A Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito e dos Territórios (TJDFT) condenou a Companhia de Concessão Rodoviária Juiz Fora – Rio a ressarcir os danos materiais do proprietário de um veículo que foi atingido por uma capivara, enquanto trafegava na rodovia, em junho de 2017, em trecho da BR 040 sob responsabilidade da concessionária.
A empresa terá, ainda, que pagar lucros cessantes, pelo tempo que o carro ficou parado e o dono do automóvel deixou de ganhar dinheiro, tendo em vista que trabalhava como motorista do aplicativo Uber.
Há nos autos que um dos demandantes dirigia pela rodovia, acompanhado da segunda autora, quando colidiu com o animal silvestre e teve o bem danificado. O supervisor da concessionária apenas chegou ao local mais de uma hora depois do ocorrido e teria informado que o pedido de ressarcimento deveria ser feito pelo serviço de atendimento telefônico da empresa. Ocorre que, depois do carro ter sido rebocado para o Rio de Janeiro e os passageiros terem seguido viagem para Juiz de Fora, ao contatarem a concessionária, o pedido de ressarcimento foi negado, sob alegação de caso fortuito ou força maior.
Em sua contestação, a empresa sustenta que a mera juntada de 2 orçamentos não pode comprovar a narrativa feita pelos autores, pois os alegados danos poderiam ter sido causados por qualquer outro motivo e por exclusiva culpa do motorista, tendo em vista que a apuração pericial ficou impossibilitada em razão da venda do automóvel.
Na visão do desembargador relator, o caso fortuito ou de força maior verifica-se quando uma determinada ação gera consequências decorrentes de efeitos imprevisíveis ou impossíveis de se evitar ou impedir. “No caso concreto, não se trata de efeito imprevisível, sendo o risco inerente ao tipo de atividade exercida, uma vez que a concessionária possui a obrigação legal de fiscalizar, zelar pela conservação e segurança incontinente da rodovia sob a sua responsabilidade”, destacou o magistrado.
Ademais, a própria demandada confirma, nos autos, que criou barreiras para tentar impedir o trânsito de animais, o que não se revelou suficiente, evidenciando falha na segurança e demonstrando indícios de se tratar de episódio comum na região. Quanto à prova pericial, o desembargador ressaltou que os autores realizaram todas as diligências que lhe competiam no momento do evento danoso. “Diante do risco da sua atividade e a comunicação tempestiva do acidente, a concessionária deveria ter se acautelado em providenciar a sua própria inspeção sobre o veículo, a fim de garantir a pretensa lisura dos orçamentos que ora se questiona”, observou o julgador.
Sendo assim, diante das provas apresentadas – boletim de ocorrência, fotos do veículo danificado, recibo do guincho de veículo, registros da comunicação do acidente junto ao departamento responsável da empresa – e do fato de a demandada sequer ter apontado inconsistências nos dois orçamentos juntados aos autos, a Turma decidiu, por unanimidade, que a empresa deve ressarcir os autores em R$33.518,78 (trinta e três mil quinhentos e dezoito reais e setenta e oito centavos), média entre os orçamentos apresentados, além dos R$ 650,00 (seiscentos e cinquenta reais) gastos na contratação do guincho particular.
Haja vista que o proprietário provou que utilizava o veículo como meio de trabalho, no transporte de passageiros pelo aplicativo Uber, o colegiado arbitrou o pagamento de R$ 385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos), por semana, a título de lucros cessantes, pelo tempo que o demandante ficou sem auferir renda.
Processo: 0721263-48.2018.8.07.0001 – Acórdão (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor do acórdão:
Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS |
Órgão | 6ª Turma Cível |
Processo N. | APELAÇÃO CÍVEL 0721263-48.2018.8.07.0001 |
APELANTE(S) | COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO,LUIZA DE CARVALHO SIGMARINGA SEIXAS,MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO e ROBERTO LUIZ SANTOS PORTILHO |
APELADO(S) | MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO,LUIZA DE CARVALHO SIGMARINGA SEIXAS,ROBERTO LUIZ SANTOS PORTILHO e COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO |
Relator | Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO |
Acórdão Nº | 1228208 |
EMENTA
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. PEDÁGIO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ATROPELAMENTO DE ANIMAL. FALHA NA SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRESSUPOSTOS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS CABÍVEIS. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE LESÃO FÍSICA OU À CAPACIDADE DOS OCUPANTES. DANOS MORAIS AFASTADOS.
- As pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, à luz da teoria do risco administrativo, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, em situações as quais a concessionária de serviço público tinha o dever legal específico de agir e impedir o dano – função de vigilância e oferecer boas condições de tráfego –, em contrapartida ao pedágio que cobra, e a sua omissão cria situação propícia à ocorrência do evento danoso. Precedentes.
- Não bastasse a disposição constitucional (art. 37, §6º, da CF/88), a relação entre a concessionária administradora de rodovia e os motoristas que ali trafegam mediantecontraprestação (pedágio) enquadra-se na hipótese do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, na qualidade de prestadora de serviço, sendo a responsabilidade igualmente objetiva em razão do dever de cuidar e fiscalizar o tráfego a fim de evitar acidentes, conforme interpretação do art.1º, § 3º, do Código Nacional de Trânsito.
