Iberia não terá que indenizar consumidora que perdeu voo
O Sexto Juizado Especial Cível de Brasília (DF) julgou totalmente improcedente os pedidos de indenização a título de danos morais e materiais que uma passageira formulou em desfavor da companhia aérea Iberia Líneas Aéreas de España S/A por ter perdido o voo.
A parte demandante afirma que adquiriu passagens aéreas na companhia aérea Iberia e que realizou o check-in corretamente. Despachada sua bagagem, destaca que foi impedida de embarcar sob a alegação de que a empresa aérea era outra, sendo seu voo operado pela Vueling, companhia aérea que integra o grupo econômico da demandada. Afirma que, em razão da perda do voo, teve que adquirir novas passagens aéreas, arcando com uma despesa no valor de R$ 2.477,43 (dois mil quatrocentos e setenta e sete reais e quarenta e três centavos), concernente à duas passagens aéreas.
Em sua defesa, a empresa aérea Iberia disse que a parte demandante não se apresentou no portão de embarque correto. Afirma que a consumidora realizou o check-in e despachou as bagagens de forma correta, porém no momento de esperar o embarque se dirigiu ao portão errado e acabou perdendo o voo.
Destaca ainda que as passagens aéreas da demandante não foram usados e apresentam status “open for use”, já que em nenhum momento houve qualquer impedimento para o embarque da demandante. Por derradeiro, ressalta que não há de se falar em conduta ilícita da demandada, pois inexiste dano a ser indenizado, e invoca a culpa exclusiva da consumidora pelo no show, uma vez que é responsabilidade do passageiro conferir o bilhete de embarque e o respectivo portão.
Ao analisar os autos, a juíza de direito constatou que, na exordial, a própria autora admite que aguardou o seu voo em portão distinto do designado, sendo que no cartão de embarque estava bem claro as informações do portão, o assento e que a empresa operadora do voo era a Vueling. Por isso, a magistrada entendeu que a viagem não se realizou por culpa exclusiva da passageira, que não cumpriu com a orientação e determinação da empresa aérea constantes de seu cartão de embarque.
A julgadora observou, também, que a alegação da consumidora de que adquiriu as passagens no site da empresa Iberia também não a exime de culpa, uma vez que, no próprio e-mail de confirmação da compra, consta a informação de que os trechos seriam operados pela Vueling.
Assim, a magistrada eximiu a companhia aérea de qualquer dano moral e material decorrente da perda do embarque da autora, uma vez que a falha ocorreu por falta de vigilância da consumidora quanto ao portão correto: “O que a experiência mostra é que todos os serviços de embarque são informados nos painéis eletrônicos espalhados em todo aeroporto, fato que enseja atenção do passageiro a fim de se evitar o constrangimento gerado pela perda do voo”.
Nesse contexto, não demonstrada a conduta ilícita da empresa ré ou a falha na prestação do serviço, a juíza de direito determinou a improcedência dos pedidos de indenização pelos danos morais e materiais.
Cabe recurso da sentença.
Processo: 0763495-93.2019.8.07.0016 – Sentença (inteiro teor para download)
(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)
Inteiro teor da sentença:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
6JECIVBSB
6º Juizado Especial Cível de Brasília
Número do processo: 0763495-93.2019.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: JANE MARIA ABAD
RÉU: IBERIA LINEAS AEREAS DE ESPANA S A
SENTENÇA
Trata-se de ação de indenização ajuizada por JANE MARIA ABAD em face de IBERIA LINEAS AÉREAS DE ESPANA S/A. Alega a parte autora que adquiriu passagens em voos operados pela empresa ré no trecho Santiago de Compostela – Stuttgart, com escala em Barcelona; que saindo de Santiago de Compostela o voo atrasou cerca de 1h30min e que foi impedida de embarcar na aeronave, sob o argumento de que o seu voo seria operado pela companhia aérea Vueling Airlines, do mesmo grupo da empresa ré. Requer, ao final, a reparação pelos danos morais e materiais que alega ter sofrido.
Citada e intimada, a ré, apresentou contestação onde afirma que a autora faltou com a verdade, pois o que de fato ocorreu foi esta não ter se apresentado no portão de embarque correto; que a autora realizou o check-in e despachou as bagagens de forma correta, mas na hora de aguardar o voo se dirigiu ao portão errado e perdeu o voo; que os bilhetes da autora não foram utilizados, estando com o status “open for use”; que em nenhum momento houve qualquer impedimento para o embarque da autora ; que não há de se falar em conduta ilícita da ré, inexistindo dano a ser indenizado;invoca, ainda, a culpa exclusiva da consumidora pelo no show, sendo ônus dela conferir o bilhete de embarque e o respectivo portão.
Réplica ID.58901348.
É o breve relatório.
Promovo o julgamento antecipado do pedido, nos termos do artigo 355, inciso I, do CPC, pois desnecessária a produção de outras provas além daquelas já constantes nos autos.
Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, não havendo questão de ordem processual pendente.
