O desembargador Leandro dos Santos deu provimento ao recurso de apelação de uma consumidora que comprou um refrigerador no valor de R$ 2.550,00 (dois mil e quinhentos e cinquenta reais) e passados 4 anos de uso o produto começou a apresentar defeito.
O desembargador entendeu que o defeito apresentado não respeita a vida útil que se espera do bem. “Entendo que o vício apresentado (falha em peça do gabinete do refrigerador) era oculto e não vício aparente, razão pela qual o fornecedor deve responder pela falha (vício) apresentada de acordo com o critério de vida útil do bem e não somente pelo prazo de garantia”, ressaltou.
Na decisão, Leandro dos Santos ressaltou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual tem entendido pela responsabilidade do fornecedor de produtos, considerando que a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior aquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação, evidencia uma quebra da boa fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. “O fornecedor não é eternamente responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio”, apontou.
No julgamento da Apelação Cível nº 0817335-46.2016.815.0001, oriunda do Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Campina Grande, no estado da Paraíba, o desembargador condenou a empresa N. Claudino & Cia (Armazém Paraíba) a restituir a quantia paga pelo produto (R$ 2.550,00), devidamente atualizada pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Quanto ao dano moral, o relator entendeu que não foi configurado, já que, a princípio, havia a expectativa de que o reparo do produto fosse realizado pela assistência técnica, o que não foi possível em razão do não fornecimento da peça pelo fabricante. “Além disso, o dano material não ultrapassou a esfera do ilícito contratual, deste não advindo ofensa à honra objetiva da autora ou outras consequências mais sérias”, destacou.
Da decisão cabe recurso.
Processo: 0817335-46.2016.815.0001 – Acórdão (inteiro teor para download).
(Com informações do Tribunal de Justiça da Paraíba – TJPB)
Inteiro teor do acórdão:
Tribunal de Justiça da Paraíba
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0817335-46.2016.8.15.0001
RELATOR : Desembargador LEANDRO DOS SANTOS
APELANTE : Maria Goretti de Queiroz
ADVOGADO : Patrícia Araujo Nunes
APELADO (01) : N Claudino & Cia LTDA
ADVOGADO : Daniel Dornelas Câmara Cavalcanti
APELADO (02) : Refrilux – Comércio de Peças e Serviços em Refrigeração LTDA – ME
ADVOGADO : Rayssa Dantas Ramos
ORIGEM : Juízo da 3ª Vara Cível de Campina Grande
JUIZ (A) : Thana Michelle Carneiro Rodrigues
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REFRIGERADOR. SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FORNECIMENTO DE PEÇAS E COMPONENTES RESTRITA AO FABRICANTE. INSURGÊNCIA DA AUTORA. VÍCIO DO PRODUTO. VÍCIO OCULTO. CRITÉRIO DA VIDA ÚTIL DO BEM. AFERIÇÃO DA DURABILIDADE DO BEM NO CASO CONCRETO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. ART. 26, § 3º, DO CDC. DIREITO DO CONSUMIDOR DE OBTER A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA. ART. 18, § 1º, II, DO CDC. DANOS MORAIS. CONDUTA QUE NÃO ULTRAPASSOU O ILÍCITO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE DANOS À HONRA SUBJETIVA DA AUTORA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
O STJ (RESP 984.106/SC) tem entendido pela responsabilidade do fornecedor de serviços, considerando que a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum, configurando, assim, o próprio descumprimento do contrato pela não realização do seu objeto, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.
O Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.
A vida útil esperada de um refrigerador, certamente, é superior a 5 anos, de modo que, se o defeito se manifestar antes desse ínterim, cabe ao fabricante promover os reparos necessários ou, na impossibilidade de fazê-lo, tem o consumidor direito ao ressarcimento do que pagou, caso em que haverá a responsabilidade solidária do fornecedor do produto.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível (Id 4576948) interposta por Maria Goretti de Queiroz contra a Sentença proferida pela Juíza da 3ª Vara Cível de Campina Grande que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais por ela movida em face de N CLAUDINO & CIA LTDA (Armazém Paraíba), REFRILUX – COMÉRCIO DE PEÇAS E SERVIÇOS EM REFRIGERAÇÃO LTDA – ME e MABE BRASIL Eletrodomésticos LTDA, extinguiu o processo sem resolução do mérito (Id 4576945).
Nas razões recursais, a Apelante requer, inicialmente, a concessão da justiça gratuita. No mérito, sustenta a responsabilidade solidária das Recorridas pela reparação do produto, com fundamento no artigo 18 do CDC.
