, elucidada no princípio divide et impera, ou seja, dividir para conquistar.
Este estimulava desconfiança na sociedade, já que viabilizava o rompimento de poderes menores existentes com o fim de evitar as alianças entre os povos dominados.
Mesmos da leitura de textos da Bíblia sagrada, onde há o episódio da narrativa de delação premiada, a mais afamada no Ocidente quando Judas Iscariotes delata a identidade de Jesus de Nazaré para o Império Romano em troca de trinta moedas de prata e, o faz por um beijo público[1].
Já para Dante Alighieri, o nobre autor de “A Divina Comédia” quando expõe o mapa do inferno, escalonando-o em diversos círculos ou pavimentos em direção ao núcleo da Terra. Expôs que dependendo da iniquidade, os condenados são colocados em um ambiente mais profundo.
E, no nono e último círculo, chamado de Lago Cócite, encontram-se os que se entregaram à traição. Por sua vez, tal instância sombria ainda é subdividida em quatro valas, a saber: a primeira vala chamada de Caína (em alusão a Caim) para aqueles que se voltaram contra os próprios parentes; a segunda vala batizada de Antenora, reservada aos traidores da pátria; a terceira vala chamada de Ptolomeia, para abarcar os que insurgiram-se contra seus hóspedes e, por derradeiro, a quarte e mais tenebrosa bala, cujo nome é Judeca com explícita referência ao apóstolo Judas, onde os traidores dos benfeitores expiram por seus pecados na companhia ciosa de Lúcifer.
Com advento do Império Romano e o início da Idade Média, a delação premiada assume novos contornos, atingindo seu auge, mas sem perder a essência inicial, ao manter seu aspecto acentuado ligado à religião.
Ocorre a implantação do tribunal eclesiástico, a Santa Inquisição, com o fim de identificar os inimigos da fé da Igreja Católica e, por conseguinte, investigar e julgar, concisamente, pretensos hereges e ímpios.
Estes suspeitos de praticar a heresia, recebiam por parte do inquisidor, um prazo para uma possível indulgência para poderem denunciar-se. Se o fizessem dentro desse decurso, cumpriam uma punição mais branda e eram comumente benquistos, novamente, no recinto religioso.
Porém, eram coagidos por meio da tortura, a identificar e delatar informações detalhadas sobre todos os outros hereges que conheciam. Importante frisar que, nesse período, pouco importava se as informações eram procedentes ou verídicas.
É nítida que esta última prática de delação premiada permaneceu com uma conotação expressamente religiosa, de forma não espontânea e executada habitualmente, com o uso arbitrário da força, o que distancia em muito da atual definição proposta do instituto.
Perpassando pelo o absolutismo ,o mesmo instituto permanece com uma diretriz ideológica descomedida, visto que, os governantes ou monarcas, neste sistema de governo, não se restringiam a qualquer ditame ético e/ou legitimado, exercendo os poderes da clássica tripartição de Montesquieu, de forma indiscriminada e, a mera denúncia de um coautor da empreitada criminosa era suficiente para que o rei proferisse uma sentença condenatória ao acusado, aniquilando, categoricamente, os direitos individuais.
Com o século XVIII, o absolutismo monárquico é constantemente, acometido por críticas atrozes, incitado pelo fervor iluminista nascido na Europa. A proposta do Século das Luzes era reedificar a sociedade, utilizando-se da razão para desmistificar as ideias consolidadas na tradição e na religião, desenvolvendo o conhecimento humano através do método científico. E, neste período, inicia-se o rompimento com as usuais práticas desumanas, tais como a tortura, penas de morte, banimentos e acusações secretas e, até então vigorantes nos sistemas penais antecedentes a este.
Na Idade Moderna com a veloz evolução da sociedade humana e formação da complexidade de relações sociais, políticas e jurídicas, o instituto da delação premiada se desenvolveu sob o manto da legalidade. Passou a ser legislado e utilizado, em vários países, com o fim principal de desembaraçar os crimes praticados em concurso de agentes e, sobretudo, acompanhar o aprimoramento e sofisticação de organizações criminosas.
