O 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Brasília (DF) reconheceu a inexistência da relação contratual entre uma consumidora e a Bancorbrás – Hotel, Lazer e Turismo LTDA, que cadastrou título de turismo em nome da demandante sem seu consentimento.
De acordo com a decisão, a demandada não poderá exigir da consumidora o pagamento das dívidas indicadas e muito menos efetuar novas cobranças, sob pena de multa.
A demandante afirma que, após ida ao estabelecimento da demandada para conseguir informações sobre o funcionamento do serviço oferecido pela empresa, a Bancorbrás cadastrou em seu nome um título de turismo, usando seus dados sem autorização e sem sua assinatura. Dessa forma, pleiteia que a demandada seja obrigada a apresentar a cópia do contrato supostamente assinado por ela e que informe quais os parâmetros usados para ensejar cobrança em seu nome, ameaças de inscrição nos Órgãos de Proteção ao Credito (SCPC/SERASA e, inclusive, majoração das parcelas do contrato.
Na análise dos autos, a juíza de direito verificou que as provas apresentadas não evidenciaram a anuência da consumidora à contratação do título de turismo e explicou que, nos termos do artigo 39, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor – CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço. Por outro lado, a julgadora ponderou que, havendo divergência entre a efetiva contratação e a intenção da consumidora, deve ser adotada a interpretação mais favorável à consumidora.
No caso, para a juíza de direito, ocorreu violação do dever de informação imputado à ré (art. 6º, inciso III, da Lei 8.078/90), decorrente do princípio da boa-fé objetiva que impõe a observância de padrões de lealdade, probidade e honestidade que devem nortear o comportamento dos contratantes, por força do vínculo jurídico estabelecido. De acordo com a magistrada, a demandada deixou de apresentar cópia do contrato regularmente assinado pela autora, não comprovando a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado (art. 373, II, do CPC). Assim, segundo a juíza de direito, o serviço prestado pela ré foi defeituoso e insatisfatório para a finalidade instituída, tendo em vista que promoveu cobranças irregulares à autora.
Entretanto, a magistrada verificou que o efetivo pagamento dos valores não ocorreu, razão pela qual sinalizou não ser o caso de devolução e/ou de aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC, que exige pagamento indevido e engano justificável. Quanto ao dano moral reclamado pela demandante, a julgadora explicou que “a situação vivenciada não vulnerou atributos de sua personalidade, devendo ser tratada como vicissitude da relação contratual estabelecida, não passível de indenização”.
Dessa forma, a juíza julgou parcialmente procedente o pedido inicial para, reconhecendo a inexistência de relação contratual entre as partes, declarar a inexigibilidade das dívidas indicadas, vedadas novas cobranças, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) por ato de descumprimento, até o limite de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Cabe recurso da decisão de primeira instância.
Processo: 0763311-40.2019.8.07.0016 – Sentença (inteiro teor para download).
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor da sentença:
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
2JECIVBSB
2º Juizado Especial Cível de Brasília
Número do processo: 0763311-40.2019.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: GABRIELA ANDRADE DO COUTO
RÉU: BANCORBRAS – HOTEIS, LAZER E TURISMO LTDA
S E N T E N Ç A
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38, da Lei nº 9.099/95.
O processo comporta julgamento antecipado do pedido, nos termos do art. 355, I, do CPC, vez que a prova documental produzida é satisfatória para a apreciação do mérito. E não configura cerceamento de defesa o indeferimento de provas desnecessárias ou protelatórias ao convencimento judicial, incumbindo ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo (art. 370, do CPC).
Cuida-se de relação de consumo e as partes estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, importando registrar que, em face da verossimilhança da alegação e da hipossuficiência da consumidora, cabível a inversão do ônus da prova, notadamente porque evidenciada a vulnerabilidade da autora para a comprovação do direito alegado (art. 4.º, I, do CDC).
A responsabilidade civil da ré, fornecedora de serviços, independe da extensão da culpa porque é considerada objetiva, aperfeiçoando-se mediante o concurso de três pressupostos: 1) defeito do serviço; 2) evento danoso; e 3) relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano.
O contexto probatório não evidenciou a aquiescência da consumidora à contratação do título de turismo denunciado e, nos termos do artigo 39, inciso III, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.
Por outro lado, havendo divergência entre a efetiva contratação e a intenção da consumidora, deve ser adotada a interpretação mais favorável à consumidora. No caso, ocorreu violação do dever de informação imputado à ré (art. 6º, inciso III, da Lei 8.078/90), decorrente do princípio da boa-fé objetiva que impõe a observância de padrões de lealdade, probidade e honestidade que devem nortear o comportamento dos contratantes, por força do vínculo jurídico estabelecido.
Ademais, a ré deixou de apresentar cópia do contrato regularmente assinado pela autora, não comprovando a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado (art. 373, II, do CPC).
Assim, o serviço prestado pela ré foi defeituoso e insatisfatório para a finalidade instituída, pois promoveu cobranças irregulares à autora. No entanto, o efetivo pagamento dos valores não ocorreu, razão pela qual não é o caso de devolução e/ou de aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC, que exige pagamento indevido e engano justificável.
Quanto ao dano moral reclamado pela autora, a situação vivenciada não vulnerou atributos de sua personalidade, devendo ser tratada como vicissitude da relação contratual estabelecida, não passível de indenização. Com efeito, embora a cobrança tenha sido dirigida à mãe da autora, constata-se que o telefone para contato foi fornecido pela própria autora.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido inicial para, reconhecendo a inexistência de relação contratual entre as partes, declarar a inexigibilidade das dívidas indicadas, vedadas novas cobranças, sob pena de multa de R$200,00 (duzentos reais) por ato de descumprimento, até o limite de R$2.000,00 (dois mil reais), extinguindo o processo, com resolução de mérito, com fundamento no art. 487, I, do CPC. Deixo de condenar as partes ao pagamento das verbas de sucumbência, por força legal (art. 55, da Lei nº 9.099/95), advertindo que o pedido de gratuidade de justiça será oportunamente apreciado.
Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intimem-se.
Observado o procedimento legal, arquive-se.
BRASÍLIA (DF), 26 de março de 2020.
Assinado eletronicamente por: MARGARETH CRISTINA BECKER
26/03/2020 22:44:04
https://pje.tjdft.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 60159374