Antes de adentrar o mérito, cumpre esclarecer que a relação jurídica obrigacional formalizada entre as partes qualifica-se como relação de consumo, em razão da previsão contida nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, por se tratar de fato do serviço ocorrido em transporte aéreo internacional, aplica-se o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no qual restou corroborada a tese de prevalência da norma específica (tratados internacionais – Convenção de Varsóvia) sobre a norma geral (CDC), consoante RE 636.331 e ARE 766.618 e tema 210 de repercussão geral.
Na referida decisão, a tese aprovada diz que “por força do artigo 178 da Constituição Federal, as normas e tratados internacionais limitadoras da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. Em 02/06/2017 foi publicado o resultado do julgamento do tema 210 de repercussão geral, dando provimento ao recurso interposto pela companhia aérea, razão pela qual a tese do STF deve ser observada pelos Tribunais, nos termos do art. 1.039 do CPC.
Assim, na análise de casos relativos a transporte aéreo internacional, ambos os diplomas devem ser considerados, no que a doutrina chamou de diálogo das fontes aplicáveis ao regramento das relações de consumo (aplicação conjunta de duas normas ao mesmo tempo, ora mediante a complementação de uma norma a outra, ora por meio da aplicação subsidiária de uma norma a outra). Aliás, a Convenção de Montreal permite o diálogo com outras fontes de proteção do consumidor e, obviamente, de proteção da pessoa humana em caso de violação de direitos fundamentais.
Feito este breve escorço teórico, passo à análise do mérito.
A matéria ventilada nos autos versa sobre relação jurídica com natureza típica de relação de consumo, estabelecida sob a regência do Código de Defesa do Consumidor, devendo, pois, ser solvida à luz dos princípios que informam e disciplinam o microssistema específico por ele trazido.
À evidência, o CDC confere aos consumidores o direito de ressarcimento dos danos verificados em decorrência de falha dos produtos ou serviços (Art. 14 do CDC). A responsabilização civil, no entanto, não prescinde dos requisitos encartados nos artigos 927 e 186 do CC, quais sejam, o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre esses.
No caso em análise, a autora alega que adquiriu passagens aéreas junto à empresa ré e tendo realizado o check-in corretamente e despachado sua bagagem, afirma que foi impedida de embarcar sob a alegação de que sua companhia aérea era outra, sendo seu voo operado pela VUELING, empresa que faz parte do mesmo grupo da ré. Sustenta que, em razão da perda do voo, teve que adquirir novas passagens , arcando com uma despesa no valor de R$ 2.477,43, relativa às duas passagens.
Compulsando os autos, verifica-se que não obstante o alegado, a autora não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia acerca da ocorrência da mudança de portão para o embarque,ou da falta de informações mais precisas por parte da ré, bem como não comprovou que de fato compareceu no portão determinado para o seu voo observando o disposto no referido cartão de embarque.(art. 333, I, do CPC). Pelo contrário, na inicial, a própria autora admite que aguardou o seu voo em portão distinto do designado, uma vez que no cartão de embarque estava bem claro que o portão de embarque, seu assento e a empresa operadora do voo era a VUELING, razão pela qual entendo que a viagem não se realizou por culpa exclusiva da autora que não cumpriu com a orientação e determinação da empresa ré constantes de seu cartão de embarque (documento ID.52688573). Além disso, a alegação da autora de que adquiriu as passagens no site da empresa IBERIA também não a exime de culpa, uma vez que no próprio email de confirmação da compra consta a informação de que os trechos seriam operados pela VUELING (Documento ID.52688573 – págs. 02 e 04).
Deste modo, relativamente aos danos morais, os fatos narrados na inicial evidenciam a ausência de nexo de causalidade entre a conduta da empresa ré, no caso, fornecedora do serviço, e o resultado lesivo supostamente suportado pela autora, afastando-se a responsabilidade da empresa aérea quanto à indenização por danos morais em razão da culpa exclusiva do consumidor (art. 14, § 3º, do CDC).
No que diz respeito aos danos materiais, não há nos autos nenhuma prova capaz de demonstrar que o suposto prejuízo sofrido pela autora foi em razão da falta ou insuficiência de informação quanto ao horário, companhia aérea e local designados para o embarque. Assim, “não se deve imputar à companhia aérea qualquer dano material decorrente da perda do embarque se a falha ocorreu no dever de vigilância do consumidor quanto ao portão de embarque”. (Acórdão n.637767, 20120110546360ACJ, Relator: JOSÉ GUILHERME, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 13/11/2012, Publicado no DJE: 30/11/2012. Pág.: 444). O que a experiência mostra é que todos os serviços de embarque são informados nos painéis eletrônicos espalhados em todo aeroporto, fato que enseja atenção do passageiro a fim de se evitar o constrangimento gerado pela perda do voo. Nesse contexto, não restando demonstrada a conduta ilícita da empresa ré ou a falha na prestação do serviço, a improcedência do pedido de indenização pelos danos materiais , também é medida que se impõe.
Ante o exposto, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e resolvo o processo nos termos do artigo 487, I, do CPC.
Sem custas e sem honorários.
Oportunamente, não havendo requerimentos, após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Sentença registrada eletronicamente, nesta data. Publique-se. Intimem-se.
Brasília-DF, 12 de março de 2020.
Marília de Ávila e Silva Sampaio
Juíza de Direito