A acumulação remunerada de Cargos Públicos, a limitação de carga horária e as suas consequências práticas

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Participação nos Lucros e Resultados (PLR) é verba de natureza indenizatória e por isso não há incidência de encargos trabalhistas
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O ordenamento jurídico admite de forma expressa a cumulação de cargos públicos para profissionais da saúde e da educação, conforme consta das alíneas do inciso XVI, do art. 37, da Constituição Federal.

O dispositivo constitucional prevê a vedação ao acúmulo de cargos públicos e cria exceções, deixando claro o primeiro requisito para tanto: “a compatibilidade de horários”. Depois é que traz a exceção quanto à cumulação de cargos de professores, de professores com outro cargo técnico ou científico e de profissionais da saúde.

A Lei 8.112/90, o Estatuto dos Servidores Públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicos federais dispõe que a cumulação ilícita de cargos públicos é punível com pena de demissão. O dispositivo é repetido na legislação que regulamenta os cargos públicos dos diversos entes públicos país a fora.

Assim, a questão que se põe em análise, diz respeito à expressão “compatibilidade de horários” previsto na Constituição Federal.

O primeiro posicionamento claro foi exarado pela a Advocacia Geral da União (AGU) em 1998, quando emitiu o Parecer GQ 145/98, com força vinculante para os órgãos federais, no sentido de que a cumulação de cargos públicos não poderia exceder 60 (sessenta) horas semanais. A pretensão foi a de estabelecer um parâmetro determinado para o conceito aberto expresso no texto constitucional.

O caso concreto em análise não era de um professor universitário da UFRJ. Mas a conclusão acabou por ser aplicada em todos os casos de cumulação de cargos públicos, porque considerava ilícita a cumulação de cargos que somassem 80 (oitenta) horas semanais.

O principal argumento para sustentar a limitação da carga horária, segundo o Parecer, dizia respeito às condições de vida do Servidor Público, in verbis:

“Tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho de vida do servidor.”

No âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), a primeira decisão exarada a respeito do tema, foi proferida no Acórdão nº 533/2003 (1ª Câmara), que concluiu pela ilegalidade da cumulação de dois cargos de quarenta horas. O entendimento foi acompanhado pelo Acórdão nº 2.860/2004 (1ª Câmara) e pelo Acórdão TCU 2.133/2005 (1ª Turma), segundo este último:

Não é demais salientar que os cargos públicos são criados com o objetivo precípuo de atender uma necessidade pública. É do interesse público, pois, que o servidor tenha condições de desempenhar, em sua plenitude e com exação, as atribuições do cargo provido. Como esperar isso de alguém com uma carga semanal de trabalho de 80 horas.

Interessante observar que o Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) considerou normas da Consolidação das Leis do Trabalho para reconhecer a necessidade de fixação de uma carga horária máxima, nesses casos:

“Corroborando-o, ressalto que, embora a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso – arts. 59 e 66 da CLT -, que, desrespeitados, geram, em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado.

Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada – art. 66 da CLT -, dois turnos de seis horas – um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo art. 19 da Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.270, de 17/12/1991 – e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto dos estatutários.”

A partir de 2009, entretanto, o posicionamento da Corte de Contas começou a ser modificado. O Acórdão 5.257/2009, por exemplo, pontuou que, no caso analisado, havia compatibilidade na acumulação de carga horária superior a 60 (sessenta) horas. Assim, diversas decisões subsequentes começaram a adotar um posicionamento temperado em relação ao tema.

O principal aspecto considerado para tanto, foi que os profissionais da saúde e do magistério geralmente estão sujeitos a regimes que não seguem um padrão de horário de trabalho, como em escalas de trabalho 12×36 ou turnos alternativos de trabalho.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ) a primeira decisão sobre a questão é do MS 15.415 – 1ª Seção. O julgado do ano de 2013 adotou o entendimento de que a incompatibilidade de horários deve ser aferida no contexto fático e não apenas na soma da carga horária exercida. Referido entendimento foi reafirmado pela 1ª Seção em outros Mandados de Segurança.

Em 2015, entretanto, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a acolher o entendimento da Advocacia Geral da União e do Tribunal de Contas da União, como podemos observar no MS 19.336/DF, que tratou especificamente sobre profissionais de saúde:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. JORNADA SEMANAL SUPERIOR A 60 (SESSENTA HORAS). AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Trata-se de mandado de segurança atacando ato do Ministro de Estado da Saúde consistente na demissão da impetrante do cargo de enfermeira por acumulação ilícita cargos públicos (com fundamento nos arts. 132, XII, e 133, § 6º, da Lei 8.112/90), em razão de sua jornada semanal de trabalho ultrapassar o limite de 60 horas semanais imposto pelo Parecer GQ-145/98 da AGU e pelo Acórdão 2.242/2007 do TCU. 2. Acertado se mostra o Parecer GQ-145/98 da AGU, eis que a disposição do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal – “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI” – constitui exceção à regra da não-acumulação; assim, deve ser interpretada de forma restritiva. 3. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. 4. Também merece relevo o entendimento do Tribunal de Contas da União no sentido da coerência do limite de 60 (sessenta) horas semanais – uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) -, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos. Ora, é limitação que atende ao princípio da eficiência sem esvaziar o conteúdo do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal. 5. No caso dos autos, a jornada semanal de trabalho da impetrante ultrapassa 60 (sessenta) horas semanais, razão pela qual não se afigura o direito líquido e certo afirmado na inicial. 6. Segurança denegada, divergindo da Relatora. (MS 19.336/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 14/10/2014)

O posicionamento passou então a ser majoritário no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sobre o mesmo tema, o Supremo Tribunal Federal se posicionou reiteradamente sobre a questão, sempre pontuando que a compatibilidade de horários deve ser observada de maneira fática, no caso em concreto.

