Os contratos de abertura de crédito podem estabelecer encargos financeiros em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), já que essa taxa – também conhecida como índice DI – é definida pelo mercado e não há risco de ser manipulada em favor dos bancos contratantes.
Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a um recurso do Banco do Brasil e manter a fixação dos seus encargos financeiros em percentual sobre o CDI.
O cliente ajuizou ação revisional do contrato de financiamento na tentativa de reduzir o valor das prestações. No julgamento do recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) aplicou o entendimento da Súmula 176 do STJ para declarar nula a cláusula que previa encargos financeiros com base no CDI.
No recurso especial, o Banco do Brasil sustentou que o ordenamento jurídico brasileiro permite a utilização do CDI como parâmetro para remunerar o capital emprestado – especialmente em contratos de crédito fixo, que não se confundem com as cédulas de crédito rural, industrial e comercial.
Custo de captação
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, destacou que o depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições com sobra de recursos possam emprestá-los àquelas que estão em posição deficitária.
Ele ressaltou que a Súmula 176, invocada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina para impedir a utilização do CDI no contrato, foi editada no contexto de operações cuja taxa era definida por entidade voltada para a defesa dos interesses das instituições financeiras.
No caso do CDI, ou índice DI – destacou o ministro Villas Bôas Cueva –, o cálculo tem por base as taxas aplicadas em operações interbancárias, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.
De acordo com o relator, a cláusula de contrato de financiamento que prevê como índice um percentual do CDI não pode ser considerada potestativa, tendo em vista que essa taxa não é definida unilateralmente pela instituição financeira.
Oscilações econômicas
O ministro frisou que, para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é potestativa a cláusula que deixa ao arbítrio das instituições financeiras, ou de associação de classe que as represente, o cálculo dos encargos cobrados nos contratos bancários – o que não ficou configurado no caso.
“Não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários, visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras”, destacou.
Eventual abuso, de acordo com o relator, pode ser verificado caso a caso, a partir do percentual utilizado no contrato.
No caso julgado, os encargos foram estipulados em 180% da taxa CDI média, não havendo, de acordo com Villas Bôas Cueva, “nenhum elemento nos autos capaz de demonstrar que a cláusula ajustada discrepa substancialmente da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para operações da mesma espécie”.
Processo: REsp 1781959 – Acórdão (inteiro teor para download).
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO BANCÁRIO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. ENCARGOS FINANCEIROS. FIXAÇÃO. PERCENTUAL SOBRE O CDI. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 176/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Ação revisional de contrato bancário na qual se discute se é ou não admissível a estipulação dos encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), à luz do disposto na Súmula nº 176/STJ.
3. De acordo com as normas aplicáveis às operações ativas e passivas de que trata a Resolução nº 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, não há óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público.
4. O depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária.
5. Nos depósitos interbancários, como em qualquer outro tipo de empréstimo, a instituição tomadora paga juros à instituição emitente. A denominada Taxa CDI, ou simplesmente DI, é calculada com base nas taxas aplicadas em tais operações, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.
6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é potestativa a cláusula que deixa ao arbítrio das instituições financeiras, ou associação de classe que as representa, o cálculo dos encargos cobrados nos contratos bancários.
7. Não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras.
8. Eventual abusividade deve ser verificada no julgamento do caso concreto em função do percentual fixado pela instituição financeira, comparado às taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie, conforme decidido em precedentes desta Corte julgados sob o rito dos recursos repetitivos, o que não se verifica na espécie.
9. Recurso especial provido.
(STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.781.959 – SC (2018/0310876-0) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE : BANCO DO BRASIL SA ADVOGADOS : MARCELO GLASHERSTER E OUTRO(S) – RJ076543 CRISTIANO DE AMARANTE E OUTRO(S) – SC019009 SANDRO NUNES DE LIMA – DF024693 RECORRIDO : RONPLAST EIRELI RECORRIDO : RONALDO FERNANDES RECORRIDO : ALESSANDRA KUNHASKY COELHO RECORRIDO : REINALDO BECKER RECORRIDO : MARTA FERNANDES BECKER ADVOGADO : BEATRIZ CAMPOS KOWALSKI – SC038987 INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS – “AMICUS CURIAE” ADVOGADOS : KONSTANTINOS JEAN ANDREOPOULOS – SP131758 RAFAEL BARROSO FONTELLES – SP327331. Data do Julgamento: 11/02/2020)
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)