Direito Civil

Indenizado homem que teve 58% do corpo queimado em explosão de piche

Créditos: Billion Photos / Shutterstock.com

A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) manteve sentença do juiz Hamilton Gomes Carneiro, que condenou o município de Campos Belos ao pagamento de R$ 500 mil a título de indenização por danos moral e estéticos ao ex-secretário de Infraestrutura e Transportes, Gilene de Souza Barbosa, de 45 anos, que teve 58% do corpo queimado. A sentença foi proferida durante os trabalhos do Programa Justiça Ativa na comarca, realizado de 1º a 4 de dezembro de 2015. O voto foi relatado pelo desembargador Itamar de Lima, em duplo grau de jurisdição e apelação cível, cujo acórdão foi publicado no dia 04.11.2016, no Diário da Justiça Eletrônico.

Gilene sustentou que no dia 3 de dezembro de 2010, por volta das 15 horas, ao desempenhar regularmente sua função de fiscalizar as obras de pavimentação asfáltica numa rua do Setor Vila Esperança, ocorreu uma explosão no tanque do espargidor do caminhão, lançando piche com fogo, que atingiu todo o seu corpo, ocasionando-lhe gravíssimas queimaduras de 1º, 2º e 3º graus.

Durante audiência em Campos Belos, muito emocionado ao relembrar o acidente, o servidor público municipal contou ao juiz que a explosão foi muito rápida e, quando deu por si, já estava todo tomado em chamas. “Me lembro que estava próximo ao tanque carregado com óleo diesel e ar-comprimido que serve para aquecer o produto asfáltico que é jogado no chão quando, de repente, senti um baque no meu braço esquerdo e caí mais ou menos a cinco metros de distância. Foi uma loucura! Os trabalhadores que estavam na obra tentando apagar o fogo, tentando tirar minhas roupas e eu, meus sapatos”, relatou.

Lesões profundas

De acordo com os laudos médicos, ele ficou com 58% do seu corpo queimado, com lesões profundas, as quais evoluíram em quadro de infeção grave, resultando em um crítico período de internação, que totalizou 60 dias. Em Campos Belos, Gilene recebeu os primeiros socorros, tendo seguido para um Hospital de Brasília, “onde fiquei 90 dias, sendo 60 entre unidade de terapia intensiva (UTI) e um quarto de um hospital”, afirmou o servidor, lembrando que pegou uma infeção hospitalar, tratada com antibiótico importado.

Segundo ele, foram momentos difíceis: “O meu braço esquerdo ficou puro carvão. A carne foi consumida pelo fogo e quando cheguei a Brasília o médico pensou até em amputá-lo. Como Deus é grande, no segundo momento de avaliação, consegui mexer com o braço e ele está aí. Ganhou implante de pele retirado de minhas costas e barriga e ainda vou ter de fazer cirurgias para recuperação da mão”. Também a sua perna esquerda passou por um enxerto.

O servidor sustentou, ainda, que era horrível quando ia fazer os curativos, mesmo tomando remédios para dor, associado com morfina. “Saía de casa andando a pé para o hospital e voltava carregado por familiares e amigos de tanta dor”. As suas queimaduras foram mais acentuadas nos braços e nas duas pernas, principalmente do joelho para baixo. No entanto, seu abdome e costas estão com imensas cicatrizes, pela retirada de pele para os enxertos a que se submeteu.

Por sua vez, o município de Campos Belos alegou, no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), que teria havido culpa concorrente de Gilene, ao argumento de que a fiscalização de obras não é atividade inerente ao cargo que ocupa, estando no local do acidente por livre espontânea vontade.

Para o desembargador Itamar de Lima, restou caracterizada a responsabilidade do município em indenizar o autor em R$ 250 mil, por danos estéticos, e mesmo valor para os danos morais. “Inexistindo demonstração de que o ente público promovia a contento a manutenção em equipamento destinado à construção do asfalto e que fiscalizasse a efetiva utilização dos itens de segurança, resta configurada sua responsabilidade pelo acidente sofrido pelo servidor, ensejando assim o dever de reparar os danos morais e estéticos sofridos, resultante das queimaduras. Portanto, não se pode imputar culpa à vítima, afastando-se, pois, a excludente em referência”, ressaltou o relator.
Segundo ele, não há como deixar de qualificar como imprudente a inércia do ente público municipal em tentar evitar o que era perfeitamente previsível, pois o resultado poderia ser outro se tivessem sido adotadas as cautelas impostas pelas normas de segurança, já que não se pode mesmo imaginar que servidores sejam submetidos a trabalho como aquele, que envolve operação de máquinas, sem a adequada manutenção.

