Em processo julgado na 37ª VT de BH, juiz nega a motorista vínculo com Uber
Já somam mais de uma dezena as ações envolvendo a empresa Uber em tramitação na Justiça do Trabalho mineira. Em muitas delas, os motoristas credenciados para atender clientes que buscam transporte privado pelo aplicativo pleiteiam o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa gestora da plataforma digital, Uber do Brasil Tecnologia Ltda, e suas matrizes internacionais (Uber Internacional B.V. e Uber Internacional Holding B.V.). Argumentam que, embora credenciados apenas como parceiros, trabalhavam com todos os requisitos para a caracterização da relação de emprego e pedem um largo elenco de verbas trabalhistas e rescisórias, alegando dispensa injusta. Já o Uber apresenta-se como uma plataforma digital de serviços e nega qualquer possibilidade de vínculo empregatício, até porque, é o motorista quem o contrata e o remunera para angariar clientes através do aplicativo. Afirma que eles têm ampla liberdade para fixar os próprios horários e trabalhar com autonomia.
Como se trata de processos recentes, a maioria deles em fase de instrução processual, ainda não há muitas decisões em primeira instância e o tema ainda não chegou ao TRT-MG, segunda instância trabalhista no estado. Mas as primeiras decisões já começam a ser proferidas e, ao final, irão delinear o quadro dos entendimentos prevalecentes na Casa sobre o tema. Por ora, o que se tem são duas sentenças publicadas recentemente – e cada uma com um entendimento próprio e em sentidos contrários:
Na decisão publicada na última segunda-feira, 13 de fevereiro, o juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Márcio Toledo Gonçalves, reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista reclamante e a Uber do Brasil Ltda. Clique aqui para ler a notícia.
Mas, antes disso, em sentença proferida em 30 de janeiro de 2017, o juiz Filipe de Souza Sickert negou o vínculo pretendido pelo reclamante Artur Soares Neto, ao julgar a ação do motorista contra as empresas Uber do Brasil, Uber Internacional e Uber Holding, na 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Acompanhe o caso
No processo julgado na 37ª VT da Capital, o motorista alegou que, após passar por processo seletivo, iniciou as atividades como motorista da Uber do Brasil, sendo dispensado cinco meses depois, sem receber nenhuma verba trabalhista. Disse que chegou a realizar jornadas de trabalho de dez a onze horas por dia, em horários variados, de acordo com a demanda por clientes, especialmente no horário noturno. Afirma que recebia semanalmente o valor médio de R$504,42. Ressaltou que, ao longo do período em que atuou como motorista da Uber do Brasil, percebeu que “não detém toda a autonomia para o exercício da atividade” e que “o sistema implantado não permitirá jamais uma remuneração justa pelo extenuante trabalho” . Argumenta que a Uber, por meio do seu aplicativo, controla o serviço de transporte efetuado entre os motoristas e os passageiros, fixa a tarifa pelo serviço, recebe o valor pago pelo cliente e realiza semanalmente o repasse das quantias recebidas dos clientes para o motorista contratado, retendo 25% ou 30% desse valor. Por tudo isso, pediu o reconhecimento de vínculo de emprego, com a devida anotação da carteira de trabalho, além do pagamento de várias verbas trabalhistas e rescisórias, como aviso prévio, horas extras, adicional noturno, remuneração dos domingos e feriados trabalhados, férias, 13º, FGTS, auxílio-alimentação e indenização por danos morais, por ausência de ponto de apoio com sanitários e local para refeições.
As empresas contestaram a existência dos requisitos legais para a caracterização do vínculo. Afirmaram que não prestam serviços de transporte e nem operam como agente para o transporte de passageiros. Pela tese da defesa, o motorista não lhes prestou serviços, tratando-se de usuário da plataforma disponibilizada por elas. Ressaltaram que os motoristas não lhes são subordinados, tratando-se de profissionais autônomos, sem nenhuma exclusividade. Reafirmaram que elas é que prestam serviço aos motoristas, por meio de uma plataforma digital que permite e facilita que eles angariem passageiros. Tanto que o motorista tinha liberdade para escolher os dias e horários nos quais pretendia se conectar ao aplicativo para atender aos usuários Uber, e que a única exigência para a manutenção da parceria com elas seria a constante promoção de experiências positivas para os usuários. Contestando a existência de processo seletivo, as rés alegaram que, após o envio da documentação solicitada, o reclamante foi acolhido como motorista parceiro, tendo aceitado livremente as condições que lhe foram oferecidas para a utilização da plataforma Uber. Informaram que ele não recebeu nenhuma remuneração, mas, ao contrário, foi ele quem as remunerou pela utilização do aplicativo.