- O acidente decorrente do atropelamento de animal silvestre na rodovia não configura caso fortuito ou de força maior, como forma de afastar a responsabilidade da concessionária, por não se tratar de fato cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir, mas derisco inerente ao tipo de atividade exercida, uma vez que a concessionária possui a obrigação legal de fiscalizar, zelar pela conservação e segurança incontinente da rodovia sob a sua responsabilidade.
- Presentes os requisitos para a configuração da responsabilidade civil da concessionária – existência do dano, nexo de causalidade e omissão especifica decorrente da falha de segurança – impõe-se a sua condenação em indenizar materialmente as vítimas do acidente automobilístico na rodovia, sendo os orçamentos do conserto do veículo suficientes para a mensuração doquantum devido.
- Igualmente, cabível indenização a título de lucros cessantes– que compõem o dano material –, diante da comprovação de que o proprietário utilizava o automóvel como prestador de serviços para aplicativo de transporte, sendo os comprovantes de faturamento semanal da uber suficientes para se apurar a média de rendimentos.
- Repele-se a indenização por danos morais, se o acidente automobilístico não originou lesão à integridade física ou à capacidade para as atividades cotidianas dos envolvidos no evento.
- Recurso dos autores e da concessionária ré parcialmente providos, para tão somente alterar a base de cálculo dos lucros cessantes e afastar a condenação a título de danos morais. Sentença parcialmente reformada.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ARQUIBALDO CARNEIRO – Relator, JOSÉ DIVINO – 1º Vogal e VERA ANDRIGHI – 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDOS. PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 29 de Janeiro de 2020
Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO
Relator
RELATÓRIO
Na origem, MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO, LUIZA DE CARVALHO SIGMARINGA SEIXAS e ROBERTO LUIZ SANTOS PORTILHO ajuizaram Ação Indenizatória em desfavor de COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO, em razão de acidente de trânsito ocorrido em 15.06.2017, por volta das 20:45, no endereço BR 040, KM 32.0, Trecho Principal BR 040 (22,5 ao 39,0), TRES RIOS-RJ, rodovia sob a responsabilidade da Concessionária Requerida. Narraram que o 1º Requerido, em companhia da 2ª Requerida, conduzia automóvel de propriedade do 3º Requerido, vindo a colidir com animal silvestre (capivara) que transitava na pista, o que teria gerado graves danos materiais e psicológicos aos Requeridos.
Destarte, sob o viés da teoria da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, os Autores requereram a condenação da parte Ré ao pagamento de danos materiais, no valor de R$34.929,37 (trinta e quatro mil e novecentos e nove reais e trinta e sete centavos), referente ao conserto do veículo e reboque; lucros cessantes no importe de R$6.551,63 (seis mil e quinhentos e cinquenta e um mil reais e sessenta e três reais), pelo período que teria deixado de realizar a prestação de serviços para o aplicativo de transportes Uber (15.06.2017 a 17.10.2017); danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) para cada autor, pelos transtornos psicológicos experimentados.
Ao analisar o caso, o MM. Juiz em exercício na 11ª Vara Cível de Brasília/DF julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos do dispositivo sentencial, in verbis: (ID 12592738 – Pág. 4/5):
“Tecidas estas considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO, LUIZA DE CARVALHO SIGMARINGA SEIXAS e ROBERTO LUIZ SANTOS PORTILHO, em desfavor de COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO, partes qualificadas nos autos, para: a) CONDENAR o réu a indenizar materialmente o terceiro autor, Roberto Luiz Santos Portilho, ao ressarcimento do valor pago a título de guincho, R$650,00 (seiscentos e cinquenta reais) (ID 20353281), corrigido monetariamente pelo índice INPC acrescido de juros de mora de 1%, ambos desde a data do evento danoso, 15.06.2017;
b) CONDENAR o réu a indenizar materialmente o terceiro autor, Roberto Luiz Santos Portilho, referente ao valor para conserto dos danos no veículo, no valor de R$33.518,78 (trinta e três mil, quinhentos e dezoitos reais e setenta e oito centavos), corrigido monetariamente pelo índice INPC acrescido de juros de mora de 1%, ambos desde a data do evento danoso, 15.06.2017;
c) CONDENAR o réu a indenizar materialmente o terceiro autor, Roberto Luiz Santos Portilho, a título de lucros cessantes, no período compreendido entre 26.06.2017 e 17.10.201, no valor mensal de R$385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos), observando-se a fração diária, corrigido monetariamente pelo índice INPC e acrescido de juros de mora de 1%, mês a mês.
d) CONDENAR o réu ao pagamento de danos morais no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), para o primeiro autor e segunda autora, cada, corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da sentença, somados a juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso, 15.06.2017. Por conseguinte, resolvo o mérito do processo nos termos do art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência mínima, condeno a parte ré no pagamento das despesas processuais, e dos honorários advocatícios, que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado, inertes as partes, dê-se baixa e arquivem-se.”