Segundo De Plácido e Silva, a delação significa in litteris: Originado de delatio, de deferre (na sua acepção de denunciar, delatar, acusar e deferir) é aplicado, na linguagem forense, mais propriamente, para designar a denúncia de um delito, praticado por uma pessoa, sem que o denunciante (delator) se mostre parte interessada diretamente na sua repressão, feita perante autoridade judiciária ou policial, a quem compete a iniciativa de promover a verificação da denúncia e a punição do criminoso. (…) SILVA, 2001.
Ressalte-se que a delação premiada é o ato consciente e voluntário do acusado ou indiciado, no qual admite a sua participação na obra delituosa, fornece informações de atividades ilícitas praticadas pela organização, imputa fatos criminosos aos comparsas à autoridade judiciária ou policial e, por conseguinte, facilita a desarticulação de associações criminosas.
A razão do rótulo premiada não é inócua, pois se atendido todos os requisitos exigidos em lei[2] para a concessão das benesses, acarretará a redução de pena, e até em certos casos, até mesmo a isenção absoluta da sanção penal. Convém ressaltar que a delação premiada é fruto de contrato, ou seja, de um acordo de vontades entre o suspeito e o seu causídico com os órgãos repressivos, quais sejam, o Ministério Público e a Polícia Judiciária.
Assim, o acordo deve ser avençado livremente e consensualmente, sem qualquer espécie de coação física ou moral em face ao delator. Ademais, o âmbito da delação premiada se limita às condutas ilícitas que geram a responsabilidade penal, por exemplo, não prevê o nosso arcabouço jurídico, o instituto, na seara da responsabilidade civil.
Na definição de Damásio de Jesus, in litteris: “Delação é a incriminação de terceiro, realizada por suspeito, investigado, indiciado ou mesmo réu, no bojo de seu interrogatório ou em outro ato”.
Pode-se elencar os pressupostos para a plena configuração da delação premiada, a saber:
- Consciente e voluntária admissão de prática de fato criminoso, pois caso não houver participado da infração penal, será considerado como mera testemunha ou informante que apenas presenciou as condutas delitivas; 2. Fornecer eficazes informações relativas ao funcionamento da organização criminosa; 3. Nomear os codelinquentes ou coautores de ilícitos, até aquele momento desconhecidos, que concorreram para a produção da mesma infração penal; 4. Obtenção de benefícios pelo delator, desde que preenchidos todos os requisitos em lei e, depois de verificação hábil.
Diante da implementação do instituto no Brasil há a formação de nítida polarização tanto na doutrina como na jurisprudência, principalmente no que se refere à constitucionalidade e aos ditames éticos do referido instituto. Pois, de um lado, existem os que são contrários a delação por ser eivada de inconstitucionalidades, precisamente, por violar os princípios fundamentais e garantias de Direito Penal e do Processo Penal, entre estes, o devido processo legal, os elementos institutivos do processo da ampla defesa e, ainda, do contraditório.
Afora isso, o Estado declara a sua falência de combater a criminalidade, valendo-se da institucionalização da deslealdade e da traição[3] entre os comparsas.
E, de outro lado, há os apologistas em defesa do instituto, no país verde-amarelo, que, embora seja moralmente criticável, representa franca ajuda ao Estado para combater a prática delituosa rebuscada de organizações criminosas, destarte, indagam aos que porfiam em sentido oposto, qual é afinal o repúdio por denunciar crimes? A esta posição se inclina
Guilherme Nucci, in verbis: “(…) parece-nos que a delação premiada é mal-necessário, pois o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito. (…). No universo de seres humanos de bem, sem dúvida, a traição é desventurada, mas não cremos que se possa dizer o mesmo ao transferirmos nossa análise para o âmbito do crime, por si só, desregrado, avesso à legalidade, contrário ao monopólio estatal de resolução de conflitos, regido por leis esdrúxulas e extremamente severas, totalmente distante dos valores regentes dos direitos humanos fundamentais. (NUCCI, 2008.) ”.