Subordinação ausente
O juiz analisou o caso à luz dos artigos 2º e 3º da CLT, que traçam os pressupostos para a caracterização da relação de emprego: a pessoalidade, a subordinação jurídica, a onerosidade e a não eventualidade na prestação dos serviços. “Apenas o somatório de todos esses pressupostos tem por consequência a caracterização do vínculo de emprego”, pontuou.
E, de acordo com as conclusões do magistrado, o conjunto probatório revelou que, de fato, não havia subordinação do motorista em relação às rés, o que, por si, já inviabiliza o reconhecimento do vínculo empregatício. Ele explicou que a subordinação jurídica se refere ao dever que o empregado tem de acatar as ordens dadas pelo empregador no que diz respeito ao modo da prestação dos serviços. “Não se confunde com a subordinação jurídica a mera existência de obrigações contratuais entre as partes – o que é comum em todo tipo de contrato -, sendo, na verdade, fundamental que o próprio modo da prestação de serviços seja dirigido pela outra parte para que esteja configurada a subordinação a que se refere o art. 3º, caput, da CLT”, arrematou o julgador.
Em depoimento pessoal, o próprio motorista revelou a ausência de subordinação jurídica, já que as rés não lhe davam ordens, nem dirigiam as determinações diretamente a ele. Logo no início do depoimento, ele revelou que, em vídeo exibido pela Uber do Brasil, ficou claro que havia modos de comportamento recomendáveis para com o cliente, mas não se tratavam de regras obrigatórias. A recomendação era no sentido de que essas instruções sobre como estar bem trajado, descer do carro, abrir a porta para o passageiro, manter o carro limpo e oferecer água e doces, o ajudariam a obter avaliação positiva por parte do cliente.
Além disso, no depoimento pessoal, o motorista também informou que ninguém da Uber disse que ele sofreria punição caso não atendesse às recomendações. E salientou que tinha ampla liberdade com relação a horários de utilização do aplicativo, afirmando que poderia utilizá-lo em qualquer horário e quantas vezes quisesse por semana. “Tanto não havia regras quanto aos horários de utilização do aplicativo, que o reclamante afirmou haver saído de férias, durante determinado período, sem sequer haver a necessidade de prestar informação às reclamadas a respeito”, frisou o juiz.
Segundo apurou o magistrado, os itinerários das corridas também não eram determinados pelo Uber, seguindo-se, a princípio, o itinerário solicitado pelo cliente ou, alternativamente, os sugeridos no Waze ou no GPS, aplicativos vinculados ao Uber. Uma testemunha declarou que o motorista parceiro pode, inclusive, se recursar a atender chamadas feitas por usuários do aplicativo. Isso, no entender do julgador, corrobora a tese da ausência de subordinação jurídica. No mesmo sentido é o depoimento de outra testemunha, que relata a ausência de exclusividade, a inexistência do controle de intinerário pela Uber (que utiliza o sistema GPS apenas para calcular o deslocamento e o valor da corrida) e a total ausência de controle de jornada de trabalho.
Diretrizes ou sugestões?
Para o juiz, os documentos juntados ao processo não revelam ordens ou determinações quanto ao modo pelo qual o motorista deveria desempenhar o seu trabalho, mas meras recomendações e, por vezes, incentivos ao motorista, para que ele continuasse a dirigir, a fim de aumentar a sua renda, além de feedbacks (retornos), quanto à taxa de aceitação do motorista pelos clientes. Também há sugestões de quando ficar online ou offline, de como buscar os passageiros, de como manter os veículos arrumados e limpos e de como melhorar as avaliações. “A eventual classificação dos motoristas em bronze, prata e ouro para fins de acesso a determinadas vantagens decorrentes, por exemplo, de convênios mantidos pela Uber com postos de gasolina, não configura a existência de plano de carreira ou de subordinação jurídica, mas sim a concessão de incentivos para que o motorista permaneça ativo na plataforma”,esclarece.