Inconformadas, ambas as partes apelam.
Apelação da Concessionária Ré apresentada no ID 12592743 – Pág.1/32, com o respectivo preparo (id 12592745 – Pág.1). De início, pontua que a prova pericial seria necessária ao caso, para os fins de se comprovar as condições e a velocidade do automóvel no momento do acidente; contudo, a sua apuração técnica teria sido inviabilizada pela conduta dos Autores, que teriam vendido o veículo sinistrado.
Em relação aos danos materiais, informa que “a mera juntada de dois orçamentos não possui o condão de comprovar a narrativa feita pelos Apelados, pois os alegados danos poderiam ter sido causados por qualquer outro motivo e por exclusiva culpa do motorista, apuração pericial que ficou impossibilitada em razão da venda do automóvel”. (ID 12592743 – Pág. 11) Destarte, requer a improcedência do pedido material por ausência de provas.
Prossegue com a tese de que não se aplicaria ao caso a responsabilidade objetiva de concessionárias de serviço público, pois não se trataria de uma ação da Apelante, mas de uma suposta omissão, razão pela qual haveria de se demonstrar a culpa da Concessionária pelo evento danoso. Acrescenta que não teria ocorrido qualquer falha na prestação dos serviços, tendo agido com a diligência esperada, com reiteradas rondas no local e, quando acionada, teria realizado o atendimento da ocorrência. Refuta os danos materiais referentes ao valor do guincho particular que teria encaminhado o veículo até a cidade do Rio de Janeiro (R$650,00), sob o fundamento de que não teria obrigação legal ou contratual de remover os veículos até a cidade ou a residência do usuário.
Por fim, impugna o valor dos lucros cessantes, por suposta ausência de comprovação, bem assim os danos morais, porquanto os ocupantes do veículo não teriam sofrido qualquer tipo de lesão ou ferimento. Destarte, requer o provimento do recurso com a improcedência dos pedidos iniciais.
Apelação dos Autores apresentada no ID 12592755 – Pág1/5. Em suma, argumentam que haveria equívoco na r. sentença em relação ao cálculo dos lucros cessantes, uma vez que os comprovantes de faturamento da Uber apresentados demonstrariam a renda semanal, e não a mensal apontada na origem. Dessa forma, requerem o provimento da apelação para reconhecer que o valor indenizatório referente aos lucros cessantes deve ser de R$ 385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos) por semana, ou de 1.541,56 (um mil e quinhentos e quarenta e um reais e cinquenta e seis centavos) por mês, ou, ainda, de R$6.166,24 (seis mil e cento e sessenta e seis reais e vinte e quatro centavos) para o período de 26.06.2017 a 17.10.2017.
Preparo recolhido (ID 12592757 – Pág. 1).
Contrarrazões da Ré no ID 12592760 – Pág.1/10, e da Autora no ID 12592762 – Pág.1/7, ambas pela manutenção da r. sentença.
É relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador ARQUIBALDO CARNEIRO – RelatorPreenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos dos Autores e da Concessionária Ré e os recebo no duplo efeito, conforme estabelece o artigo 1.012, caput, do Código de Processo Civil.
Cuida-se de apelações interpostas pelas partes contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível de Brasília/DF, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, requeridos em Ação Indenizatória ajuizada por MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO, LUIZA DE CARVALHO SIGMARINGA SEIXAS e ROBERTO LUIZ SANTOS PORTILHO em desfavor de COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO, em razão de acidente de trânsito ocorrido em 15.06.2017, por volta das 20:45, no endereço BR 040, KM 32.0, Trecho Principal BR 040 (22,5 ao 39,0), TRES RIOS-RJ, rodovia sob a responsabilidade da Concessionária Requerida. Em suma, o 1º Requerido, em companhia da 2ª Requerida, conduzia automóvel de propriedade do 3º Requerido, vindo a colidir com animal silvestre (capivara) que transitava na pista, o que teria gerado graves danos materiais e psicológicos aos Requeridos. Em sua apelação de ID 12592743, a Concessionária Ré pontua que a prova pericial seria necessária ao caso, para os fins de se comprovar as condições e a velocidade do automóvel no momento do acidente; contudo, a sua apuração técnica teria sido inviabilizada pela conduta dos Autores, que teriam vendido o veículo sinistrado. Em relação aos danos materiais, informa que “a mera juntada de dois orçamentos não possui o condão de comprovar a narrativa feita pelos Apelados, pois os alegados danos poderiam ter sido causados por qualquer outro motivo e por exclusiva culpa do motorista, apuração pericial que ficou impossibilitada em razão da venda do automóvel”. (ID 12592743 – Pág. 11) Destarte, requer a improcedência do pedido material por ausência de provas. Prossegue com a tese de que não se aplicaria ao caso a responsabilidade objetiva de concessionárias de serviço público, pois não se trataria de uma ação da Apelante, mas de uma suposta omissão, razão pela qual haveria de se demonstrar a culpa da Concessionária pelo evento danoso. Acrescenta que não teria ocorrido qualquer falha na prestação dos serviços, tendo agido com a diligência esperada, com reiteradas rondas no local e, quando acionada, teria realizado o atendimento da ocorrência. Refuta os danos materiais referentes ao valor do guincho particular que teria encaminhado o veículo até a cidade do Rio de Janeiro (R$650,00), sob o fundamento de que não teria obrigação legal ou contratual de remover os veículos até a