A suspensão da execução fiscal na recuperação judicial

Data:

Há mais de uma hipótese normativa de suspensão das execuções fiscais em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial da empresa devedora.

 

A suspensão da execução fiscal na recuperação judicial | Juristas
Cássio Cavalli

A mais conhecida e explorada hipótese de suspensão da execução fiscal relaciona-se ao princípio da preservação da empresa, matéria de competência do juízo recuperacional. Assim, conforme o dispõe o § 7º-B do art. 6º da Lei 11.101/2005, o deferimento do processamento da recuperação judicial, de regra, não suspende a execução fiscal, porém, o juízo recuperacional é competente para determinar “a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial”. Neste caso, a competência do juízo recuperacional sobrepõe-se à competência do juízo da execução fiscal, contanto observados os requisitos assentados em precedente julgado à unanimidade de votos pela Segunda Seção do STJ.(1)

No entanto, há uma outra hipótese de suspensão das execuções fiscais pela recuperação judicial que, conquanto menos explorada na prática recuperacional, encontra robusto amparo nos precedentes das Cortes Superiores, que invariavelmente asseguram a preferência do crédito trabalhista sobre o crédito tributário desde a promulgação do Código Tributário Nacional em 1966.

De fato, o crédito trabalhista prefere ao crédito tributário, conforme dispõe a norma materialmente complementar do art. 186 do CTN.(2)

A preferência do crédito trabalhista é de direito material, no sentido de que pode ser exercida ainda que o credor trabalhista não tenha ajuizado execução.(3) A preferência de direito material do crédito trabalhista se sobrepõe à preferência de direito processual do crédito tributário.(4) Por isso, o juízo da reclamatória trabalhista, constitucionalmente competente para tutelar a satisfação do crédito trabalhista, o que inclui assegurar a preferência do crédito trabalhista (art. 114 da Constituição), pode determinar a suspensão da execução fiscal, para assegurar que o credor trabalhista exerça sua preferência creditória. A existência de credor com preferência creditória suspende a arrematação do bem em execução fiscal.(5)

A preferência creditória dos credores trabalhistas, por possuir natureza de direito material e ser assegurada por lei materialmente complementar, não é excepcionada em caso de recuperação judicial.

Se a empresa devedora está em recuperação judicial, compete à Justiça Estadual, onde tramita a recuperação judicial, a prática de atos que assegurem o pagamento do crédito trabalhista, conforme precedente decidido pelo Tribunal Pleno do STF em recurso extraordinário com repercussão geral.(6) De acordo com este precedente, em caso de recuperação judicial, o juízo recuperacional passa a ser o juízo constitucionalmente competente para a tutela da satisfação do crédito trabalhista.

Por isso, em caso de recuperação judicial da empresa devedora, o juízo recuperacional é competente para determinar a suspensão de todas as execuções fiscais em tramitação contra a empresa recuperanda, até que sejam pagos os credores trabalhistas.

A recuperação judicial não constitui exceção à preferência creditória trabalhista, nem autoriza que as execuções fiscais prossigam em violação à preferência de direito material do crédito trabalhista.

Esta é a interpretação que, a meu juízo, melhor se coaduna com a norma materialmente complementar do art. 186 do CTN e com os precedentes consolidados sobre a tutela da preferência do crédito trabalhista em nossas Cortes Superiores.

Notas:

1 STJ, CC 181.190, Segunda Seção, j. 30.11.2021, v.u., rel. Min. Marco Aurélio Belizze.  

2 Lê-se no art. 186 do CTN, “O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. Parágrafo único. Na falência: I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; II – a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; e III – a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados.” 

3 STJ, AgInt no REsp 1.764.630, Quarta Turma, j. 30.08.2021, v.u., rel. Min. Marco Buzzi; STJ, REsp 1.219.219, Terceira Turma, j. 17.11.2011, v.u., rel. Min. Nancy Andrighi; STJ, REsp 280.871, Quarta Turma, j. 05.02.2009, v.u., rel. Min. Luis Felipe Salomão.  

4 STJ, AgInt no AREsp 1.748.230, Segunda Turma, j. 19.10.2021, v.u., rel. Min. Og Fernandes (“[N]ão é possível sobrepor uma preferência de direito processual, crédito tributário, a uma de direito material, crédito trabalhista, em conformidade com a previsão do art. 186 do CTN.”); STJ, AgInt no REsp 1.746.907, Segunda Turma, j. 24.11.2020, v.u., rel. Min. Francisco Falcão (“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica neste sentido, ou seja, de que o crédito da Fazenda Pública leva preferência sobre qualquer outro, exceto os de natureza trabalhista […]. Precedentes”).  

5 STJ, REsp 1.411.969, Terceira Turma, j. 10.12.2013, v.u., rel. Min. Nancy Andrighi (“[O] direito do exequente de arrematar o bem com seu crédito está condicionado à inexistência de outros credores com preferência de grau mais elevado”).  

6 STF, RE 583.955, Tribunal Pleno, j. 28.05.2009, m.v., rel. Min. Ricardo Lewandowski, com Repercussão Geral conferida em 19.06.2008 (“[o]ferece repercussão geral a questão sobre qual o órgão do Poder Judiciário é competente para decidir a respeito da forma de pagamento dos créditos, incluídos os de natureza trabalhista, previstos no quadro geral de credores de empresa sujeita a plano de recuperação judicial”). 


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