Estado tem o dever de demarcar terras indígenas de forma legal e mediante justa indenização

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O Estado tem o dever de demarcar as reservas indígenas, mas não de forma ilegal e sem pagamento, espoliando o direito de propriedade de terceiros. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação de dois proprietários de um imóvel rural, contra sentença que, em ação de desapropriação indireta proposta em desfavor da União e da Fundação Nacional do Índio (Funai), julgou improcedentes os pedidos formulados e condenou os autores ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios arbitrados em R$ 15 mil.

Em suas alegações recursais, os apelantes sustentaram que houve flagrante enriquecimento ilícito por parte da União quando a sentença julgou improcedente a pretensão inicial por entender que não seria cabível indenização pela perda da terra nua de área declarada como tradicionalmente indígena. Argumentaram que a pretensão indenizatória foi amplamente motivada na teoria da responsabilidade administrativa, pois foi fundamentada na prática lesiva de alienar área cuja posse tradicional indígena que só restou reconhecida posteriormente. Os apelantes apresentaram ainda título definitivo que demonstra cabalmente a alienação da área, após exaustivo trabalho de regularização conduzido por órgão ligado à União, onde em nenhum momento se relata a existência de posse indígena sobre a área.

O relator do caso, desembargador federal Ney Bello, esclareceu que os proprietários do imóvel adquiriram as terras em 1981, de forma onerosa da União, através do Grupo Executivo de Terras Araguaia Tocantins (Getat), e que o caso em espécie trata-se de indenização de imóvel adquirido regularmente e devidamente titulado. “Essa realidade cartorária, que tem a seu favor a presunção de veracidade e de legitimidade, pois formada por atos administrativos, não pode simplesmente ser ignorada”, afirmou o relator.

O magistrado citou ainda voto do desembargador federal Olindo Menezes, onde é sustentado que o Estado tem o dever de demarcar as reservas indígenas quando a terra tem um valor de sobrevivência física e cultural, mas não de forma ilegal e sem pagamento, espoliando o direito de propriedade de terceiros, pois, por preceito constitucional, ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal. O imóvel dos apelantes foi legitimamente adquirido de Estado-membro, segundo os mecanismos legais, inclusive os registros no Cartório de Imóveis, e por isso não é lícito negar-lhes a correspondente indenização em desapropriação indireta.

O Colegiado, acompanhando o voto do relator, deu provimento à apelação dos proprietários para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para que seja realizada a perícia avaliatória do imóvel e seja proferida sentença fixando o valor da indenização que for devido, em face do mercado.

Processo n°: 0006145-92.2010.4.01.3901/PA – Acórdão

Data do julgamento: 18/10/2017
Data da publicação: 27/10/2017

JP

Autoria: Assessoria de Comunicação Social
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1 

Ementa

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. TERRAS OCUPADAS TRADICIONALMENTE PELOS ÍNDIOS. IMÓVEIS ADQUIRIDOS LEGALMENTE. DIREITO À INDENIZAÇÃO. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.

  1. Os apelantes adquiriram, em 1981, seu imóvel de forma onerosa da União, através do Grupo Executivo de Terras Araguaia Tocantins – GETAT. Trata-se, portanto, de indenização de imóvel adquirido regularmente e devidamente titulado. Essa realidade cartorária, que tem a seu favor a presunção de veracidade e de legitimidade, não pode simplesmente ser ignorada.

  2. “Tendo o imóvel dos apelantes sido legitimamente adquirido de Estado-membro, segundo os mecanismos legais, inclusive os registros no Cartório de Imóveis, não é lícito negar-lhes a correspondente indenização, em desapropriação indireta, em função de ocupação pelo Estado (União – FUNAI), à conta do fato de tratar-se de terras ocupadas (supostamente) tradicionalmente pelos indígenas. ‘O possuidor legitimado por títulos recebidos do Estado, em priscas eras, não pode ser espoliado do fruto do seu trabalho sem indenização’ (STF – MS nº 20.234-3/MT)”. (TRF1, 0002227-28.2001.4.01.3600/MT; Quarta Turma, Rel. Des. Federal Olindo Menezes, e-DJF1 de 16/08/2016).

  3. O precitado julgado destaca, ainda, que “o cidadão que acreditou na potestade pública, que atua com presunção de verdade, não pode ser confiscado nos seus direitos legalmente adquiridos, menos ainda estando de boa-fé, sem que tenha contribuído com alguma parcela de culpa nos eventuais defeitos legais dos atos praticados. O Estado tem o dever de demarcar as reservas indígenas, com relação aos quais a questão da terra tem um valor de sobrevivência física e cultural, mas não de forma ilegal e sem pagamento, espoliando o direito de propriedade de terceiros, pois, por preceito constitucional, ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal”.

  4. Apelação provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem a fim de que, após a regular instrução, com a devida pericia avaliatória do imóvel dos autores, seja proferida sentença fixando o valor da indenização que for devido, em face do mercado.

(TRF1 – APELAÇÃO CÍVEL N. 0006145-92.2010.4.01.3901/PA. RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO APELANTE : OSMAR AIRES ALVES E OUTRO(A) ADVOGADO : PA0020015A – BRUNO ASSUNÇÃO PAIVA E OUTROS(AS) APELADO : UNIAO FEDERAL PROCURADOR : MA00003699 – NIOMAR DE SOUSA NOGUEIRA APELADO : FUNDACAO NACIONAL DO INDIO – FUNAI PROCURADOR : DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI PROCURADOR : SP00197436 – LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA APELADO : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA – INCRA PROCURADOR : DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI. Data do julgamento: 18/10/2017. Data da publicação: 27/10/2017)

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