Proibição de viagens imposta a casal que responde a ação de insolvência é suspensa

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Proibição de viagens
Créditos: YakobchukOlena | iStock

A decisão de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que proibia um casal de viajar em decorrência de uma ação de insolvência civil, foi suspensa pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão liminar. Por unanimidade, o colegiado entendeu que a medida coercitiva restringe de forma desproporcional o direito fundamental de ir e vir.

O casal responde judicialmente em razão de dívida superior a R$ 3 milhões. 

No primeiro grau, o magistrado atendeu ao pedido da administradora judicial e do Ministério Público. O fundamento da restrição é a ausência de depósito nos autos e de demonstração de interesse, por parte dos devedores, em reduzir os prejuízos dos credores. O juiz determinou, então, que o casal não poderia se ausentar do município do Rio de Janeiro, ainda que por motivos profissionais.

Na primeira decisão em habeas corpus, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou o pedido de liberação das viagens sob o argumento de que o magistrado pode adotar as medidas necessárias para dar efetividade às ordens judiciais (artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015).

O tribunal também aplicou o artigo 104, inciso III, da Lei de Recuperação e Falência, que trata sobre o dever do falido de não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem comunicação expressa ao juiz e sem motivo justo. O TJRJ negou o habeas corpus considerando também a prática de atos que prejudicam a localização e a arrecadação de bens dos devedores, em processo que se estende por mais de dez anos.

Decisão do STJ: coação reprovável

O relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão destacou que, de fato, o juiz tem a faculdade de determinar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para que o cumprimento da ordem judicial seja assegurada, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (artigo 139, inciso IV, do CPC/2015).

No entanto, afirmou que “É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”.

Em sua visão, ainda que seja um instrumento genuíno que assegura o cumprimento do comando judicial, a medida de incursão na esfera de direitos fundamentais do executado “não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental”.

Para ele, diante das várias possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua necessidade e adequação. 

Embaraço à lib​​​erdade

O ministro relator ainda entendeu que, no caso dos autos, a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, que deve ser plena, por ser um direito fundamental constitucional. Ele pontuou que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade.

Salomão ainda lembrou que o STJ possui precedentes acerca da obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência. Neles, fica claro que, mesmo que a lei possa ser aplicada ao caso de insolvência civil, ela não possui caráter de penalidade, mas visa, ao contrário, facilitar o curso da ação falimentar, objetivando a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.

Ele ressaltou que o dispositivo legal não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca, somente condiciona a viagem ao preenchimento de alguns requisitos (existência de justo motivo, constituição de procurador e comunicação expressa ao juiz).

Assim concluiu o ministro Salomão ao conceder a liminar: “Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento”.

O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Quarta Turma.

Processo: HC 525378

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça)

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