cidade ou a residência do usuário. Por fim, refuta o valor dos lucros cessantes, por suposta ausência de comprovação, bem assim os danos morais, porquanto os ocupantes do veículo não teriam sofrido qualquer tipo de lesão ou ferimento. Destarte, requer o provimento do recurso com a improcedência dos pedidos iniciais. Por sua vez, na apelação de ID 12592755, os Autores insurgem-se, tão somente, do capítulo referente aos lucros cessantes. Argumentam que haveria equívoco na r. sentença em relação ao quantum devido, uma vez que os comprovantes de faturamento da Uber apresentados demonstrariam a renda semanal, e não a mensal apontada na origem. Dessa forma, requerem o provimento da apelação para reconhecer que o valor indenizatório referente aos lucros cessantes deve ser de R$ 385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos) por semana, ou de 1.541,56 (um mil e quinhentos e quarenta e um reais e cinquenta e seis centavos) por mês, ou, ainda, de R$6.166,24 (seis mil e cento e sessenta e seis reais e vinte e quatro centavos) para o período de 26.06.2017 a 17.10.2017. De início, permito-me o registro de que o pedido de improcedência do pedido baseado na tese da suposta imprescindibilidade de realização de prova pericial no automóvel sinistrado não configura tecnicamente uma preliminar de cerceamento de defesa, mas um dos fundamentos de mérito invocados pela defesa para demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelos Autores, na forma do art. 373, II, do CPC. Tanto assim o é que intimadas as partes para dizer se teriam alguma prova a produzir (ID 12592735 – Pág.1), a parte Ré quedou-se inerte, ocasionando a consequente prolação da sentença ora recorrida. Dirimidas as dúvidas pertinentes, avanço ao mérito de ambos os recursos, que serão apreciados em conjunto. I – Da Responsabilidade objetiva da Concessionária pelo acidente ocorrido em rodovia por falha na segurança Consoante exposto alhures, o caso em voga recai na análise da responsabilidade civil da prestadora de serviços públicos por danos causados a terceiro decorrente de suposta falha de segurança, diante do tráfego de animais silvestres em rodovia sob concessão. A defesa advoga a tese de que não se aplicaria, à hipótese, a responsabilidade objetiva de concessionárias de serviço público, pois não se trataria de uma ação propriamente dita da concessionária, mas de uma suposta omissão, razão pela qual haveria de se demonstrar a culpa da Ré pelo evento danoso. Em que pesem os seus argumentos, o caso deve ser solucionado à luz da teoria da responsabilidade objetiva. Não bastasse a disposição constitucional (art. 37, §6º, da CF/88), a relação entre a operadora da rodovia pedagiada (ID 12592703 – Pág.1) e a vítima enquadra-se na hipótese prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, na qualidade de prestadora de serviço, sendo a responsabilidade igualmente objetiva em razão do dever do Órgão de cuidar e fiscalizar o tráfego a fim de evitar acidentes, conforme interpretação do art.1º, § 3º, do Código Nacional de Trânsito, senão vejamos. A Constituição Federal dispõe sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, nos seguintes termos: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Ao abordar o tema e esmiuçar as limitações dessa responsabilidade, o festejado doutrinador José Afonso da Silva leciona: “(…) Não se cogitará da existência ou não de culpa ou dolo do agente para caracterizar o direito do prejudicado à composição do prejuízo, pois a obrigação de ressarci-lo por parte da Administração ou entidade equiparada fundamenta-se na doutrina do risco administrativo. (…) O terceiro prejudicado não tem que provar que o agente procedeu com culpa ou dolo, para lhe correr o direito ao ressarcimento dos danos sofridos. A doutrina do risco administrativo isenta-o do ônus de tal prova, basta comprove o dano e que este tenha sido causado por agente da entidade imputada (…)” (In Curso de Direito Constitucional Positivo, 27ª Ed, pág. 674). Na esteira desse raciocínio, o atual Ministro Alexandre de Moraes, em sua prestigiada obra de Direito Constitucional, aborda com precisão as limitações dessa responsabilidade: “As características básicas do preceito constitucional consagrador da responsabilidade civil objetiva do Poder Público (CF, § 6º do art. 37) são: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa; a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deverá reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa; os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus damni e a ação ou omissão do agente público ou do prestador de serviço público; oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado; no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima; havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilidade do Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado deverá ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenização; a responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa dos agentes públicos, por tratar-se de instâncias independentes.198 Assim, a absolvição do servidor no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado, se não ficar comprovada culpa exclusiva da vítima; a indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, o que deixou de ganhar em consequência direta e imediata do ato lesivo do Poder Público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora, se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5º, V, da Constituição