De fato, se pode elencar os objetivos da inclusão da delação premiada, nos diplomas legais brasileiros; a) obter a confissão do acusado; b) identificar os demais coautores e partícipes da organização criminosa; c) reconhecer o modus operandi da organização criminosa; d) colear o conteúdo fático probatório; e) recuperação total ou parcial do produto das infrações penais, praticadas pela organização criminosa.
Ressalta-se que a delação premiada não se confunde com a desistência voluntária, no artigo 15 CP que conforme a doutrina dominante, a desistência voluntária ou tentativa abandonada é a desistência do agente da realização típica, mesmo podendo prosseguir, interrompendo a sua execução voluntariamente.
Outrossim, não se entrelaça com o arrependimento eficaz, no qual o agente, após ter esgotado todos os meios de que dispunha, de modo espontâneo, arrepende-se, e assim, evita, com outra ação, que o resultado pretendido outrora, se materialize.
Adiante, são, do mesmo modo, opostos o conceito de delação premiada e arrependimento posterior[4], previsto no artigo 16 CP, sendo que este, o agente que comete um crime, sem violência ou grave ameaça à pessoa, repara o dano ou restitui a coisa, de forma voluntária, até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime.
Findo, não se assemelha o instituto em exame com a confissão espontânea (art. 65, III, alínea d, CP). Ora, congruente, com a definição apresentada de delação premiada, é insuficiente que o acusado confesse sua concorrência, na consecução do crime, deverá, não obstante, delatar os codelinquentes que concorreram para a prática do mesmo crime, se assim não for, restará caracterizado a circunstância atenuante de confissão espontânea.
A confissão reveste-se de característica particular em relação à delação, pois à declaração do agente não implica terceiros, ou seja, gera efeitos jurídicos apenas aquele que a pratica.
No ordenamento jurídico brasileiro, a delação premiada é vetusta na legislação penal, desde o século XVII, nas Ordenações Filipimas, precisamente, nos Títulos IV e CXVI que tratavam, respectivamente, sobre os crimes de lesa-majestade (sic) e o benefício aos criminosos que delatarem.
Desta forma, leciona Damásio de Jesus, in litteris: “O Título VI do – Código Filipino, que definia o crime de – Lesa Magestade (sic), tratava da delação premiada, no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificadamente do tema, sob a rubrica – Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios. (JESUS, 2005) ”.
Em Minas das Gerais, terra do ouro e pelos idos de 1789 quando ainda éramos submissos aos lusitanos, o Coronel Joaquim Silvério dos Reis delatou os envolvidos, na Conjuração Mineira, dentre os quais, se avultou o mártir Tiradentes. Em compensação, o afamado delator obteve o perdão de sua pesada dívida existente perante a Fazenda Real.
No entanto, fora revogada pelo Código Penal Imperial, em 1830, como relata o jurista Walter Bittar, in litteris: “A História da Legislação Penal, no Brasil, demonstra que houve a previsão da delação premiada, ainda na época das Ordenações Filipinas, em 11 de janeiro de 1603, até o início da vigência do Código Penal Imperial, no ano de 1830.”
A delação premiada veio a retornar após cento e sessenta anos, ao ordenamento jurídico pátrio mediante a Lei 8.072/1990 referente aos crimes hediondos, artigo 5º, XLIII, CF/1988, disposto no artigo 8º, parágrafo único, in verbis:
Art. 8º: Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciarem à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
Em decorrência de certa inflação legislativa, também encontra-se em diversos dispositivos legais, tais como: Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal Brasileiro), Lei 7.492/86 (Lei de crimes de colarinho branco); Lei 8.137/90 (Lei de Crimes contra a Ordem Tributária); Lei 9.034/95 (Lei de Prevenção ao Crime Organizado); Lei 9.613/98 (Lei contra a lavagem de dinheiro); Lei 9.807/99 (Lei da proibição à testemunha e à vítima de crime); Lei 11.343/06 (Lei antitóxico que revogou a Lei 10.409/02), Lei 12.529/11 (reformulou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e, por fim, na Lei 12.850/2013, que será analisada.
