Modelo – Ação indenizatória que envolve passageiro recém operado que foi impedido de embarcar.

Data:

EXMO JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE [CIDADE]-[ESTADO]

 

 

 

Atraso de voo
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FULANO DE TAL e BELTRANA DE TAL, brasileiros, casados entre si, ambos residentes e domiciliados na rua (endereço completo), Ele Funcionário XXXXXX, registrado sob o RG nº …, CPF nº …, e-mail: (correio eletrônico), e Ela funcionária XXXXX, registrada sob o RG nº … e CPF …, e-mail: (correio eletrônico), vêm, por intermédio de advogado legalmente constituído (procuração em anexo), que ao final desta subscreve, propor, com fulcro no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC),

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS

em face da … (… Linhas Aéreas S/A), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ: …, com sede na Av. (ENDEREÇO COMPLETO), E-MAIL:  (correio eletrônico), em razão dos fatos e fundamentos de direitos adiantes expostos:

DO RITO

Requer que se processe no rito dos Juizados Especiais, nos termos da lei 9.099/95.

DA SINTESE FÁTICA

A Requerente Beltrana, viajou para Salvador, juntamente com seu esposo, no dia 22/06/2018 para realizar uma cirurgia delicada de hérnia de disco na coluna cervical com os renomados Dr. … e Dr. … .

A viagem, tanto ida como volta, tinha conexão em são Paulo, em que os requerentes tiveram que esperar por 3 horas no aeroporto de Guarulhos para o segundo embarque.

Nessa toada, a situação da requerente era ainda mais crítica em decorrência de constantes crises asmáticas, que precisaram ser tratadas para que fosse realizada a cirurgia e esta não poderia ultrapassar o tempo de 4 horas de duração sob risco de complicações.

Assim, a opção pela realização do procedimento cirúrgico na cidade de Salvador se deu pelo reconhecimento dos profissionais que realizaram a cirurgia e sua equipe, bem como pelo melhor tratamento pós-cirúrgico do Hospital Evangélico da Bahia (Hospital de Brotas), que é referência nesse tipo de tratamento.

O primeiro requerente, Fulano de tal, precisou adiar 7 dias de serviços a que presta na sua cidade como cedido, para acompanhar e cuidar de sua esposa após a cirurgia.

A requerente então realizou uma cirurgia muito delicada de 4 horas de duração, o que a deixou exausta e sob um alto nível de estresse.

Como se não bastasse, no dia em que os requerentes iriam viajar de volta para o conforto do seu lar, para descansarem e para que a Sra. Beltrana pudesse se recuperar, a companhia Aérea informou que o Sr. Fulano de Tal poderia embarcar normalmente, mas a sua esposa recém operada somente poderia embarcar se apresentasse uma declaração no modelo da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), feita pelo médico que realizou a cirurgia.

A Empresa Aérea não teve sequer a cortesia de entregar o questionário impresso aos requerentes, se limitando a enviar o modelo para o e-mail do Sr. Fulano de Tal e ele conseguisse uma forma de o imprimir.

Totalmente constrangidos e com um sentimento de impotência, pois não conheciam a cidade ou locais onde pudessem imprimir a dita, os requerentes tiveram que pegar um taxi até o Hospital, pagando a bagatela de R$ 275,00 (duzentos e setenta e cinco reais) pelas corridas.

No hospital os requerentes conseguiram imprimir o questionário o qual foi preenchido pelo médico e enviada para análise da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) que poderia, segundo informação repassadas aos requerentes, demorar até 3 (três) dias para apresentar o parecer.

Por sorte, os requerentes ficaram hospedados na casa de um amigo da família, que se disponibilizou a busca-los no hospital, evitando ainda mais gastos, tendo que aguardar até o dia seguinte para receber autorização de embarque no mesmo voo e horário do anterior.

A companhia aérea não ofereceu nenhum serviço que pudesse facilitar o embarque dos requerentes ou diminuir os transtornos causados como transporte, hospedagem e alimentação, pelo contrário, impuseram impasses burocráticos e desnecessários, constrangendo os requerentes e fazendo-os com que aumentasse as despesas e o sofrimento.

No dia seguinte, no momento do embarque, a empresa aérea sequer disponibilizou um assento especial para Sra. Beltrana, que viajou com o pescoço imobilizado em razão da recente cirurgia.

Já na aeronave, os requerentes foram colocados em assentos normais. Nas poltronas de trás, vinha uma criança de poucos anos de vida, que, naturalmente, é inquieta e pela inocência, e até mesmo por desconhecer a situação da Sra. Beltrana, o infante constantemente proferia bruscas pancadas na poltrona, o que gerava muito dor e desconforto da requerente recém operada.

Os comissários de bordos perceberam toda a situação, mas não tomaram nenhuma atitude para evitar o sofrimento ou mesmo facilitar o desembarque da requerente.

Diante de todas essas circunstâncias, os requerentes buscam judicialmente a reparação dos danos sofridos, haja vista que a requerida não mostrou nenhum interesse de resolver de forma amigável.