Pugna, assim, pelo provimento do Recurso para reformar a Sentença no sentido de julgar procedentes os pedidos iniciais, condenando as Apeladas ao pagamento de indenização por danos materiais e morais (Id 4576949).
Contrarrazões ofertadas (Id 4576956).
Instada a se pronunciar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo prosseguimento do Recurso, sem manifestação quanto ao mérito (Id 4649958).
É o relatório.
VOTO
Inicialmente cumpre dizer que a Apelante está dispensada do recolhimento do preparo, tendo em vista ser beneficiária da gratuidade judicial, conforme deferimento de Id 4576892 – pág. 1.
Dito isso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade recursal, passo ao mérito.
Dano Material
Versa a causa sobre Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, afirmando a Autora que adquiriu um Refrigerador Bosch ADM 474 INOX no importe de R$ 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta reais), junto à Primeira Promovida, N CLAUDINO & CIA LTDA (Armazém Paraíba) em 13 de dezembro de 2010.
Todavia, relatou que, após quatro anos de utilização, o produto começou a apresentar defeitos, tendo sido encaminhado à Assistência Técnica, REFRILUX – COMÉRCIO DE PEÇAS E SERVIÇOS EM REFRIGERAÇÃO LTDA – ME (segunda promovida) que informou que a empresa MABE BRASIL Eletrodomésticos LTDA (terceira promovida) não fornecia mais peças para reparos, pois o produto não era mais fabricado.
Por tais razões, ingressou com a presente Ação.
Ocorre que, no curso da demanda, pelo fato da apresentação de recuperação judicial da empresa MABE, a Apelante requereu a desistência da Ação em relação à referida Promovida, continuando o feito apenas contra o Fornecedor do produto e a Assistência Técnica.
Ao proferir Sentença, o Juízo a quo entendeu que as Apeladas não teriam responsabilidade pela ausência de envio de peças pelo fabricante, extinguindo o feito sem resolução do mérito.
É contra esta Decisão que se insurge a Autora.
Pois bem.
Independentemente da falta de reposição de peça pelo fabricante, no caso concreto, o vício apresentado após 4 (quatro) anos da compra do refrigerador, não respeita a vida útil que se espera do bem.
Nesse caso, o STJ (RESP 984.106/SC) tem entendido pela responsabilidade do fornecedor de serviços, considerando que a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum, configurando, assim, o próprio descumprimento do contrato pela não realização do seu objeto, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo.
Com efeito, de acordo com entendimento sufragado pelo Colendo STJ no emblemático REsp 984.106/SC, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04.10.2012, o fornecedor não é, eternamente, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. No que tange aos vícios ocultos, o art. 26, § 3º, do CDC, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço de tempo maior, mais largo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.
No caso de vício oculto, não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o vício, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que exige a análise das circunstâncias do caso concreto e as características do produto/bem adquirido.
Também a moderna doutrina consumerista (Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin e Cláudia Lima Marques) compreende que para a caracterização ou não do vício deve ser considerada a vida útil do produto que está sendo adquirido. Assim, o fornecedor deve ser responsabilizado pelo vício por período além da garantia contratual, levando-se em consideração critério da vida útil do bem. Logo, o fornecedor permanece responsável por garantir o desempenho do produto ou bem durante todo o período de sua vida útil estimada, segundo as regras de experiência e o caso concreto, de modo que se o vício oculto se manifestar nesse ínterim (vida útil do bem), mesmo após o término do prazo da garantia contratual, poderá o consumidor exigir, à sua escolha, uma das alternativas que lhe são postas à disposição pelo art. 18, § 1º, do CDC (vide TJSP, AC 0258813-21.2009.8.26.0002, Relator Desembargador Gomes Varjão, julgado em 24.03.2014)
No caso aqui analisado, entendo que o vício apresentado (falha em peça do gabinete do refrigerador) era oculto e não vício aparente, razão pela qual o fornecedor deve responder pela falha (vício) apresentada de acordo com o critério de vida útil do bem e não somente pelo prazo de garantia. O critério da vida útil do produto que autoriza a responsabilidade do fornecedor dentro do período de vida útil estimado do produto, ainda que expirada a garantia contratual também é adotado pela jurisprudência do TJRS, TJSP e TJMG, como vemos a seguir:
“Processual cível. Ilegitimidade passiva. Inocorrência. Vício do produto –responsabilidade solidária dos fabricantes e fornecedores. Exegese do art. 18, “caput,” do Código de Defesa do Consumidor. Preliminar rejeitada. Apelação cível. Compra-e-venda. Bem de consumo durável -refrigerador. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória por danos morais. Sentença de parcial procedência; condenação da fabricante ao ressarcimento dos valores dispendidos com a aquisição do produto. Consumidor que ofereceu o reclamo tão logo detectado o defeito. Prazo para reclamação –noventa dias a partir de sua ciência, nos termos do artigo 26, §3º, da Lei n. 8078/90. Responsabilidade do fornecedor dentro em o período de vida útil estimado do produto, ainda que expirada a garantia contratual. Precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça. Ausência de provas envolvendo o indevido uso como causa do vício. Ressarcimento devido. Prejuízo extrapatrimonial não configurado. Meros aborrecimentos, impróprios à causação de abalo psíquico ou mácula à imagem. Sentença preservada. Recursos improvidos.”(TJSP, 1010409-40.2014.8.26.0224 , Relator Desembargador Tercio Pires, julgado em 28.08.2015).