Federal, será possível a indenização por danos morais; a Constituição Federal prevê ação regressiva contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. (Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017, pág.281). Há de se pontuar que a teoria invocada pela defesa em sua apelação, no sentido de que não haveria uma conduta ativa propriamente dita da concessionária, o que evidenciaria tratar de responsabilidade subjetiva, não se sustenta. Nesse aspecto, a jurisprudência evoluiu sobre o tema, entendendo que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, em situações como a ora em exame, em que a concessionária de serviço público tinha o dever legal específico de agir e impedir o dano – função de vigilância e oferecer boas condições de tráfego –, em contrapartida ao pedágio que cobra, e a sua omissão cria a situação propícia para a ocorrência do evento danoso (omissão específica). Nesse sentido, destaco os seguintes arestos das Cortes Superiores, no sentido da responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público em hipóteses de falha da segurança, tal como ocorre no tráfego de animais silvestres nas pistas. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO DE ANIMAL. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. “As pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público – concessionárias e permissionárias – respondem objetivamente pelos danos causados a terceiros” (AgRg no AREsp 16.465/DF, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/4/2014, DJe 2/5/2014). 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n.7/STJ). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem se baseou nas circunstâncias fáticas dos autos para concluir que foi comprovada a omissão da concessionária, devido à ausência de fiscalização regular da pista de rolamento. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AgRg no AREsp 838.337/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 09/08/2016) EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Acidente de trânsito. Rodovia pedagiada. Concessionária de serviço público. Responsabilidade objetiva. Possibilidade. Elementos da responsabilidade civil demonstrados na origem. Dever de indenizar. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, em situações como a ora em exame, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise de legislação infraconstitucional e o reexame do conjunto fático-probatório da causa. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, tendo em vista que, na origem, os honorários advocatícios já foram fixados no limite máximo previsto no § 2º do mesmo artigo. (ARE 951552 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 02/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 25-08-2016 PUBLIC 26-08-2016) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE. RECONSIDERAÇÃO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. SÚMULA N. 83 DO STJ. CULPA PELO ACIDENTE. PRETENSÃO DE REVISÃO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Essa responsabilidade objetiva baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação à qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, ou, ainda, em caso fortuito ou força maior” (AgInt no REsp n. 1.793.661/RJ, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 3/9/2019, DJe 19/9/2019). Aplicação da Súmula n. 83 do STJ. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem incursão no contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ. 3. O Tribunal de origem afastou a responsabilidade objetiva da ré, pois concluiu pela culpa exclusiva da vitima. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é vedado em recurso especial. 4. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e negar provimento ao agravo nos próprios autos. (AgInt no AREsp 1520197/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 05/11/2019) Na esteira desse raciocínio, os seguintes julgados deste e. TJDFT, in verbis: DIREITO ADMINISTRATO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO. ATO ILÍCITO. ACIDENTE. ATROPELAMENTO. MORTE. GENITORA E ESPOSA. DANO MATERIAL. DANO MORAL. I – O Direito Brasileiro adota a teoria do dano direto e imediato ou da interrupção do nexo de causalidade, prevista no art. 403 do Código Civil. Assim, somente haverá o dever de indenizar quando o dano provocado for efeito necessário da causa, havendo um liame lógico-jurídico entre a causa necessária e o dano dela decorrente, direta ou indiretamente. II – A responsabilidade da empresa de transporte coletivo é excluída quando se verifica que o atropelamento ocorreu em local diverso da parada de ônibus e após finda a prestação do serviço de transporte, não havendo nexo de causalidade entre a causa necessária e o dano experimentado. III – A concessionária de serviço público responde objetivamente pelos danos causados por omissões que denotem falha na segurança das rodovias nas hipóteses em que tem o dever específico de agir e a sua omissão cria a situação propícia para a ocorrência do evento danoso (omissão específica). Precedentes do STF. IV – Em contrapartida ao pedágio que cobra, a empresa concessionária de serviço público assume o encargo de não só oferecer boas condições de tráfego, mas também garantir a segurança dos usuários. V – Em se tratando de morte de genitor de filhos menores a dependência econômica e a necessidade alimentar são presumidas, sendo desnecessária prova de exercício de trabalho remunerado para a concessão da