O ato que provocou prejuízos aos requerentes foi praticado por funcionários da empresa, assim a demandada responde pelos atos dos seus funcionários, praticados no exercício da profissão, em razão de determinação legal, conforme se depreende do art. 932, inciso III do Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele

Não resta duvidas, portanto, que a demandada é parte legitima para figurar no polo passivo desta demanda e com base na disposição legal supra, a Empresa Aérea tem a obrigação de indenizar os autores pelos danos causados por atos de seus empregados.

DA APLICAÇÃO DO CDC – RELAÇÃO DE CONSUMO

Relação jurídica de consumo é “aquela relação firmada entre consumidor e fornecedor, a qual possui como objeto a aquisição de um produto ou a contratação de um serviço” [1]. (grifos)

Nesse interim, o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor – CDC dar a definição de consumidor:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final

Os requerentes, incontestavelmente, são destinatários finais do serviço contratado, pois adquiriram passagem aérea para si próprios, com o objetivo de viajarem para Salvador com o intento de realizar cirurgia da Sra. Beltrana.

O mesmo diploma, em seu art. 3º, também define o que é “fornecedor” e “serviço”, aduzindo que:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Assim, o CDC não conceitua “relação Jurídica de Consumo”, mas define os seus elementos, estabelecendo, contudo, o que é “consumidor” e “fornecedor”, bem como o conceito de produto e serviço.

A requerida é, portanto, pessoa jurídica fornecedora de serviço público de transporte aéreo de passageiros, haja vista que exerce atividade qualificada como prestação de serviços.

Dessa forma estão bem delimitados os elementos subjetivos (fornecedor e consumidor) e o elemento objetivo (serviços), bem como a existência de uma relação jurídica (compra de passagens aérea) entre as partes.

TJSP - Atraso de Voo
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Convêm ressaltar que não se aplica ao caso a Convenção de Varsóvia, pois se trata de voo doméstico nacional que não versa sobre vícios de qualidade da prestação do serviço por insegurança (acidentes de consumo, no caso de morte ou lesão) e/ou por inadequação (atraso e perda de bagagem).

Os nossos tribunais entendem que em casos de impedimento de embarque de passageiro recém-operado, fato que caracteriza dano moral, se aplica o Código de Defesa do Consumidor – CDC. Vejamos:

CIVIL. APLICAÇÃO DO CDC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO. PASSAGEIRO RECÉM-OPERADO. EXIGÊNCIA DE ATESTADO MÉDICO. ATENDIMENTO NÃO CONDIZENTE COM O ESTADO DE SAÚDE DO PASSAGEIRO. DANO MORAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A QUESTÃO ORA ANALISADA SE INSERE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E COMO TAL DEVE RECEBER O TRATAMENTO PREVISTO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ASSIM, DEVE RESPONDER A EMPRESA PELOS DANOS DECORRENTES DA MÁ PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, QUE VENHA A CAUSAR AO CONSUMIDOR. 2. CONFIGURA MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A AUSÊNCIA DE CUIDADOS ESPECIAIS COM O PASSAGEIRO RECÉM SUBMETIDO A CIRURGIA DELICADA NO CÉREBRO, NÃO PROCURANDO A EMPRESA SOLUCIONAR DE IMEDIATO OS POSSÍVEIS ENTRAVES BUROCRÁTICOS PARA O SEU EMBARQUE. NÃO SE TRATA DE QUESTIONAR, PORQUE NÃO O FAZ O AUTOR DA DEMANDA, SOBRE A NECESSIDADE DE SUJEIÇÃO AO EXAME MÉDICO, MAS DE COMO A EMPRESA SE PORTOU COM O PASSAGEIRO DEBILITADO, NÃO LHE FACILITANDO O PROCEDIMENTO, MAS AO CONTRÁRIO, IMPONDO-LHE ÔNUS ALÉM DO QUE JÁ FORA OBRIGADO A SUJEITAR-SE EM RAZÃO DO SEU ESTADO DE SAÚDE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, INCOLUMIDADE FÍSICA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3. O DANO MORAL RESTOU CARACTERIZADO EM RAZÃO DA ANGÚSTIA E ESPERA SOFRIDA PELO AUTOR EM TER QUE SE SUBMETER A AVALIAÇÃO MÉDICA EXIGIDA PELA COMPANHIA AÉREA, SEM CONTAR COM A PRESTEZA E COMPREENSÃO POR PARTE DOS FUNCIONÁRIOS DA MESMA. 4. O VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS QUANDO FIXADO LEVANDO-SE EM CONTA A SITUAÇÃO DAS PARTES E A EXTENSÃO DO DANO, BEM COMO OBSERVANDO OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, NÃO MERECE REFORMA. 5. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DE JULGAMENTO SERVINDO DE ACÓRDÃO, NA FORMA DO ART. 46 DA LEI 9.099/95. CONDENO A RECORRENTE AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, FIXADOS EM 20% (VINTE POR CENTO) SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO (TJ-DF – ACJ: 20060111122643 DF, Relator: CARMEN BITTENCOURT, Data de Julgamento: 27/05/2008, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 22/07/2008 Pág.: 79)

In casu, por se tratar de prática de ato abusivo e de má prestação do serviço por parte da prestadora de serviços de transporte aéreo doméstico nacional, definido nos termos do art. 215 do Código Aeronáutico, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor – CDC.