Em prol das aspirações da Convenção de Palermo (2000), a Lei 12.850/2013 definiu o conceito de organização criminosa e dispõe, sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. No capítulo II, da mencionada lei, que aborda a investigação e os meios de obtenção da prova, encontra-se assentado o inovador termo “colaboração premiada”, precisamente, no artigo 3º, in verbis: Art. 3°. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção de prova: I- colaboração premiada; […].
Em primeiro lugar, deve-se relembrar o conceito de organização criminosa conforme definiu a Lei, in litteris: “no art. 1°, §1°, considera-se organização criminosa a associação de 04 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e marcada pela divisão de tarefas, com o alvo de obter vantagem de qualquer natureza, por meio de condutas criminosas, cujas penas máximas ultrapassem 04 (quatro) anos”.
Na verdade, retrata o anseio do legislador pátrio de combater o espantoso aumento do crime organizado.
É sensível o aprimoramento dessas associações criminosas que, não obstante, camuflam as suas práticas ilícitas, sofisticam o seu aparato organizado de poder e a distribuição das tarefas, assim, tornam complexa o papel do Estado de identificar os seus membros, reconhecer os delitos cometidos, angariar provas e, por consequência, desmantelá-los.
Convém, ainda, frisar que há distinção em delação premiada e colaboração premiada. De sorte que conforme prevê o artigo 4º, da Lei 12.850/2013, consideramos ser a colaboração premiada um gênero, do qual se desmembra cinco espécies, dentre as quais, está a delação premiada.
Assim, a delação premiada é, pois, o chamamento do correu, ou seja, o acusado ou indiciado contribui com a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por estes praticadas.
Verifica-se, portanto, que o legislador brasileiro, conferiu à delação premiada um espectro maior e superior em face da colaboração premiada, porque além de colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, deverá conceder a identificação dos demais coautores e partícipes do crime.
É insatisfatório trazer apenas os dados referentes a operacionalização da organização criminosa e a atuação dos seus membros. É primordial a nomeação dos demais codelinquentes que concorreram para a prática do mesmo crime, ou seja, faz-se necessário o chamamento do correu.
Conclui-se que a delação é uma forma de exercer a colaboração premiada. Isto é, há exemplos de colaboração premiada que não são delação premiada, a título ilustrativo, o acusado que confessa a prática do crime, relata dados cruciais para que as autoridades recuperarem o produto do crime, porém, não delata nenhum comparsa.
Existem outras espécies de colaboração premiadas, que não se confundem com delação premiadas, a saber, a colaboração reveladora da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a colaboração preventiva, pois com as informações prestadas pelo acusado, evita-se a ocorrência de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a colaboração recuperadora de produtos do crime ou do proveito das infrações penais, praticadas pela organização criminosa; e, por fim, a colaboração para a libertação das vítimas, na qual o acusado fornece a localização da vítima, sendo basilar que esta esteja com sua integridade física preservada.
A natureza jurídica da colaboração premiada é ser um meio de obtenção da prova, principalmente conforme preceitua o artigo 3, caput, da Lei 12.850/2013, o que recomenda o uso de método hermenêutico denominado gramatical, filológico ou literal, buscando o sentido semântico e linguístico do enunciado.
Mas, verifica-se, que a colaboração não é propriamente um meio de prova propriamente dito, sendo mais uma técnica ou ferramenta para se obter provas. Por essa razão, tem-se admitido, tratar-se até de prova anômala.
Com razão nos ensina Gustavo Badaró, in verbis:
“Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar). Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador, os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e, dependendo do resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos. (BADARÓ, 2012) ”.
Percebe-se que a colaboração premiada, enquanto meio de obtenção de provas, não se reveste do patamar jurídico da prova considerada em si. No fundo, é uma espécie de ponte ou liame para se atingir o conteúdo fático probatório. E, o julgador poderá valer-se para a preparação do seu provimento estatal jurisdicional, porque, caso fundamente a sua decisão apenas com o teor das colaborações premiadas.