Itamar de Lima ressaltou “acertada a sentença que condenou o município no pagamento de indenização por danos morais e estéticos ao autor/apelado”. Ao final, o desembargador observou que a condenação a título de dano moral imposta ao ente municipal, diferentemente da sentença do 1º grau, deve incidir correção monetária desde a data do seu arbitramento (Súmula 362 do STJ), e os juros de mora a partir da data do evento danoso (03/12/2010) por se tratar de relação extracontratual, obedecendo ambos os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a nova redação dada pela Lei n.11.960/2009”.

Abalo emocional e psicológico

Sobre a sua vida após o acidente, Gilene Barbosa afirmou que houve um grande abalo emocional e psicológico, visto que, apesar de o acidente não lhe ter incapacitado totalmente, lhe provocou muitos danos, morais e estéticos, de caráter irreversível, lesionando, assim, sua autoestima. “Não posso mais pescar por causa do sol, pois a minha pele está muito sensível e hoje sou dependente de protetor solar de fator alto. Também não posso mais ir ao clube, nadar na piscina, porque fico com vergonha de colocar um short de banho por conta de minhas cicatrizes ocasionadas pelas queimaduras e pela retirada de pele para os enxertos. Não pratico mais o tanto de modalidades esportivas a que era acostumado e me sinto muito mal quando chego num lugar e as pessoas ficam me olhando”.

Funcionário efetivo desde 2005, Gilene voltou a trabalhar na Prefeitura de Campos Belos antes da audiência na comarca, em serviços internos. Ele ainda necessita de acompanhamento médico multidisciplinar e precisa de várias cirurgias estéticas. Duplo Grau de Jurisdição nº 174975-77.2012.8.09.0026 (201291749756). (Texto: Lílian de França – Centro de Comunicação Social do TJGO)

Leia o Acórdão.

Fonte: Tribunal de Justiça de Goiás

Ementa:

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE ENVOLVENDO SERVIDOR PÚBLICO EM HORÁRIO DE TRABALHO POR EXPLOSÃO DO TANQUE ESPARGIDOR DE ASFALTO. OMISSÃO DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. DEVER DE INDENIZAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMPROVADO. DANO MORAL E DANO ESTÉTICO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. SÚMULA 387 DO STJ. VALOR INDENIZATÓRIO MANTIDO. TERMO INICIAL E REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA 362 DO STJ. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. 1- A responsabilidade civil do Estado é subjetiva, se o dano adveio de acidente laboral, exigindo-se a comprovação de culpa da Administração Pública, na qualidade de empregador, nos termos do art. 7º, inciso XXVIII, da CF/88. Precedentes jurisprudenciais. 2- Comprovado nos autos que o Município não diligenciou no sentido de garantir equipamentos a serem usados pelo servidor que não apresentavam riscos à sua segurança, e não sendo suficiente a existência de oficina que atua somente quando o maquinário apresenta mal funcionamento, impõe-se a responsabilidade do ente municipal pelos danos causados à vítima em decorrência da explosão do tanque espargidor de asfalto quando atuava na fiscalização da obra pública. 3- Inexistindo demonstração de que o ente público promovia a contento a manutenção em equipamento destinado à construção do asfalto e que fiscalizasse a efetiva utilização dos itens de segurança, resta configurada sua responsabilidade pelo acidente sofrido pelo servidor, ensejando assim o dever de reparar os danos morais e estéticos sofridos, resultante das queimaduras. Portanto, não se pode imputar culpa à vítima, afastando-se, pois, a excludente em referência. 4. A indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade e razoabilidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função condenatória, nem ser excessiva a ponto de descaracterizar o seu papel compensatório, ensejando enriquecimento injustificado à parte. 5- Enquanto que o dano moral corresponde ao sofrimento mental - dor da alma -, o dano estético corresponde à alteração morfológica da formação corporal da vítima. Caso em que as extensas cicatrizes que percorrem o corpo do autor provavelmente o acompanharão ao longa da vida. No caso concreto deve ser mantido o valor indenizatório de R$500.000,00 arbitrados a título de danos morais e estéticos, os quais podem ser cumulados segundo enunciado da Súmula 387 do STJ. 6- Sobre a condenação a título de dano moral imposta ao ente municipal deve incidir correção monetária desde a data do seu arbitramento (Súmula 362 do STJ), e os juros de mora a partir da data do evento danoso (03/12/2010) por se tratar de relação extracontratual, obedecendo ambos os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a nova redação dada pela Lei n. 11.960/2009. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO - DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO Nº 174975-77.2012.8.09.0026 (201291749756) CAMPOS BELOS, AUTOR: GILENE DE SOUZA BARBOSA, RÉU: MUNICÍPIO DE CAMPOS BELOS, APELAÇÃO CÍVEL -  APELANTE: MUNICÍPIO DE CAMPOS BELOS, APELADO: GILENE DE SOUZA BARBOSA, RELATOR: DESEMBARGADOR ITAMAR DE LIMA. CÂMARA : 3ª CÍVEL. Data da Decisão: 18.10.2016).

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