O magistrado considera o fato de que as sugestões e incentivos até poderiam camuflar verdadeiras ordens e determinações. Mas, no seu entendimento, esse não é o caso, já que o próprio motorista revelou que, na concepção dele, tratavam-se, de fato, de incentivos. E informou que já ficou desligado da plataforma por alguns dias e não recebeu nenhuma punição, mas apenas notificação para retornar à atividade, para melhorar a renda.
Riscos e obrigações recíprocas
“Não é demais mencionar que, via de regra, as relações contratuais estabelecem obrigações para ambas as partes. A mera existência de obrigações a serem seguidas pelo autor, como adequar-se à seleção de carros da Uber e às exigências desta quanto a exames junto ao Detran e quanto ao seguro passageiro, não caracteriza a subordinação jurídica, a qual demanda a existência de ingerências significativas no modo da prestação dos serviços, o que, no caso, não havia”, ponderou, acrescentando que também não configura subordinação jurídica a exigência de que o motorista parceiro seja bem avaliado para permanecer como ativo na plataforma. Ele observou que não há qualquer interferência do Uber na avaliação feita pelos usuários do sistema, tratando-se de um risco assumido por ambas as partes contratantes.
Outro ponto que, no entender do juiz, reforça a ausência de subordinação jurídica, é que os custos e riscos da atividade eram suportados pelo motorista. O próprio reclamante declarou que fez um investimento no carro de cerca de 25 mil reais para se cadastrar na Uber, além de ter arcado com os custos do exame no Detran e com o seguro para o passageiro. Era ele também quem bancava o combustível e a manutenção do veículo.
O juiz observou que as rés não impediam que o motorista utilizasse outros aplicativos ou que fizesse corridas sem vinculação com o aplicativo da Uber, o que foi confirmado pelo próprio reclamante. Ele explica que a existência de tabela de preços, por si só, não implica a existência de subordinação jurídica do reclamante para com as rés. Há muitos tipos de contratos comerciais em que o preço do produto ou serviço é pré-estipulado.
Por fim, salienta o magistrado que não houve processo seletivo para contratação do motorista, mas sim procedimento no qual ele forneceu documentos, apresentou CNH com habilitação para o exercício de atividade remunerada de motorista e assistiu a alguns vídeos instrutivos. O que houve, na realidade, é que o próprio motorista, conforme declarou, estava desempregado e viu nessa atividade uma oportunidade de renda de até 250,00 por dia. Daí fez o cadastro, providenciou os documentos e começou a rodar.
O juiz Filipe Sickert também não identificou no caso a chamada subordinação estrutural, que se caracteriza pela inserção do trabalhador na dinâmica de funcionamento do tomador dos serviços, ainda que não receba ordens diretas. “De fato, segundo se infere do contrato social da ré, o seu objeto não consiste na realização de transporte de passageiros, mas principalmente no fornecimento de serviços de tecnologia. Além disso, no contrato celebrado entre o motorista e a Uber do Brasil, fica evidenciado que esta fornece serviços de tecnologia, não serviços de transporte, não atuando como empresa de transporte, nem operando como agente para o transporte de passageiros”. Assim, concluindo que as rés não atuam como empresas de transporte de passageiros, mas no fornecimento de serviços de tecnologia, o magistrado não vislumbrou a possibilidade de o motorista estar inserido, como empregado, na estrutura empresarial, sob a ótica da subordinação estrutural.
Por todos esses fundamentos, o juiz rejeitou o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego entre o motorista e as empresas ligadas ao Uber. Em consequência, negou todos os pedidos feitos pelo motorista na ação. O motorista foi condenado ao pagamento de custas processuais, no montante de 2% sobre o valor da causa, mas ficou isento desse pagamento, por ser beneficiário da justiça gratuita. (Texto: Margarida Lages)