DO DIREITO DO PASSAGEIRO COM NECESSIDADE DE ATENDIMENTO ESPECIAL (PNAE) – RESOLUÇÃO 280/2013 DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC)

Prima facie, todos os dispositivos que serão mencionados nesse tópico constam na resolução 280 de 11 de julho de 2013 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

A partir da sobredita Resolução, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), definiu o que é “Passageiro com Necessidade de Atendimento Especial” (PNAE) e os procedimentos a serem adotados em situações que envolvam esse tipo de consumidor.

Assim, o seu art. 3º define:

Art. 3º Para efeito desta Resolução, entende-se por PNAE pessoa com deficiência, pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, gestante, lactante, pessoa acompanhada por criança de colo, pessoa com mobilidade reduzida ou qualquer pessoa que por alguma condição específica tenha limitação na sua autonomia como passageiro.

O anexo I da referida resolução classifica e codifica os passageiros que necessitam de assistência especial.

A Sra. Beltrana se enquadra na categoria MAAS (meet and assist), que consiste em “casos especiais. Passageiros que requerem atenção especial individual durante as operações de embarque e desembarque que normalmente não é dispensada a outros passageiros. São os seguintes: gestantes, idosos, convalescentes, etc”.

No caso, a requerente, na época, se classificava como MAAS, pois se encontrava com a mobilidade reduzida, em razão da cirurgia na coluna cervical e necessitava de atendimento e cuidados diferenciados.

Diante disso, os operadores aéreos e seus prepostos deveriam ter adotado todas as medidas e precauções a fim de facilitar o embarque do PNAE e seu acompanhante, ora requerentes, inclusive com precedência e preferência aos demais, garantindo a sua integridade física e moral. Vejamos as determinações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC):

Art. 5º Os operadores aeroportuários, operadores aéreos e seus prepostos devem adotar as medidas necessárias para garantir a integridade física e moral do PNAE.

Art. 6º O PNAE tem direito aos mesmos serviços que são prestados aos usuários em geral, porém em condições de atendimento prioritário, em todas as fases de sua viagem, inclusive com precedência aos passageiros frequentes, durante a vigência do contrato de transporte aéreo, observadas as suas necessidades especiais de atendimento, incluindo o acesso às informações e às instruções, às instalações aeroportuárias, às aeronaves e aos veículos à disposição dos demais passageiros do transporte aéreo.

§ 1º Pode haver restrições aos serviços prestados quando não houver condições para garantir a saúde e a segurança do PNAE ou dos demais passageiros, com base nas condições previstas em atos normativos da ANAC, no manual geral de operações ou nas especificações operativas do operador aéreo.

§ 2º O operador aéreo deve divulgar as condições gerais e restrições ao transporte do PNAE e de suas ajudas técnicas e equipamentos médicos.

A requerente, pois, não estava com nenhuma doença infecciosa ou outra que, de qualquer modo, oferecesse algum risco aos demais passageiros, pois se tratava apenas de passageira recém-operada, porém foi veementemente impedida de embarcar, sendo constrangida e humilhada juntamente com seu esposo, diante dos empecilhos impostos pela requerida, óbices, destaque-se, desnecessários.

A problemática poderia ter sido solucionada no saguão do aeroporto, no balcão da empresa e esta, por sua vez, deveria ter adotados as medidas para facilitar o embarque dos requerentes, o que não foi feito, pelo contrário, os funcionários da Companhia Aérea atuaram de modo diverso.

De outro modo, a requerida não divulgou nem informou em nenhum momento aos requerentes as condições gerais ou restrições ao transporte do PNAE, conforme se depreende o mandamento do dispositivo acima mencionado.

No dia da viagem de ida a Salvador os requerentes informam à funcionaria que estava realizando o check-in em Juazeiro do Norte, que estavam viajando para realizar cirurgia, mas mesmo diante disso não receberam qualquer informação sobre os procedimentos a serem adotados quando fossem voltar, bem como no momento que compraram a passagem na internet não foram questionados ou responderam a qualquer formulário/questionário sobre a necessidade de atendimento especial, nos termos em que determina a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC):

Art. 9º O operador aéreo, no momento da contratação do serviço de transporte aéreo, deve questionar ao PNAE sobre a necessidade de acompanhante, ajudas técnicas, recursos de comunicação e outras assistências, independentemente do canal de comercialização utilizado.

§ 1º O PNAE deve informar ao operador aéreo as assistências especiais necessárias:

I – no momento da contratação do serviço de transporte aéreo, em resposta ao questionamento do operador aéreo;

II – com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas do horário previsto de partida do voo para o PNAE que necessita de acompanhante, nos termos do art. 27, ou da apresentação de documentos médicos, nos termos do art. 10; ou

III – com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas do horário previsto de partida do voo para o PNAE que necessita de outros tipos de assistência não mencionados no inciso II deste parágrafo.

§ 2º A ausência das informações sobre assistências especiais dentro dos prazos especificados neste artigo não deve inviabilizar o transporte do PNAE quando houver concordância do passageiro em ser transportado com as assistências que estiverem disponíveis, observado, ainda, o disposto no § 2º do art. 2º.

Art. 13. O operador aéreo deve prover ao PNAE informações a respeito dos procedimentos a serem adotados em todas as fases do transporte aéreo.

Parágrafo único. O PNAE deve informar, nos termos do art. 9º, os recursos de comunicação de que necessita.

