Responsabilidade civil de agências bancárias por crime conhecido por “saidinha”

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Idosa - Consumidora - Analfabeta
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Não é recente que agências bancárias, devido à quantidade de dinheiro em circulação, são alvos de operações criminosas. Infelizmente é um crime muito comum. Cerca de 52% dos presos no Brasil cumprem pena por algum crime contra o patrimônio[1]. E, diante da vulta de dinheiro envolvida, não somente as instituições bancárias são vítimas da ação delituosa.

Por vezes, clientes da instituição bancária são vítimas doas ataques, que visam, indubitavelmente o dinheiro sacado. Pois bem, alheio à responsabilidade penal que a questão envolve, mister arguir acerca da responsabilização civil em face de agências e instituições financeiras por um crime praticado em suas dependências. Em suma, um cliente assaltado no banco tem direito a reparação civil com ressarcimento de danos morais e materiais?

É cediço que a relação entre cliente e banco é relação consumerista. O parágrafo segundo do artigo terceiro do Código de Defesa do Consumidor estabelece que como sendo serviço “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista[2]”.

Ademais, a súmula 297 do STJ determina que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Desta forma, inegável a aplicabilidade do CDC e das normas e teorias consumeristas à questão envolvendo instituição financeira.

Assim, no que tange à responsabilização civil, o CDC, à luz do artigo 14, trata que o fornecedor responde independentemente de culpa, consagrando a responsabilidade objetiva. Assim, para nascer o dever de indenizar, cabe a comprovação de ato ilícito, dano e nexo de causalidade.

Indubitável que um assalto gera danos à vítima. Gerando danos morais e materiais ao ofendido. Inegável também que um assalto é um ato ilícito. Mas este ato é passível de ser indenizado na esfera cível?

Via de regra, as instituições bancárias argumentam na excludente de responsabilidade prevista no artigo 14, §3º, II do CDC, que claramente exclui da responsabilização civil, atos praticados por terceiros (o que acontece).

Isso significa que este ato não é passível de ser indenizado? Não bem assim.

A jurisprudência pátria tem consolidado o entendimento de que se há assalto no banco, há falha na prestação de serviços. Assim, destaco o entendimento do tribunal de justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ASSALTO APÓS SAÍDA DE AGÊNCIA BANCÁRIA – FALHA NO DEVER DE SEGURANÇA – DEVER DE INDENIZAR – DANOS MORAIS. – A instituição financeira responde objetivamente pelos danos causados a seus clientes em razão da prestação de serviço falho ou defeituoso. – Havendo demonstração de que houve falha na segurança interna da instituição bancária que propiciasse a atuação dos criminosos fora das suas dependências, é forçoso se concluir pela responsabilidade da instituição financeira por fato delituoso [3]ocorrido fora das dependências bancárias, impondo a inaplicabilidade da excludente de responsabilidade prevista no art.14, §3º, II, do CDC. – Caracterizado o ato ilícito praticado pelo banco recorrente, no que se refere à inobservância do dever de segurança, impõe-se o dever de indenizar.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0024.14.133239-5/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/11/2015, publicação da súmula em 02/12/2015).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CDC. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SÚMULA 297 DO STJ. “SAIDINHA DE BANCO”. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. DANO MORAL. QUANTUM. DANO MATERIAL. I – A responsabilidade civil, à luz do CDC, deve ser averiguada sob a dimensão objetiva, sendo desnecessária, para a caracterização do dever reparatório, a comprovação da culpa do agente, ficando o consumidor responsável, apenas, em demonstrar a efetiva ocorrência do dano e do nexo causal. II – Não tendo a Instituição Financeira cumprido a legislação municipal que im[4]põe a obrigação de instalação de divisores no caixa físico, evidencia-se o defeito na prestação dos serviços, colocando o consumidor, diretamente, exposto ao risco. III – A indenização por danos morais não deve implicar em enriquecimento ilícito, tampouco ser irrisória, de forma a perder seu caráter de justa composição e preventivo. IV – Os danos materiais devem ser efetivamente comprovados.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0024.12.042542-6/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/12/2013, publicação da súmula em 17/12/2013).