A Lei nº 12.850/13, que assevera: “Art. 4°, […] §16º. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Ademais, a norma e o princípio constitucional que disciplina a exigência da fundamentação das decisões judiciais, e, mais propriamente da fundamentação mais específica dos decisórios judiciais do CPC/2015, na qual, esta somente estará adequadamente fundamentada quando haurida de legalidade democraticamente construída e resultante realmente de um debate crítico, sendo procedimental, conforme aponta o artigo 93, IX da CF/1988.
Com esse cuidado que tem sido o guia da jurisprudência pátria, in verbis:
“Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de co-réu para suporte de um ‘veredictum‘ condenatório, porque seria instituir-se a insegurança no julgamento criminal, com a possibilidade de erros judiciários. (Rev. Crim. 11.910. TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410: 316). A incriminação feita pelo co-réu, amparada nos autos, não pode ser tida como prova bastante para alicerçar sentença condenatória”. (Ver. Crim. 103.544, TACrimSP, Rel. Octavio Roggiero) ”.
O artigo 4º, §10º da Lei 12.850/2013 resguarda ao colaborador o direito de retratação, em outras palavras, o de retirar o que fora dito, de retornar ao status quo ante. Assim, as provas autoincriminatórias, produzidas pelo colaborador, não poderão ser usadas em seu desfavor.
E, adiante, no parágrafo seguinte, assevera que, o colaborador, em todas os atos da negociação, deverá ser assistido de defensor, aliás, se não for observado tal preceito, constituirá óbice para a homologação de acordo pelo juiz, uma vez que o termo de acordo de colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter, dentre outras exigências previstas em lei, a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor.
Quando o acusado ou investigado, devidamente orientado por seu defensor, aceita a proposta de colaborar com a investigação criminal, torna-se um colaborador em potencial, por consequência, rompe-se o vínculo, seja este profissional ou afetivo, que possuía com a associação criminosa que pertencia, tornando-se vulnerável.
Ora, ineficaz seria a normatização do instituto, se não concedesse ao colaborador a proteção necessária, diante da organização delituosa que renunciou e denunciou.
Foi adequado o legislador que proveu, de antemão, no artigo quinto, o rol de direitos que poderá gozar o colaborador, diante desta delicada conjectura, quais sejam: usufruir de medidas de proteção previstas em legislação específica para testemunhas e vítimas; ter o nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados, ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar de audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação; nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, e cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus, partícipes ou condenados.
Ademais, a norma e o princípio constitucional que disciplina a exigência da fundamentação das decisões judiciais, e, mais propriamente da fundamentação mais específica dos decisórios judiciais do CPC/2015, na qual, esta somente estará adequadamente fundamentada quando haurida de legalidade democraticamente construída e resultante realmente de um debate crítico, sendo procedimental, conforme aponta o artigo 93, IX da CF/1988.
Quando o acusado ou investigado, devidamente orientado por seu defensor, aceita a proposta de colaborar com a investigação criminal, torna-se um colaborador em potencial, por consequência, rompe-se o vínculo, seja este profissional ou afetivo, que possuía com a associação criminosa que pertencia, tornando-se vulnerável.
Ora, ineficaz seria a normatização do instituto, se não concedesse ao colaborador a proteção necessária, diante da organização delituosa que renunciou e denunciou.
Foi adequado o legislador que proveu, de antemão, no artigo quinto, o rol de direitos que poderá gozar o colaborador, diante desta delicada conjectura, quais sejam: usufruir de medidas de proteção previstas em legislação específica para testemunhas e vítimas; ter o nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados, ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar de audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação; nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito, e cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus, partícipes ou condenados.
A Lei 12.850/2013, em seu artigo 4º, §1º, elenca os critérios para a concessão dos benefícios ao colaborador. De forma que o primeiro pressuposto é a eficácia da colaboração. O agente colaborador só fará jus as benesses, previstas em lei, se os dados prestados forem relevantes e efetivos para desmantelamento da organização criminosa.
Nesse sentido, está o julgamento do HC 90.962 da Sexta Turma do STJ: “O instituto delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação do delito, fornece às autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime”.