Conforme se denota dos dispositivos acima, mesmo diante da ausência das informações necessárias, o transporte aéreo não pode ser inviabilizado pelo transportador, ou seja, o embarque deveria ter sido providenciado com toda assistência e preferência a que trata a dita resolução, sem obstáculos e mais burocracias do que as necessárias.

Assim, embora o operador aéreo possa exigir formulário médico, o mesmo pode ser substituído por outro documento com as informações sobre as condições de saúde do PNAE.

No dia do embarque os requerentes estavam com declaração médica descrevendo detalhadamente o estado de saúde da Sra. Beltrana, autorizando-a a realizar viagem aérea, em conformidade com o que determina os arts. 10 e 13:

Art. 10. Para fins de avaliação das condições a que se refere o § 1º do art. 6º, é facultado ao operador aéreo exigir a apresentação de Formulário de Informações Médicas (MEDIF) ou outro documento médico com informações sobre as condições de saúde do PNAE que:

I – necessite viajar em maca ou incubadora;

II – necessite utilizar oxigênio ou outro equipamento médico; ou

III – apresente condições de saúde que possa resultar em risco para si ou para os demais passageiros ou necessidade de atenção médica extraordinária no caso de realização de viagem aérea.

§ 1º O documento médico e o MEDIF devem ser avaliados pelo serviço médico do operador aéreo, especializado em medicina de aviação, com prazo para resposta de 48 (quarenta e oito) horas.

(…)

§ 3º O operador aéreo deve adotar as medidas que possibilitem a isenção da exigência de apresentação do documento médico ou do MEDIF quando as condições que caracterizam a pessoa como PNAE forem de caráter permanente e estável e os documentos já tiverem sido apresentados ao operador aéreo.

Portanto, a requerente não necessitava dos aludidos equipamentos médicos para viajar, mas apenas de atendimento rápido, preferencial e que oferecesse um mínimo de conforto para sua saúde, haja vista estar operada, sensível da recente cirurgia na coluna e com o pescoço imobilizado.

A requerida, no mínimo, deveria prezar pelo bem-estar da requerente, que se encontrava um pouco debilitada, e seu esposo que estava a acompanhando.

Frise-se que somente é permitido a restrição dos serviços prestados para garantir a segurança do PNAE ou dos demais passageiros. Não havia, portanto, nenhum motivo que justificasse a demandada de impedir o embarque dos demandantes, haja vista as requerentes terem em mãos declaração e autorização médicas para realizar viagem aérea.

De outro modo, vale repetir, que a condição da Sra. Beltrana não a impedia de embarcar nem colocaria em risco sua segurança ou saúde, se adotadas as medidas necessárias pelo transportador aéreo, bem como também não colocava em risco os outros passageiros.

Diante da situação, e de toda a documentação regular apresentada na ocasião, a requerida deveria ter adotado todos os procedimentos para facilitar o check-in e o embarque dos requerentes, pois é seu dever prestar assistência ao PNAE:

Art. 14. O operador aéreo deve prestar assistência ao PNAE nas seguintes atividades:

I – check-in e despacho de bagagem;

II – deslocamento do balcão de check-in até a aeronave, passando pelos controles de fronteira e de segurança;

III – embarque e desembarque da aeronave;

IV – acomodação no assento, incluindo o deslocamento dentro da aeronave;

V – acomodação da bagagem de mão na aeronave;

VI – deslocamento desde a aeronave até a área de restituição de bagagem;

VII – recolhimento da bagagem despachada e acompanhamento nos controles de fronteira;

VIII – saída da área de desembarque e acesso à área pública;

IX – condução às instalações sanitárias;

X – prestação de assistência a PNAE usuário de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento;

XI – transferência ou conexão entre voos; e

XII – realização de demonstração individual ao PNAE dos procedimentos de emergência, quando solicitado.

Parágrafo único. Cabe ao operador aéreo o provimento das ajudas técnicas necessárias para a execução da assistência prevista neste artigo, com exceção do previsto no § 1º do art. 20 desta Resolução.

Art. 15. A assistência especial durante a viagem deve começar a ser disponibilizada pelo operador aéreo ao PNAE no momento da apresentação para o check-in.

Parágrafo único. Caso o PNAE realize o check-in por outro meio que não o atendimento presencial, este deve, na chegada ao aeroporto, identificar-se a um representante do operador aéreo.

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Ressalta-se ainda que a viagem, tanto ida como volta, era de conexão em São Paulo, onde os requerentes tiveram que esperar por 3 horas para poder embarcar novamente. Durante todo o tempo de espera, os requerentes não receberam nenhum tipo de assistência, em especial na volta, ocasião em que a Sra. Beltrana estava operada há apenas 3 dias. Nesse caso, a responsabilidade ainda era da requerida, conforme determinação do art. 19:

Art. 19. A responsabilidade pela assistência ao PNAE, nos termos do art. 14, em voos de conexão, permanece com o operador aéreo que realizou a etapa de chegada até que haja a apresentação ao operador da etapa de partida.

No caso, embora a Sra. Beltrana conseguisse se locomover estava com a movimentação limitada, com o pescoço imobilizado, precisando de cuidados, inclusive com o assento, para evitar se magoar ou complicações em sua cirurgia.