indenizaçao por danos materiais. VI – A determinação de que se constitua capital para assegurar o pagamento do valor mensal da mensal, além de prevista no art. 533 do CPC, atende ao entendimento firmado pelo STJ na Súmula 313. VII- A compensação pelos danos morais deve ser informada por critérios de proporcionalidade e razoabilidade, incumbindo ao magistrado avaliar e sopesar a violação psíquica do ofendido, proporcionando-lhe adequado conforto material como forma de atenuar seu sofrimento, sem, contudo, se olvidar das condições econômicas das partes; a natureza do dano sua extensão, etc. VIII – Negou-se provimento ao recurso da ré e deu-se parcial provimento ao recurso dos autores. (Acórdão 1133059, 20150110778008APC, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 24/10/2018, publicado no DJE: 30/10/2018. Pág.: 416/454) APELAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE. AFASTADA. ACIDENTE OCORRIDO EM RODOVIA. ANIMAL NA PISTA. DANOS MATERIAIS. DEVIDOS. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. No presente caso discute-se o dever de indenizar pelos danos materiais decorrentes de acidente de veículo em rodovia administrada por Concessionária de Serviços Públicos. 2. Não há que se falar em ilegitimidade do autor em requerer a indenização, vez que é proprietário do veículo e as notas fiscais foram emitidas em nome de pessoa que possui vínculo empregatício com o autor. Preliminar afastada. 3. A responsabilidade civil da Administração Pública e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos por ações de seus agentes, nesta qualidade, é objetiva em congruência ao artigo 37, §6º da Constituição Federal e a teoria do risco administrativo. 4. Para configuração da responsabilidade, necessária a existência do dano, ação do prestador de serviço e nexo causal. No caso em análise, presentes todos os requisitos. 5. Compete a concessionária fiscalizar as rodovias que administra zelando por sua conservação e segurança. Assim, acidente decorrente de animal morto na pista de rolamento, configura a responsabilidade em indenizar pelos danos materiais sofridos. 6. Recurso conhecido e Não Provido. Sentença Mantida. (Acórdão 1057397, 20161610045050APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/10/2017, publicado no DJE: 6/11/2017. Pág.: 127-140) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. RESPONSABILIDADE POR DEFEITO DO SERVIÇO. FALHA NA SINALIZAÇÃO DE ACIDENTE. PREJUÍZO ÀS CONDIÇÕES DE CIRCULAÇÃO CARACTERIZADO. ÔNUS DA PROVA QUANTO ÀS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. RECURSO PROVIDO. De mais a mais, na qualidade de prestadora de serviço, configura-se igualmente a responsabilidade objetiva pela ótica interpretativa do art.1º, § 3º, do Código Nacional de Trânsito, em razão do dever do Órgão de cuidar e fiscalizar o tráfego a fim de evitar acidentes. Confira-se: “Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código. § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. § 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”. Tem-se, portanto, que a situação em voga deve ser analisada à luz da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Não obstante a responsabilidade pelos danos causados a terceiros, usuários ou não, em razão do risco administrativo, conforme § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, essa pode ser afastada caso a concessionária comprove que o acidente noticiado se deu em virtude de culpa exclusiva da vítima ou em decorrência de caso fortuito ou força maior. Inexiste tal prova, no caso. Nesse aspecto, o Laudo da Polícia Rodoviária Federal apurou: “Declaro para os fins de direito, advertido das penas de lei, na qualidade de Condutor, que na data de 15/06/2017, às 20:45, no endereço BR 040, KM 32.0, Trecho Principal BR 040 (22,5 ao 39,0), TRES RIOS-RJ, o veículo HONDA-CRV EXL de placa KWO3889 conduzido por MARCELO AUGUSTO SANTOS PORTILHO, CPF 050.547.636-35 , envolveu-se em um acidente sem vítima do tipo Atropelamento de Animal. No momento do acidente seu veículo Seguia o fluxo” . (ID 12592707 – Pág. 1) “CAPIVARA ULTRAPASSOU A VIA DE SEGURANÇA, CARRO SENTIDO JUIZ DE FORA COLIDIU DE FRENTE AO SAIR DA CURVA. CONSTATADO PELA CONCER E O OPERADOR, FUNCIONARIO – MARCELO CONSTATOU EM AUTO DE REGISTRO. O CARRO FOI REBOCADO POR EMPRESA PARTICULAR”. (ID 12592707 – Pág.2) A Concessionária Ré sustenta que o tráfego de animais seria caso fortuito ou de força maior. A referida tese não merece ser prestigiada. Respaldando-me no conceito expressamente previsto no Código Civil, em seu artigo 393, parágrafo único, o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. Ou seja, se configura quando uma determinada ação gera consequências decorrentes de efeitos imprevisíveis ou impossíveis de se evitar ou impedir. No caso concreto, não se trata de efeito imprevisível, sendo o risco inerente ao tipo de atividade exercida, uma vez que a concessionária possui a obrigação legal de fiscalizar, zelar pela conservação e segurança incontinente da rodovia sob a sua responsabilidade. Outrossim, a própria Apelante/Ré confirma que criou barreiras para tentar impedir o trânsito de animais, o que, a toda evidência não se revelou suficiente, evidenciando falha na segurança, máxime pelos indícios de se tratar de episódio comum na região. Logo, no que se refere à COMPANHIA DE CONCESSAO RODOVIARIA JUIZ DE FORA – RIO estão presentes os elementos da sua responsabilidade civil, considerando a conduta omissiva específica, decorrente da