Já o segundo pressupostos é decorrente do primeiro, pois a colaboração premiada deverá produzir um ou mais resultados desejados, de acordo com a previsão legal, podendo ser: identificar os demais coautores e partícipes da organização criminosa e as infrações penais por estes praticadas; revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas de organização criminosa; prevenir as infrações penais, por este praticadas decorrentes das atividades da organização criminosa; recuperar total ou parcialmente o produto ou o proveito das infrações penais, praticadas pela organização criminosa e ajudou a localizar o paradeiro da vítima com a sua integridade física preservada.
O terceiro requisito determina que o julgador deverá considerar a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso. Foram muitos anos de omissão, e no que se refere a aferição da personalidade do colaborador, deverá ser objeto de análise do julgador, se inexiste, na quase totalidade dos processos, ausência do estudo psicológico ou pelo menos criminológico.
É árdua a tarefa do magistrado se optar em aferi-la promovendo esmiuçar o conteúdo dos autos com a personalidade do colaborador. Uma vez formalizado do acordo de colaboração premiada, entre o investigado e seu defensor com o delegado de polícia, com o MP, quando o termo deverá ser remetido ao juiz para a devida homologação.
De sorte que o regime da colaboração premiada exige do julgador uma perspicácia sofisticada e elevada. E, deverá se analisar com cautela, as informações prestadas pelo colaborador, com o fim mínimo de afastar dados e acusações, que não guardam nexo causal com as provas obtidas durante o trâmite processual, que poderão, não rara às vezes, conduzir terceiros inocentes ao processo.
Por essa razão, é mister haver uma sublime avaliação do julgador. O juiz deverá também, a requerimento das partes e satisfeitos os requisitos exigidos em lei, conceder os prêmios da colaboração. Os benefícios concedidos poderão ser: não oferecimento da denúncia, perdão judicial, redução em até dois terços da pena privativa de liberdade, substituição por restritiva de direitos ou progressão de regime.
A primeira benesse constitui uma explícita exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, tendo em vista que o MP, dispondo dos elementos basilares para a propositura da ação penal, deve promovê-la. Assim, o representante do parquet poderá deixar de oferecer a denúncia se o colaborador: a) não for o líder da organização criminosa; b) for o primeiro a prestar efetiva colaboração.
Se a colaboração prestada for relevante para resolução do crime, poderá o MP ou o delegado de polícia, com a manifestação daquele, requerer ao juiz a concessão do perdão judicial ao colaborador, que que constitui uma causa extintiva de punibilidade e, ipso facto, a sentença que concedê-lo não será considerada para efeitos de reincidência, conforme o exposto nos artigos 170, IX e 120 do CP, respectivamente.
É, na realidade, uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, pois, nestas circunstâncias, apesar de o Ministério Público possuir elementos para o oferecimento de denúncia ao investigado ou acusado, não o faz, pela envergadura da relevância da colaboração prestada.
É taxativa a redação do artigo 4º, segundo parágrafo da Lei 12.850/2013:
“Art. 4° […] § 2º. Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).”.
Poderá o colaborador ter a redução da pena que for imposta, se fizer o acordo, antes da sentença, ou seja, na fase investigatória e no curso do processo criminal e, sendo relevante e efetiva, o juiz poderá mesmo em até dois terços. Mas, se for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida em até a metade ou será ainda admitida a progressão de regime.
Cumpre frisar ainda que a Lei de Execuções Penais estabelece que a obtenção de transferência de um regime mais severo para outro menos rigoroso, é sempre condicionado à existência de outros requisitos, classificados como objetivos e subjetivos.
Embora, conforme a própria dicção legal, o colaborador poderá progredir de regime prisional, ainda que estejam ausentes os seguintes requisitos objetivos: a) cumprimento de um sexto da pena: é a exigência do cumprimento de uma parcela da pena imposta, no regime anterior, no direito penal vigente, fixado em um sexto, no mínimo.
Nos casos de crime hediondo, há uma majoração de tempo de cumprimento que varia entre dois quintos, sendo réu primário ou três quintos da pena, se o réu for reincidente; parecer da Comissão Técnica de Classificação poderá propor ainda à autoridade competente, ao juiz de execuções das penas privativas de liberdade, as progressões e regressões do regime do apenado; a reparação do dano causado quando se tratar de crimes contra a administração pública.