Esse posicionamento fica claro no julgamento do RE 925377, pelo Ministro Teori Zavascki:

No caso dos autos, o STJ reputou ilegítima a acumulação de cargos realizada pela impetrante porque sua jornada de trabalho semanal total ultrapassa 60 horas, o que seria destituído de razoabilidade. Essa orientação, todavia, não coaduna com a jurisprudência desta Corte, que, como visto, é no sentido de que a Constituição Federal exige, para a acumulação dos cargos previstos nas alíneas a, b e c do inciso XVI do art. 37, apenas a compatibilidade de horários, a qual, no caso concreto, já havia sido assentada pelo TRF da 2ª Região, no acórdão reformado pelo STJ. (Decisão Monocrática. RE 925377. Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI. Julgamento: 26/09/2016. Publicação: 28/09/2016)

Os órgãos colegiados do Supremo Tribunal Federal, em decisões recentes, asseveraram o posicionamento da Corte, como no RMS 35.917 AgR, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes e no RE .1182.225 AgR, de relatoria do Ministro Luiz Fux:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ÁREA DE SAÚDE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LIMITAÇÃO. CARGA HORÁRIA MÁXIMA DE 60 (SESSENTA) HORAS SEMANAIS. FIXAÇÃO EM NORMA INFRACONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RMS 35917 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 12/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 20-11-2018 PUBLIC 21-11-2018 REPUBLICAÇÃO: DJe-251 DIVULG 23-11-2018 PUBLIC 26-11-2018)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ÁREA DE SAÚDE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LIMITAÇÃO. CARGA HORÁRIA MÁXIMA DE 60 (SESSENTA) HORAS SEMANAIS. FIXAÇÃO EM NORMA INFRACONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA SUPREMA CORTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (RMS 35917 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 12/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-247  DIVULG 20-11-2018  PUBLIC 21-11-2018 REPUBLICAÇÃO: DJe-251  DIVULG 23-11-2018  PUBLIC 26-11-2018)

Este julgado provocou a revogação do Parecer GQ-145, da Advocacia Geral da União, porque segundo o Parecer:

A compatibilidade de horários a que se refere o art. 37, inciso XVI, da Constituição de 1988 deve ser analisada caso a caso pela Administração Pública, sendo admissível, em caráter excepcional, a acumulação de cargos ou empregos públicos que resulte em carga horária superior a 60 (sessenta) horas semanais quando devidamente comprovada e atestada pelos órgãos e entidades públicos envolvidos, através de decisão fundamentada da autoridade competente, além da inexistência de sobreposição de horários, a ausência de prejuízo à carga horária e às atividades exercidas em cada um dos cargos ou empregos públicos.

Assim, a conclusão que se tem como a orientação congruente com as normas constitucionais é a de que, para aferir a cumulação de cargos de cargos públicos, deve ser considerada a compatibilidade real de horário e se os órgãos públicos a que o servidor é vinculado estão cientes e de acordo com a cumulação e se a cumulação não está afetando a qualidade e a eficiência de serviço por parte do servidor público.

A questão se reveste de profunda importância para os servidores públicos, uma vez que é muito comum cumularem mais de um cargo para complementarem a sua renda, especialmente porque os servidores públicos das áreas da saúde e da educação estão sujeitos a cargas horárias cumpridas em regimes diferenciados.

Assim, como citado, a acumulação de cargos geralmente pode impor ao Servidor Público que comprove a compatibilidade destes já no momento da sua posse, quando deve indicar se está ou não acumulando cargos.

Outro momento em que a verificação pode acontecer, é quando há a instauração de sindicância ou processo administrativo com esse fim. É importante que o servidor apresente toda a documentação solicitada e comprove com dados concretos que a compatibilidade na cumulação existe. Ressalta-se que as leis que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos, em regra, preveem que a cumulação ilícita é caso punido com demissão.

“É importante que o servidor apresente toda a documentação solicitada e comprove com dados concretos que a compatibilidade na cumulação existe.”

Existem casos, ainda, de denúncias que chegam ao Ministério Público ou aos Tribunais de Contas e são apurados por estes órgãos. A questão que se busca apurar, portanto, é se há a efetiva compatibilidade de horários decorrentes da cumulação. Vale frisar aqui, que a cumulação ilícita de cargo pode ser interpretada como improbidade administrativa e as consequências para o servidor são graves, como a devolução dos vencimentos acumulados ilicitamente, perda do cargo e dos direitos políticos.

É importante frisar, por fim, que as melhores defesas e orientações nesses casos demandam um profissional qualificado para acompanhar a parte que responde a um processo dessa natureza.

Carlos Vinicius Javorski
Carlos Vinicius Javorski
Advogado, sócio do Teixeira e Javorski Advogados Associados, especializado em demandas de Servidores Públicos, Agentes Políticos e relativas à Concursos Públicos.

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