Nesse caso, era de responsabilidade da demandada providenciar a melhor acomodação para os requerentes, proporcionando-lhes bem-estar e zelando pela saúde da passageira recém operada, nos termos em que determina o art. 32:

Art. 32. Caso o PNAE apresente limitação que exija manter a posição de seu assento com encosto na posição reclinada em todas as fases do voo, inclusive pouso e decolagem, fica impedida a ocupação do assento localizado imediatamente atrás e dos assentos que tenham acesso ao(s) corredor(es) da aeronave obstruídos pelo assento com encosto na posição reclinada.

Ao invés disso, contrariando da citada determinação, a Sra. Beltrana e seu esposo foram acomodados em assentos localizados imediatamente na frente de uma criança, que aparentava ter aproximadamente 05 (cinco) anos de idade.

Como é natural, a criança inquieta bateu diversas vezes, durante toda a viagem, nas poltronas dos requerentes, causando imensa dor e desconforto a Sra. Beltrana, sem que nada fosse feito pelos funcionários.

Nota-se, portanto, que a demandada descumpriu reiteradamente as determinações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), causando diversos transtornos aos requerentes, além dos danos materiais e morais.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL – DEVER DE INDENIZAR PELOS DANOS MORAIS E MATERIAIS

“Entende-se por responsabilidade civil a circunstância de alguém ter de ressarcir algum prejuízo causado a outrem” [2].

A requerida praticou ato lesivo aos requerentes ao impedi-los de embarcar, mesmo com a devida autorização médica por escrito, mediante apresentação de atestado detalhado e devidamente assinado pelos médicos que realizaram o procedimento cirúrgico, causando-lhes prejuízos materiais e morais, adquirindo, por isso, a obrigação de ressarcir os consumidores.

Conclui-se, portanto, que a requerida praticou ato ilícito, conforme delibera expressamente o Código Civil de 2002. Vejamos:

CC: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Frise-se que a Requerida tinha conhecimento do fato, pois quando da ida a Salvador, os requerentes informaram à atendente que estava fazendo o check-in naquela ocasião que iriam viajar para realizar uma cirurgia, porém, ninguém da Companhia Aérea, diligenciou no intuído de instruir ou mesmo informar aos requerentes sobre os procedimentos necessários para embarque no caso de cirurgia, ainda mais porque os requerentes compraram passagens de ida e volta concomitantemente, pela internet, para um intervalo de 7 dias.

É evidente que a companhia área foi negligente, pois diante da informação, poderia facilmente conhecer a viagem de retorno e informar previamente aos requerentes os procedimentos a serem adotados no dito caso, evitando, assim, transtornos, constrangimentos e prejuízos.

Além de todo o constrangimento e humilhação, a empresa ainda prestou serviços defeituosos, pois se quer providenciou um assento mais acessível ou que oferecesse um maior conforto para a paciente recém-operada da coluna cervical.

A Sra. Beltrana estava sob o constante risco de machucar-se, e a empresa se quer facilitou seu embarque ou providenciou assento adequado.

Portanto foi uma viagem extremamente cansativa e desgastante, que por ser um voo teoricamente rápido, deveria proporcionar mais tranquilidade aos passageiros, mas a requerida não foi capaz nem de tentar reduzir os desconfortos causados aos requerentes.

No entanto, a fornecedora, ora requerida, tem responsabilidade objetiva, respondendo independente de culpa, embora tenha ocorrido muita negligência por parte dos servidores da Cia Aérea.

É nesse sentido o mandamento legal trazido pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, no art. 14, caput e seu §1º:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

Assim, nos palavras do mestre Paulo Roberto Roque Antônio Khouri, “Pode-se dizer que o sistema de distribuição de riscos da responsabilidade civil, implicitamente, traz consigo o seguinte princípio: o dano decorrente à vítima da quebra de dever de outrem será́ sempre um dano injustificado e por isso vai merecer sempre a reparação’’ [3].

Para Theodoro Jr, “em direito civil há um dever legal amplo de não lesar a que corresponde à obrigação de indenizar, configurável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenidade, surta algum prejuízo injusto para outrem, seja material, seja moral”[4].

Portanto, surge no presente caso, conforme demonstrado, a responsabilidade civil da demandada em reparar os danos causados aos requerentes.

1. DO DANO MATERIAL

Dano material se traduz em prejuízo econômico causado por ato licito ou ilícito, incidindo sobre o patrimônio do lesado.

Demonstrou-se, então, o prejuízo por ato ilícito da demandada.

Muito embora o atestado médico que os requerentes tinham relatasse detalhadamente a situação da recém-operada Sra. Beltrana, dando inclusive a permissão para viagem aérea, os requerentes foram obrigados a se deslocarem aproximadamente 25 km (vinte e cinco quilômetros), que pelas condições de trânsito e horário demoram cerca de 1 hora, apenas para preencher o formulário enviado pela requeria para o e-mail do Sr. Fulano de Tal.

Com isso os requerentes tiveram que realizar gastos referentes ao deslocamento. Desembolsaram para tanto o valor de R$ 275,00 (duzentos e setenta e cinco reais) para irem do aeroporto ao hospital, em razão de a companhia não aceitar a declaração médica dos requerentes, apenas para que o médico responsável pela realização da cirurgia da Sra. Beltrana pudesse preencher uma nova declaração no modelo da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que descrevia da mesma forma a situação da paciente, atestando também a aptidão para fazer a referida viagem de avião.