E, findo o último benefício poderá ser concedido pelo julgador e consiste na substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.
No direito comparado, por exemplo nos EUA, noventa e cincos por cento dos processos criminais terminam em plea bargain. E, seria mesmo impossível para a justiça ianque funcionar sem este instrumento, pois simplesmente, não teriam capacidade de fazer cumprir todas as etapas de cada processo. É o que confessa o juiz Peter Messitte, juiz federal do Distrito de Maryland.
O Ministro do STF Alexandre de Moraes já se pronunciou in verbis: ” A declaração premiada é instituto importantíssimo para o combate da criminalidade organizada, inclusive dentro da política, mas só se for eficaz. Se mal aplicada, vai gerar uma decepção muito grande.”
Enfim, nos EUA há uma justiça penal negociada, é instrumento utilizado desde do século XVIII e que se aplica praticamente a todos os crimes e ainda possibilita ao Estado, mediante acordo com o acusado, concluir rapidamente a vasta maioria de processos. Já no Brasil, o seu equivalente mais aproximado é a delação premiada que só fora instituída recentemente, e tem requisitos complexos e bem mais estritos.
No Brasil, a delação premiada está circunscrita aos ilícitos associados ao crime organizado, incluindo os casos de corrupção. E, seu principal fim é estimular o acusado a entregar à Justiça, as informações e provas sobre seus parceiros no crime e/ou sobre a própria estrutura de funcionamento da organização criminosa.
Tanto nos EUA como aqui existem severas críticas, mas a Justiça penal negociada é algo consolidado e pode ser usado em relação a qualquer crime independentemente da sua natureza, incluindo até os crimes mais graves como homicídio. E, sem tal instituto, seria mesmo impossível que a justiça ianque funcionasse a contento.
Evidentemente que um dos fins do instituto de plea bargain nos EUA, e também outros países que compõem o common law, originária do Reino Unido, é estimular ao acusado ou réu que colabore com a Justiça e venha a entregar os demais coautores de crimes e, ainda desvendar o funcionamento da organização criminosa.
Aliás, segundo o juiz e professor de Direito Messitte, é entendido que o plea bargain igualmente serve aos interesses gerais da sociedade e da economia judicial, trazendo uma solução mais célere e mais econômica para os processos para evitar acúmulo de demandas sem a devida solução.
O Brasil está ainda aprendendo a utilizar a colaboração premiada em uma tempestade de feitos como a Operação Lava-Jato, a população exige punitividade rápida. Quem se posiciona contra algum aspecto da colaboração premiada é imediatamente associado e rotulado como favorável aos corruptos.
E, em outro momento, esse novo instituto pudesse ser analisado com maior atenção, será possível que essa é a realidade, e definitivamente, temos que lidar com ela.
Deve-se afinal extrair desse novo instituto da delação premiada o que há de melhor neste, para que possa contribuir ao combate à criminalidade organizada e à corrupção, mas dentro do sistema brasileiro. Não resta dúvida que a delação premiada tem produzido resultados positivos e, deve ser preservada, mas toda a negociação deve acatar e respeitar as leis e também a Constituição brasileira. Pois, do contrário, ter-se-á, o efeito oposto do que se espera, pois se farão acordos de toda sorte e, daqui há pouco, a opinião pública o rejeitará.
Uma diferença importante existente entre plea bargain e a delação premiada brasileira é que aqui, o conteúdo da colaboração, isto é, aquilo que o acusado ou réu afirma para os integrantes do MP em troca de algum benefício, tem menor valor probatório e precisa ser acompanhado de provas, como esquemas de lavagem de dinheiro ou contas bancárias utilizadas pelos envolvidos no crime.
Enquanto que nos EUA o colaborador se transforma em testemunha do processo e, sua palavra é suficiente para selar o acordo com os representantes do Estado.
O entendimento prevalente aqui é que a delação premiada só pode ser um veículo para descobrir outras provas, enquanto que nos EUA o fato de o acusado admitir que cometeu determinado crime ou mesmo testemunhar contra outras pessoas envolvidas, já serve como prova, conforme afirmou o juiz Messitte.