falha de segurança da rodovia; o dano, em razão da colisão do veículo de propriedade do 3º Requerido, e o nexo de causalidade, uma vez que a Ré detinha o dever legal de realizar a segurança e o monitoramento incontinente da rodovia, com possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. Restam comprovados, portanto, o evento danoso e seu vínculo com os defeitos na rodovia pedagiada. Passo, pois, à análise da controvérsia instaurada em relação aos valores dos danos materiais e dos morais impugnados na apelação da Requerida. II – Dos Danos Materiais e Morais II.1 – Indenização pelos danos materiais no automóvel Em relação aos danos materiais, a Apelante/Ré sustenta que “a mera juntada de dois orçamentos não possui o condão de comprovar a narrativa feita pelos Apelados, pois os alegados danos poderiam ter sido causados por qualquer outro motivo e por exclusiva culpa do motorista, apuração pericial que ficou impossibilitada em razão da venda do automóvel”. (ID 12592743 – Pág. 11) Destarte, requer a improcedência do pedido material por ausência de provas. Não lhe assiste razão, tendo em vista que os Autores realizaram as diligências que lhe competiam no momento do evento danoso. Atente-se que a Polícia Rodoviária Federal prestou a assistência devida aos Autores (ID 12592707 – Pág. 1), oportunidade em que os orientou a realizar junto ao departamento da Concessionária Ré (CONCER) o registro da ocorrência para eventual ressarcimento. Nesse aspecto, os Autores esclareceram (ID 12592689 – Pág. 3): “Até a chegada do supervisor da concessionária identificado como “Marcelo” se passou mais de uma hora, quando lhe foi informado que o pedido de ressarcimento deveria ser realizado pelo telefone de número 08002820040 e que se digitasse o número 9 para ter o encaminhamento ao ressarcimento. Na ligação deveria citar o número do protocolo para facilitar o atendimento. Feito todos os registros para a solução mais rápida da lide, o carro foi recolhido por reboque para o Rio de Janeiro e o primeiro requerente com sua família prosseguiram viagem para Juiz de Fora. Na segunda-feira seguinte ao acidente, os requerentes ligaram para a CONCER para tentar resolver os problemas obtidos com o atropelamento do animal e obtiveram o pedido de ressarcimento negado (doc. 6). A negativa da concessionária, bem como a ausência de qualquer suporte pelo período no qual o carro ficou avariado, ocasionou diversos transtornos para os Requerentes”. A versão autoral, no entender desse Relator, mostra-se verossímil, sendo a dinâmica corroborada pelos diversos registros e sequências apresentadas pela própria Concessionária, conforme documentos de ID 12592729 – Pág. 2/47. Nesse norte, não me parece razoável a alegação da Concessionária de que o veículo teria de estar atualmente no mesmo estado de conservação da data do acidente automobilístico, ocorrido em 15.06.2017, para se realizar perícia de averiguação das peças danificadas constantes nos orçamentos apresentados. Ora, diante do risco da sua atividade e a comunicação tempestiva do acidente realizada pelos Autores, a Concessionária deveria ter se acautelado em providenciar a sua própria inspeção sobre o veículo danificado, como forma de garantir a pretensa lisura dos orçamentos que ora se questiona. Com efeito, o mero inconformismo da Requerida com os orçamentos apresentados não configura fato impeditivo, modificativo ou extintivo dos Autores, isso porque as provas por eles colacionadas são robustas, havendo fotos do veículo danificado (ID 12592702 – Pág. 4/20); Boletim de Ocorrência junto à Polícia Rodoviária Federal (ID 12592707 – Pág.1/2); recibo do guincho de veículo (ID 20353281); registros da comunicação do acidente junto ao departamento responsável da Concessionária, denominado CONCER (ID 12592729 – Pág. 2/47). Outrossim, a Apelante/Ré sequer apontou inconsistências nos dois orçamentários apresentados, considerando os danos no veículo (conforme fotos de ID 12592702 – Pág. 4/20) e as peças descritas minuciosamente como necessárias ao reparo. Indo além, quedou-se inerte quando intimada a se manifestar sobre a produção de provas (ID 12592734 – Pág.1). Igualmente, devido o valor gasto na contratação do guincho particular, de R$650,00 (seiscentos e cinquenta reais), para o encaminhamento do veículo até a cidade do Rio de Janeiro/RJ, porquanto inserido na esfera dos desdobramentos dos danos causados. E, nos termos do artigo 927, caput, do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Por tais razões, mantenho a solução de origem, em que Sua Excelência a quo ponderou que “são colacionados aos autos dois orçamentos para o conserto do automóvel (ID 20353511 – R$32.758,19 e 20353552 – R$34.279,37), de modo que deve ser o réu condenado ao pagamento da média desses valores, uma vez que condizentes com os danos, portanto, no valor de R$33.518,78 (trinta e três mil, quinhentos e dezoitos reais e setenta e oito centavos)”. II.2 – Indenização pelos lucros cessantes Em relação aos lucros cessantes – que compõem, como sabido, o dano material –, o entendimento do julgador de origem é o seguinte (ID 12592738 – Pág.3): “A parte autora ainda pugna pela condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes desde 15.06.2017 até 17.10.2017, uma vez que o automóvel era utilizado para prestação de serviço por meio do aplicativo Uber. Ocorre que o autor informa que em 15.06.2017 saiu em viagem com a família, logo, pelo menos nessa data, não seria possível compensar pelos lucros