A indevida exigência da Companhia Aérea gerou prejuízos patrimoniais/econômicos aos requerentes, devendo repara-los. Tal obrigação é determinada pelo Código Civil, no artigo 927 e seu parágrafo único:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Dessa forma, os requerentes, no mínimo, devem ser indenizados por essa despesa.

2. DO DANO MORAL E DA VIOLAÇAO DOS PRINCIPIOS QUE REGEM A RELAÇÃO DE CONSUMO

Danos morais são aqueles de natureza não econômica, extrapatrimoniais, que “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado” [5].

Em outras palavras, o dano moral se configura pela intensa sensação de impotência e humilhação geradas a partir da supressão de direitos, em razão um ato abusivo de outrem que detém certo poder, seja econômico, técnico, político ou social. Tal dano é comum na esfera consumerista.

No presente caso, a demandada, abusando do seu poder técnico, diante da relação de consumo, impediu que os demandantes embarcassem e seguissem viagem normalmente, mesmo com todos os documentos regulares e em conformidade com as determinações da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

A Sra. Beltrana, estava com declaração médica detalhada e assinada pelo médico responsável por sua cirurgia. Tinha ainda a devida autorização médica para viajar de avião por dois profissionais especializados, no entanto foi impedida de embarcar, fato que gerou bastante indignação e constrangimento aos requerentes.

 Na ocasião, mesmo diante da regularidade, os demandantes foram informados que aquela declaração médica não tinha validade, pois não estava no modelo exigido pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), contudo, vale frisar, que o órgão fiscalizador exige apena uma declaração feita pelo profissional médico que atendeu a paciente que autorize o embarque, disponibilizando um modelo de formulário não vinculativo.

A atendente da empresa ainda disse que não poderia imprimir o tal formulário no guichê da companhia aérea e que os requerentes teriam que imprimir por conta própria enviando o modelo a ser impresso para o e-mail do Sr. Fulano de Tal.

Pois bem, se não fossem os funcionários tão atenciosos e acessíveis do hospital o qual a paciente passou pelo procedimento, os requerentes teriam passado por maiores dificuldades, pois não conheciam a capital.

Já no hospital, o dito formulário foi impresso e respondido pelo médico, constando as mesmas informações fornecidas no primeiro relatório apresentado no guichê da requerida e que foi veementemente recusado pela empresa.

Diante da nova declaração, os requerentes foram informados que teria até 48 horas para o formulário ser analisado por um médico da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), profissional este que se quer viu o estado da Sra. Beltrana, mas mesmo assim deu o aval e os requerentes somente puderam embarcar no dia seguinte.

Sentindo-se humilhados, impotentes, extremamente frustrados e exaustos, os requerentes só não ficaram à mercê da sorte porque um amigo do casal, que reside em Salvador, se disponibilizou para busca-los no Hospital, hospedando-os na própria residência até o dia seguinte.

Tudo isso gerou constrangimento e revolta aos demandantes, que ficaram com um sentimento de impotência, coagidos a permanecerem em Salvador e desamparado pela empresa que não ofereceu nenhuma forma de facilitar a vida ou, ao menos, diminuir o sofrimento dos requerentes, em especial da Sra. Beltrana.

Os nossos tribunais entendem que a negativa injustificada de embarque configura dano moral:

JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSULTA MARCADA. IMPEDIMENTO IMOTIVADO DE EMBARQUE. ATESTADO MÉDICO. DANO MATERIAL. REDUÇÃO DO DANO MORAL. 1. É indevida a negativa de embarque por problema de saúde do passageiro, quando há atestado médico informando sobre a adequação da viagem e o transportador não demonstra ter informado, adequadamente, ao consumidor sobre os documentos exigidos para embarque nessas condições. 2. Dano material correspondente à diferença entre o valor pago na aquisição de novas passagens e o originalmente pago pela recorrente, que corresponde a R$ 613,42 (seiscentos e treze reais e quarenta e dois centavos). 3. Dano moral configurado em face da situação de vulnerabilidade que se encontrava a autora/recorrida, porquanto, recém-operada, estava viajando para realização de nova cirurgia para o tratamento de doença grave, e a negativa de embarque injustificada lhe causou sofrimento emocional, angústia e abalo psicológico, que refogem ao mero aborrecimento do cotidiano. 4. Na fixação do seu valor, deve-se levar em conta o dano e sua extensão, a situação do ofendido e a capacidade econômica do ofensor, sem que se olvide da sua função punitivo-pedagógica. Desse modo, a redução do valor arbitrado a esse título, para R$ 3.000,00 (três mil reais), que se afigura moderado e razoável, é medida que se impõe. 5. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Sem condenação ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 55, da lei 9099/95. 6. A ementa servirá de acórdão, conforme disposto no art. 46, da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07019700620168070020 0701970-06.2016.8.07.0020, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 07/04/2017, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/05/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. PASSAGEIRA RECEM OPERADA IMPEDIDA DE VIAJAR MESMO APRESENTADO ATESTADO MÉDICO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DANOS MORAIS DEVIDOS. Cinge-se a controvérsia acerca falha no serviço da Ré, que impediu o embarque das Autoras, pelo fato de uma delas estar recém operada. Argumenta a Ré que sua conduta ao vetar o embarque da menor atendeu o previsto no Manual de Gestão de Aeroportos. No entanto, compulsando os autos verifica-se que a parte Autora cumpriu de forma satisfatória a única exigência prevista no regulamento, na medida em que demonstrou por meio de relatório médico que não havia qualquer contraindicação que a impedisse de embarcar. Ademais, a parte autora esclareceu no registro de ocorrência formulado perante a companhia aérea que já realizou dois voos junto à Ré estando recém operada, sendo esta a primeira ocasião em que foi impedida de embarcar, fato não negado pela Ré. Houve, portanto, a prática de ato ilícito, restando violado o princípio da boa-fé objetiva. Se em outras duas ocasiões foi admitido o embarque da menor, não pode a Ré alegar a ausência de comunicação prévia da passageira quando da aquisição das passagens aéreas como justificativa para impedir seu embarque. A situação de saúde da Autora não demandava providência especial de acessibilidade, apenas a simples permissão do embarque. Caracterizada a falha na prestação dos serviços, impõe-se à análise do dano moral. No caso dos autos, as Autoras além de esperarem horas no aeroporto, tentando solucionar um impasse criado de forma equivocada pela Ré, tiveram que utilizar o transporte rodoviário. Enquanto o voo demoraria apenas 1 hora e 30 minutos, as Autoras se viram obrigadas a comprar passagens de ônibus e levaram cerca de 12 horas entre Ribeirão Preto e Rio de Janeiro. Nesse contexto, em atenção às circunstancias do caso concreto, entendo que o valor originalmente fixado a título de danos morais no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) para a 1ª Autora (mãe) e R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para a 2ª Autora (menor operada) não merecem reparo na medida em que razoável e proporcional. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ – APL: 00253653020148190206 RIO DE JANEIRO SANTA CRUZ REGIONAL 2 VARA CIVEL, Relator: DENISE NICOLL SIMÕES, Data de Julgamento: 27/10/2016, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 31/10/2016)

Percebe-se que a empresa tratou os requerentes com desdém, sem a preocupação em oferecer um serviço de qualidade que diminuísse o sofrimento da requerente recém-operada e de seu esposo na proporção de sua condição, pelo contrário, obstou o embarque e dificultou o acesso a documentos que a própria empresa estava exigindo.

Pode-se notar ainda, diante do exposto e das provas carreadas aos autos, que a demandada agiu sem a devida observância de princípios basilares das relações de consumo, diante da vulnerabilidade acentuada dos requerentes, em razão das circunstâncias já apresentadas.

Desse modo, violou o princípio da boa-fé objetiva, que consiste em nortear a atuação das partes para garantir o respeito mútuo, sem obstruções e, principalmente, sem abusos, com o objetivo de se atingir o fim colimado no contrato, realizando o interesse das partes.

A atitude dos funcionários da requerida foi totalmente o contrário ao que determina o citado princípio, pois agiu de forma a impedir injustificadamente o embarque, utilizando-se de um motivo reconhecidamente mitigável, qual seja, a declaração médica que autorizava a paciente de viajar de avião não estar no modelo exigido pela empresa e pela ANAC.

Descumpriu dessa forma a determinação do art. 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor – CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

(…)

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

A demandada ainda desrespeitou o dever de informar, haja vista que a funcionária responsável pelo check-in no aeroporto no dia 22/06/2018, data em que viajaram a salvador, foi informada pelos requerentes que estavam indo realizar uma cirurgia, sendo que a passagem de volta já estava comprada, mas nenhuma orientação foi repassada.

Do mesmo modo, os requerentes não tiveram acesso a nenhum formulário/questionário no momento da compra das passagens (ida e volta) pela internet.

Embora uma funcionária tenha dito que existia uma cláusula no contrato, as letras do dito documento eram bem pequenas e sem nenhum destaque nos termos em que tratavam do transporte do PNAE.

Denota-se, assim, que a empresa teve total condição de conhecer a situação ou, no mínimo, deduzi-la, surgindo o dever de informar, o que deveria ter sido feito pelos funcionários da Companhia Aérea.

Nesse sentido o Código de Defesa do Consumidor – CDC prevê como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços. Vejamos o art. 6º, inciso III do referido diploma:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência

De outra forma violou ainda o princípio da eficiência, a que trata tanto a Constituição federal como o próprio Código de Defesa do Consumidor – CDC, supletivamente.

A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo 175, parágrafo único, inciso IV, o seguinte:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

(…)

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Nessa toada, o Código de Defesa do Consumidor – CDC previu como direito básico do consumidor, a qualidade dos serviços prestados:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

A requerida indubitavelmente presta serviço público de transporte aéreo de passageiros e não ofereceu um serviço adequado aos passageiros, ora requerentes, com a devida qualidade para o quadro que se encontrava a Sra. Beltrana, nem facilitou seu embarque para que pudesse chegar o mais rápido no conforto do seu lar e repousar.