Certamente, agencias e instituições bancárias devem garantir aos seus clientes segurança ao usufruir de seus serviços. O parágrafo primeiro do aludido artigo 14m determina que “o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar”.

Assim, penso que o assalto em agências bancárias gera dever de reparação civil por falha na prestação de serviços. É de se analisar, ainda, que a falha na prestação de serviços pode configurar a negligencia da instituição, que por vezes, pode ter sido omissa para impedir a ação criminosa.

Mas, se a instituição bancária não foi omissa ou negligente e mesmo assim foi vítima de ação criminosa devido ao poderio bélico de assaltantes, a responsabilidade subsiste? É de analisar a questão sob a ótica da teoria do risco. Aquele que coloca produto ou serviço no mercado de consumo assume os riscos da atividade, respondendo civilmente independente de culpa.

Quando o crime for cometido nas dependências do banco, penso que não há dúvidas quanto à responsabilização da instituição bancária. Mas, uma modalidade de ação criminosa vem ganhando destaque. A conduta conhecida como saidinha de banco. Modalidade na qual a ação criminosa elege um cliente que efetua saques, o segue, ou o cliente é abordado na saída do banco por criminosos, que praticam o crime visando o dinheiro sacado pela vítima.

A conduta criminosa geralmente ocorre na saída da instituição bancária decorrente, claro, da relação do cliente para com o banco em virtude do serviço (saque) oferecido pelo fornecedor, mas esta conduta, normalmente acontece fora da agencia bancária, em vias públicas.

Neste caso, há responsabilização civil da instituição bancária a ponto de gerar reparação por danos morais e materiais? Esta pergunta vem provocando o ordenamento jurídico e gerando questionamento nos tribunais.

Por um lado, há entendimento que mesmo que a conduta se dê fora da instituição bancária, há responsabilização. Vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. “SAIDINHA DE BANCO”. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO. 1- O fato de o roubo ter ocorrido fora das dependências da agência não exime a responsabilidade do banco, que é objetiva (art. 14 do CDC), sendo seu dever garantir a privacidade e segurança de seus clientes no momento em que realizam operações bancárias. 2- O arbitramento do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, sem se descurar do sentido punitivo da condenação. 3- A correção monetária, em se tratando de responsabilidade por dano moral, incide desde a data do arbitramento (Súmula 362/STJ). Quanto aos danos materiais, a correção monetária deve incidir desde a data do ato ilícito. Existindo relação contratual entre as partes, os juros devem incidir a partir da citação, no tocante aos danos materiais e morais.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.16.074730-9/003, Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/01/2020, publicação da súmula em 23/01/2020)[5].

Por este lado, há o posicionamento no dever da instituição bancária garantir privacidade e segurança do consumidor.

Há uma lei mineira[6], Lei n. 12.971/98, que determina a obrigatoriedade de instituições bancárias e financeiras manterem vigilância ostensiva no período integral de atendimento ao público, obrigando as instituições a possuírem, dentre outros, câmeras de vídeo internas e externas, com armazenamento de imagens, alarme sonoro monitorado a ser acionado pelo usuário do serviço em caso de emergência, cabines individuais nos caixas de atendimento ao público, divisórias, biombos ou estruturas similares, nos locais em que haja movimentação de dinheiro.

Para esta teoria, a ocorrência de assaltos representa falha na prestação de serviços, mesmo que na saída da instituição bancária, operando, pois, a responsabilidade civil das instituições bancárias, mesmo que o evento danoso tenha ocorrido fora das dependências do fornecedor.

Por outro lado, necessário ressaltar que esta modalidade criminosa, via de regra, se dá fora das dependências das agências bancárias, e extrapola a área física de vigilância das instituições.

Muito embora, a modalidade criminosa possa iniciar no interior das agências, com alguém monitorando as ações da vítima, tal como volume de dinheiro envolvido, exigir que as instituições assegurem segurança fora de suas agencias, em via pública, no meu ponto de vista, extrapola o dever de vigilância imposto às instituições bancárias.

Não me parece falha na prestação de serviços do banco se um assalto acontece numa via pública próxima. À luz do artigo 144 da Constituição da República, a segurança pública é dever do Estado. Não me soa como razoável transferir o dever de zelo pela segurança pública a entidades privadas, a ponto de responsabilizá-las civilmente por assaltos.