E, segundo o direito ianque, o juiz deve estar convencido de que existe uma base fática que justifique o acordo de plea bargain, mas caberá ao Estado o ônus de provar que o testemunho do acusado ou réu é verdadeiro, especialmente quando envolver outras pessoas que virão sofrer processos em decorrência de suas denúncias.
O STF inclusive já decidiu que mesmo no caso de delações cruzadas não bastam para condenar alguém. Assim, mesmo que existam cinco delatores a acusar uma única pessoa, se não forem apresentadas as provas, a delação não terá valor. E, assim, percebe-se que estamos atrasados em relação ao sistema penal americano. Pois a delação premiada brasileira exige eficácia, sem provas concretas, apesar de ser aceita pelo MP e ser homologada pelo juiz, poderá gerar a absolvição, o que certamente será prejudicial ao sistema de Justiça.
E, segundo os juízes, vige uma diferença em relação ao que o promotor pode oferecer ao acusado como benefício caso ele opte pelo plea bargain, nos EUA, ou a delação premiada, no Brasil.
Observa-se que nos EUA, os promotores e procuradores sejam estes federais ou estaduais possuem discricionariedade total, não existindo limites para fechar o acordo. Enquanto que no Brasil, a pena só poderá ser reduzida em até dois terços, entre outras limitações.
Ressalva-se que tanto nos EUA como no Brasil, o julgador não participa diretamente da negociação entre o Estado (representado pelo MP) e o réu representado por seu advogado. Este se mantém neutro e, apenas homologa o acordo, mas com algumas condições prévias, como a decisão do acusado de colaborar tem de ser totalmente consciente, informada e voluntária.
Fatidicamente temos que concluir que a admissão da delação premiada e a da colaboração premiada, para combater o crime organizado é um nítido sinal que o sistema penal e processual penal brasileiro está em plena crise ou já efetiva falência.
BIOGRAFIA
Gisele Leite é professora universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. E-mail: [email protected].
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NOTAS DE FIM
[1] Na Bíblia Sagrada, há um princípio que em muito se assemelha ao da delação premiada, ao menos em um aspecto, o da confissão de culpa. Trata-se de instituto hábil que não é baseado na coação e, calcado no convencimento e persuasão decorrentes da ação do Espírito Santo na vida do transgressor ou infrator. Assim é válido o princípio teológico que menciona: “O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará a misericórdia” (Pv. 28 13).
[2] O instituto da delação premiada, que vem sendo utilizado como ferramenta estatal no enfrentamento do crime organizado desde o advento da Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos) – estendendo-se mais tarde para outras leis específicas, como a Lei 7.492/1986 (Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional), Lei 8.137/1990 (Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo), Lei 9.613/1998 (Lavagem de Dinheiro), Lei 9.807/1999 (Proteção às Testemunhas); Lei 11.343/2006 (Drogas), Lei 12.850/2013 (Organização Criminosa) – entra em uma fase de frequentes ataques na mesma proporção das defesas apaixonadas.
[3] Na rica língua portuguesa há variantes para traição que superam as já conhecidas em outros idiomas, seja por tradicionais expressões contidas no vernáculo, como traidor, traiçoeiro, delator, alcaguete, informante, ou até pela linguagem coloquial, como por exemplo de traíra, dedo-duro, linguarudo e Xnove. Nos países estrangeiros igualmente existem termos com o mesmo teor pejorativo tal como rat (EUA), sneak (Reino Unido), um homme commère (França), Zinker e 31er (Alemanha). Aliás, sempre é arriscado fazer uma tradução, pois afirmam os italianos em sua notável sabedoria, traduttore, traditore.
[4] O arrependimento posterior, aliás, por muito tempo já veio disciplinado nos artigos 16 e 65 do Código Penal, entre outros de caráter excepcional conforme ocorre, por exemplo, no s casos de estelionato mediante cheque sem fundo, quando o agente efetua o pagamento da dívida antes do recebimento da denúncia (Súmula 554 do STF).