Apelação cível -Compra e venda -Bem de consumo durável aparelho de televisão -Indenização por danos materiais e morais Improcedência da ação em Primeiro Grau de Jurisdição -RECURSO DA AUTORA -Vício oculto Existência -Prazo para reclamação noventa dias a partir de sua ciência, nos termos do artigo 26, §3º, da Lei n. 8078/90 -Consumidor que ofereceu o reclamo tão logo detectado o defeito -Responsabilidade do fornecedor dentro do período de vida útil estimado do produto, ainda que expirada a garantia contratual -Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Egrégio Tribunal de Justiça de nosso Estado-Ausência de provas acerca do indevido uso como causa do vício -Ressarcimento devido -Descaso para com o consumidor que não ultrapassou as raias do mero dissabor -Dano moral não caracterizado Parcial procedência da ação Sucumbência proporcional -Recurso parcialmente provido.” (TJSP, AC 1006024-09.2014.8.26.0011, Relator Desembargador Dimitrios Zarvos Varellis, julgado em 27.02.2015).
Sendo assim, tratando-se de bem durável – refrigerador – e levando-se em consideração o critério da vida útil do produto –não se espera que apresente defeito antes de completados 5 (cinco) anos, como ocorreu na hipótese dos autos.
Outrossim, tratando-se de responsabilidade objetiva, cumpria a Apelada a demonstração de que a falha em discussão decorrera de mau uso, nos termos do art. 6º, VIII, dacitada Lei n. 8078/90, ônus do qual não se desvencilhou.
Diante desse cenário, entendo que o consumidor/Recorrente faz jus à restituição da quantia paga pelo produto, atualizada monetariamente, tal como apregoado pelo art. 18, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, a Sentença deve ser modificada em relação ao fornecedor de serviços, N. Claudino & Cia, ficando mantida apenas no tocante à ilegitimidade passiva da Empresa de Assistência Técnica REFRILUX, que não participou da venda do produto e, por outro lado, não realizou o reparo do bem, devido ao não fornecimento da peça pelo fabricante.
Feitas essas considerações, condeno o Réu N. Claudino & Cia a pagar a Autora o valor de 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta reais), devidamente atualizado pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Dano Moral
Quanto ao dano moral, tenho que este não restou configurado, tendo em vista que, a princípio, havia a expectativa de que o reparo do produto fosse realizado pela assistência técnica, o que não foi possível em razão do não fornecimento da peça pelo fabricante.
Além disso, o dano material não ultrapassou a esfera do ilícito contratual, deste não advindo ofensa à honra objetiva da Autora ou outras consequências mais sérias.
Ante o exposto, PROVEJO, PARCIALMENTE, A APELAÇÃO CÍVEL, para reformar a Sentença no sentido de julgar procedente em parte o pedido, para condenar o Promovido N. Claudino & Cia a pagar a Autora o valor de 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta reais), devidamente atualizado pelo INPC e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
É o voto.
Presidiu a sessão o Excelentíssimo Desembargador José Ricardo Porto. Participaram do julgamento, além do Relator, Excelentíssimo Desembargador Leandro dos Santos, o Excelentíssimo Doutor Tércio Chaves de Moura (Juiz convocado para substituir a Exma. Desa. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti) e o Excelentíssimo Desembargador José Ricardo Porto.
Presente à sessão o representante do Ministério Público, Dr. Herbert Douglas Targino, Procurador de Justiça.
Sala de Sessões da Primeira Câmara Cível “Desembargador Mário Moacyr Porto” do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em João Pessoa, 10 de março de 2020.
Desembargador LEANDRO DOS SANTOS
Relator