Por mais que a teoria do risco seja consagrada no ordenamento consumerista, atos praticados fora do estabelecimento transcendem o risco do próprio negócio. Não há, na legislação, uma obrigatoriedade de que fornecedores tenham que garantir a segurança em seu estabelecimento e num raio de X quilômetros ao seu redor a ponto que um assalto fora do estabelecimento enseje falha na prestação de serviços.

Aliás, desconheço legislação neste sentido e, mesmo que houvesse, seria inconstitucional, pois a segurança pública é dever do Estado.

Ademais, foge da razoabilidade exigir segurança externa, deixando o risco do negócio fora de um controle. Exigir segurança interna é plenamente aceitável e possível de delimitar o risco. Externo não. É atribuição do Estado.

A jurisprudência vem compartilhando dessa tese. Vejamos:[7]

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ASSALTO EM AGÊNCIA BANCÁRIA – “SAIDINHA DE BANCO”- AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO LOCAL DE OCORRÊNCIA DO ASSALTO – IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO RÉU. – As instituições financeiras, de fato, possuem obrigação legal de oferecer a segurança a seus clientes, inclusive mantendo segurança armada no interior das agências. No entanto, não possuem autorização legal para agir e coibir assaltos em via pública, motivo pelo qual não se pode exigir que sejam responsabilizadas pelos assaltos que ocorram nas imediações das agências bancárias. – Se não há prova robusta acerca do local em que o crime ocorreu, não se pode responsabilizar o banco pelo assalto havido.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0878.18.001060-4/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Aleixo , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/08/2020, publicação da súmula em 04/09/2020)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – SAIDINHA DE BANCO – ASSALTO OCORRIDO FORA DO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO – AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AUSÊNCIA DE FIM PROTELATÓRIO – APLICAÇÃO DE MULTA – IMPOSSIBILIDADE. 1. A instituição financeira não responde civilmente pelos danos ocorridos em via pública, decorrente do golpe conhecido como “saidinha de banco”, quando ausente o nexo de causalidade entre o roubo e o saque realizado. 2. A multa prevista no parágrafo único do artigo 538 do Código de Processo Civil de 1973 somente será aplicada quando flagrantes os fins meramente protelatórios, quando da oposição de embargos de declaração.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0024.12.122952-0/001, Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2019, publicação da súmula em 18/12/2019)

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – ASSALTO A USUÁRIO NA SAÍDA DE AGÊNCIA BANCÁRIA – DEFICIÊNCIA DO SERVIÇO DE VIGILÂNCIA – NEXO CAUSAL NÃO EVIDENCIADO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – DESFECHO REGULAR. – O dever de vigilância, incumbido às instituições financeiras, está adstrito aos locais em que presta suas atividades, não importando falha na prestação de serviços delito ocorrido fora de suas dependências, especialmente quando não evidenciado tenha o assaltante obtido informações acerca da movimentação ocorrida no interior da agência.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0439.06.061144-9/002, Relator(a): Des.(a) Saldanha da Fonseca , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/06/2010, publicação da súmula em 19/07/2010).

Diferente seria, se o delito acontecesse no estacionamento ou área da própria instituição. Assim é possível delimitar a área de atuação, sendo dever do estabelecimento zelar pela segurança em áreas próprias ou em locais destinados a conforto do consumidor, como é o caso de estacionamento.

Mas, conforme abordado, se se a conduta criminosa se deu em área exclusivamente pública, penso inexistir responsabilização de instituição financeira.

Notas de fim

[1] BATISTA, Eurico. Maior parte dos presos responde por tráfico e roubo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-abr-03/maior-parte-presos-brasileiros-responde-trafico-roubo-qualificado. Acesso> abril de 2021

[2] Grifos ao autor.

[3] Grifos do Autor

[4] Grifos do Autor

[5] Grifos do autor

[6] Trazida como exemplificação

[7] Grifos do Autor

Jefferson Prado Sifuentes
Jefferson Prado Sifuentes
Advogado, professor e Mestre em Direito Membro efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) Membro Regular da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC)

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