Nota-se, portanto, que a requerida descumpriu uma série de obrigação que regem a relação de consumo, precipuamente a que se refere à qualidade dos serviços prestados e a garantia do bem-estar do consumidor, parte vulnerável da relação, atingindo o âmago dos requerentes de tal forma a causar-lhes abalos emocionais, psíquicos e patrimoniais.

2. QUATUM IDENIZATÓRIO

Ao que se refere ao quantum da indenização, esta deve, além de englobar os danos materiais, refletir e reparar o dano pelo abalo moral, revestindo-se de duplo caráter: repressivo ou punitivo e preventivo, neste último caso, evitando a banalização de tal conduta desrespeitosa e desmoralizante para com o consumidor.

Assim, diante da desídia e da má-fé da empresa em não querer solucionar a problemática ou, ao menos, facilitar para que os requerentes embarcassem, o dano moral deve ser quantificado de forma a reprimir atitudes obstativas de direito do consumidor pelo abuso do poder técnico, como no presente caso, deve minimizar os efeitos da ofensa ao que é inestimável o que seja a honra, a saúde psíquica e moral o bem-estar do consumidor.

Impende destacar ainda, que tendo em vista serem os direitos atingidos muito mais valiosos que os bens e interesses econômicos, pois reportam à dignidade humana, a intimidade, a intangibilidade dos direitos da personalidade, pois abrange toda e qualquer proteção à pessoa, seja física, seja psicológica. As situações de angústia, paz de espírito abalada, de mal-estar e amargura devem somar-se nas conclusões do juiz para que este saiba dosar com justiça a condenação do ofensor.

Desse modo há de se considerar a razoabilidade e a proporcionalidade, evitando-se o enriquecimento ilícito ou um valor tão irrisório a ponto de não inibir novas condutas lesivas, sob pena de ferir ainda mais princípios basilares das relações de consumo.

Frise-se que os demandantes saíram humilhados, com a sensação de impotência, tendo que depender de terceiros para terem um mínimo de conforto e se sentirem menos desrespeitados.

Dessa forma é justa, proporcional e razoável, ante ao caráter disciplinar e desestimulador, a fixação de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para reparação dos danos morais sofridos, somando-se aos R$ 275,00 (duzentos e setenta e cinco reais) pelos danos patrimoniais referentes às despesas com deslocamento não fornecidas pela demandada, tendo em vista, ainda, o alto poder econômico da demanda.

DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

 

No contexto da presente demanda há motivos claros e suficientes a ensejar a inversão do ônus da prova, ante a verossimilhança das alegações e hipossuficiência técnica dos requerentes, conforme dispõe o art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor – CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Como leciona o ilustre Rizzato Nunes, “a vulnerabilidade, é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc.”. [6]

Desse modo, cabe à requerida demonstrar provas em contrário ao que foi exposto pelos autores. Resta informar ainda que algumas provas seguem em anexo. Assim, as demais provas que se acharem necessárias para resolução da lide, deverão ser observadas o exposto no Código de Defesa do Consumidor – CDC, pois se trata de princípios básicos de proteção ao consumidor.

DA CONCLUSÃO, DOS PEDIDOS E DOS REQUERIMENTOS

 

Diante de todo o exposto, os autores pedem e requerem:

  1. Requer que se processe nos termos da lei 9.099/95.
  2. A concessão da justiça gratuita, por preencherem os requisitos do art. 98 do Código de Processo Civil (CPC) e da Lei 1.060/50 combinados com art. 5º, inciso LVXXIV da Constituição Federal.
  3. A citação da demanda para, querendo, contestar a presente ação no prazo de 15 dias, nos termos do art. 335 do Código de Processo Civil – CPC.
  4. A procedência total do pedido, condenando a demandada ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelos danos morais que causou aos requerentes e R$ 275,00 (duzentos e setenta e cinco reais) referentes ao prejuízo patrimonial ocasionado pela desídia da requerida.
  5. Em relação aos pontos que não puderam ser comprovados com os documentos acostados a esta petição seja declarada a inversão do ônus da prova, devido à hipossuficiência dos demandantes, nos termos do inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor – CDC e demais dispositivos da legislação em vigor.

Requer, por fim, provar o alegado, por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente por documentos, prova oral e o que mais se fizer necessário ao deslinde do presente feito.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.275,00 (dez mil, duzentos e setenta e cinco reais), referentes a soma do dano moral com o patrimonial, em conformidade com o art. 292, incisos V e VI do Código de Processo Civil – CPC.

Termos em que,

Pede e Espera Deferimento.

Cidade – UF, data do protocolo eletrônico.

Assinatura
[Nome do Advogado]
OAB-UF n. XXXXXX

 


Notas de fim

[1] BOLZAN, Fabricio; Direito do Consumidor, 5ª edição. Editora Saraiva, 2017 p. 62.

[2] FILOMENO, José Geraldo de Brito, Curso Fundamental de direito do Consumidor, p. 148.

[3] KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio, Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo, 6ª edição. Atlas, 10/2013. P. 170

[4] Jr., THEODORO, Humberto. Dano Moral, 8ª edição. Forense, 07/2016.

[5] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, n. 5, p. 31.

[6] NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, 11ª edição., 11th edição. Editora Saraiva, 2017

prática abusiva
Créditos: Ralf Geithe | iStock
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