cessantes, uma vez que o veículo não seria utilizado para esse fim nesse dia. O autor colaciona aos autos comprovante de rendimento pelo aplicativo Uber, referente aos valores recebidos entre 06.03.2017 e 19.06.2017, que considero apto a comprovar a média de rendimento, sendo devido o valor de R$385,39 por mês sem prestar o serviço. Quanto ao período, limito entre uma semana após a viagem, período médio desse tipo turismo, 26.06.2017, até a data requerida, 17.10.2017, já que inequívoco que até então não prestou serviço àquele título, devendo observar a fração diária daquele valor”. Os Apelantes/Autores insurgem-se contra a r. sentença alegando que “o juiz de primeiro grau não se atentou ao fato de que os comprovantes de faturamento da uber (id. 20353454), “considerados aptos a comprovar a média de rendimento”, são SEMANAIS, conforme as figuras abaixo” (ID 12592755 – Pág. 3) Por sua vez, a Apelante/ré entende que os lucros cessantes não seriam devidos por falta de comprovação documental. A esse respeito, observo que os documentos de ID 12592704 – Pág. 5 e os relatórios de rendimentos auferidos pelo 3º Apelado como motorista do aplicativo Uber (ID 12592704 – Pág. 1) comprovam a sua renda semanal, não sendo o mero inconformismo da parte Ré suficiente para infirmar tal fato, sobretudo porque – frise-se – quedou-se inerte quando intimada a produzir provas. Nesse ponto, o r. sentenciante esclareceu que “no entanto, em análise da sentença, esta foi clara em analisar que no período compreendido entre 06.03.2017 e 19.06.2017, ou seja, mais que um mês, foi apurada a média de rendimento de R$385,39”. (ID 12592752 – Pág. 2) Ocorre que os relatórios utilizados como base de rendimentos da Uber, de fato, apresentam valores semanais. A título de esclarecimento, observo (ID 12592707, Pág.2/4): · no mês de março/17 (semanas 6-13; 13-20; 20-27; 27-3 de abril) apurou-se o total de R$2.561,66 (dois mil e quinhentos e sessenta e um reais e sessenta e seis centavos), com média semanal de R$640,41 (seiscentos e quarenta reais e quarenta e um centavos); · no mês de abril/17 (semanas 3-10; 10-17; 17-24; 24-1 de maio) apurou-se o total de R$1.258,84 (mil e duzentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos); · no mês de maio/17 (semanas 1-8; 8-15; 15-22; 22-29 de maio) apurou-se o total de R$956,42 (novecentos e cinquenta e seis reais e quarenta e dois centavos), com média semanal de R$239,10 (duzentos e trinta e nove reais e dez centavos); · no mês de junho/17 (semanas 29-5 de junho; 5-12; 12-19;) apurou-se o total de R$1.003,95 (mil e três reais e noventa e cinco centavos), com média semanal de R$334,65 (trezentos e trinta e quatro reais e sessenta e cinco centavos);
Logo, entendo assistir razão aos Apelantes/Autores, porquanto de uma média aritmética simples conclui-se que o valor referente aos lucros cessantes deve ter como parâmetro a média semanal de R$385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos), devendo ser alterada a r. sentença, nesse tocante. II.3 – Indenização por danos morais Por fim, em relação aos danos morais, entendo que esses não merecem prosperar. Em que pese o infortúnio acidente automobilístico, a experiência vivenciada pelos 1º e 2º Requeridos não originou lesão à sua integridade física ou à sua capacidade para as atividades cotidianas, razão pela qual entendo que os danos morais devem ser afastados. Nesse sentido, destaco o seguinte aresto desta e. Corte Fracionária: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. ACIDENTE ENVOLVENDO VEÍCULO. COLISÃO. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE PROVAS DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. DEPRECIAÇÃO DO BEM. NÃO COMPROVAÇÃO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PROVEITO ECONÔMICO ESTIMADO. A ausência de provas que subsidiam as alegações da parte recai sobre ela, como consequência negativa no processo, pois o ônus da prova, em regra, cabe a quem alega determinado fato. Não havendo prova da depreciação do bem em razão do sinistro, não há que falar em dever de indenizar a esse título. Colisão com veículo sem lesão à integridade física ou à capacidade para as atividades cotidianas não enseja dano moral. Os honorários advocatícios, em caso de improcedência do pedido de reparação por danos morais, devem ser fixados de acordo com o proveito econômico estimado, ou seja, a média do valor da compensação pelos danos, caso o pedido fosse julgado procedente. (Acórdão 1198838, 07311586720178070001, Relator: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 4/9/2019, publicado no PJe: 13/9/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.) Essas as razões por que DOU PARCIAL provimento aos recursos dos Autores e da Concessionária Ré para, tão somente, reformar a r. sentença nos seguintes pontos: (i) alterar a base de cálculo dos lucros cessantes, item “c” do dispositivo sentencial, devendo o parâmetro ser o valor semanal de R$385,39 (trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos); (ii) afastar a condenação a título de danos morais, item “d” do dispositivo sentencial. Em face da sucumbência mínima dos Autores, mantenho a condenação da Requerida ao pagamento total das verbas de sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil. É como voto. |
O Senhor Desembargador JOSÉ DIVINO – 1º Vogal Com o relator |
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – 2º Vogal Com o relator |
DECISÃO
CONHECIDOS. PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME.